quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Portugal. PR “COMPORTA-SE COMO LIDER DE UMA SEITA”, ACUSA CATARINA MARTINS




“Não aceito que haja partidos com mais responsabilidade que outros”. Cavaco Silva fez “discurso de facção”, acusou líder do BE numa entrevista em tom muito duro.

Ao longo dos primeiros 15 minutos de uma entrevista que durou quase uma hora, Catarina Martins apontou o discurso a Cavaco Silva, lançando várias acusações.

Considerando que a comunicação do Presidente da República (PR) foi um “discurso absolutamente inaceitável que apela à instabilidade do país e procura perverter que é o próprio regime democrático e decisão eleitoral dos portugueses”, a líder do Bloco de Esquerda disse, na entrevista à TVI 24, que não contesta a decisão, mas sim “o que se seguiu no discurso”.

“Sendo certo que podia tomar a decisão formal que bem entendesse”, o PR “fez uma série de afirmações como quem diz que só há alguns partidos que podem ser chamadas a solução de governo e estabilidade”. Ao fazê-lo, “não está a insultar os partidos”, “está a dizer que um milhão de pessoas não valem nada (…) há um milhão de eleitores cuja voz não pode ser ouvida”, apontou Catarina Martins.

Sobre a escolha de Passos, a bloquista afirmou que “não tenho problema nenhum com essa legitimidade”, porque está na constituição, mas “essa candidatura mais votada [coligação PSD/CDS] não será capaz de passar o seu governo, porque será rejeitado, de passar o seu orçamento, porque será rejeitado”, É uma “solução que não tem futuro e nos faz perder tempo”.

Notando que Cavaco Silva “esqueceu-se de falar na constituição”, designou a comunicação de “discurso de facção. Consegue surpreender sendo ainda mais faccioso que os piores comentários de direita que temos ouvido”, acusou.

Catarina Martins contestou ainda o alegado “anti-europeísmo” dos bloquistas, e o modo como essa característica poderia impedir o Bloco de Esquerda de contribuir para um Governo – Cavaco Silva afirmou que “em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas anti-europeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador”.

O Presidente da República “não conhecerá a história portuguesa”, acusa Catarina Martins dizendo que “o primeiro [partido] que me lembro é o CDS-PP”, “que era anti-europeísta e foi assim que se afirmou. (...) É preciso ter algum desprezo pela memória colectiva quando fala nesses termos”, diz a líder do BE.

Sempre num tom duro contra Cavaco Silva, a dirigente do Bloco explicou que “não pode dizer que não há condições de estabilidade de um governo de esquerda” e dar posse a um governo sem maioria.

Garantindo que “há solução estável, viável para o nosso país, que quebra o ciclo de empobrecimento”, Catarina Martins questionou se “o Presidente da República acha mesmo que quando estamos a discutir se os pensionistas no mês de Janeiro vão ter mais dificuldade em chegar ao fim do mês, ou se vão ter mais folga, estão mesmo a pensar nas metas de tratados europeus que nunca foram sufragadas em Portugal e que nenhum país da UE cumpre?”

“O senhor Presidente da República teve um discurso quase de seita”, acusou, numa ideia que voltou a repetir. “Está a comportar-se como líder de seita, a tentar criar instabilidade e a fazer chantagem. É completamente inaceitável que assim seja. Não é aceitável que o Presidente da República venha dizer que não aceita soluções que sejam democraticamente sufragadas no país e no parlamento. Não é assim que está desenhado a ordem constitucional”, afirmou a dirigente do Bloco de Esquerda, a terceira força mais votada nas eleições de 4 de Outubro, após a coligação PàF e o PS.

“O que me choca, o que é inaceitável, é que venha trazer para cima da mesa uma espécie de veto sobre decisões políticas democráticas, como se já estivesse decidido o governo antes das eleições, como se de facto as eleições fossem uma fraude e tinha era que se manter o rumo que o senhor Presidente da República quer. Isso não é assim. O regime democrático não funciona assim. O que fez é algo muito grave em democracia. Utilizar o papel institucional para criar instabilidade e fazer chantagem sobre deputados eleitos democraticamente”.

Dizendo não saber se essa designada chantagem resultará, garante: “Comigo não será com certeza”.

Alexandre Frade Batista - Económico

Portugal. PASSOS COELHO VAI FORMAR GOVERNO - AS REAÇÕES



O Presidente considerou que "a alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas" teria consequências "muito mais graves".

"Se o Governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o país precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas", afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, na comunicação ao país, onde anunciou que tinha indigitado o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, para o cargo de primeiro-ministro.

Sublinhando que é ao Presidente da República que cabe "de forma inteiramente livre" fazer um juízo sobre as soluções políticas com vista à nomeação do primeiro-ministro, Cavaco Silva disse ser "significativo" que não tenham sido apresentadas por PS, BE, PCP e PEV "garantias de uma solução alternativa estável, duradoura e credível".

Cavaco sublinhou ainda que se regeu pela "regra que sempre vigorou na nossa democracia: quem ganha as eleições é chamado a formar governo pelo Presidente da República" e garantiu que fora da União Europeia, o futuro de Portugal "seria catastrófico".

Nas eleições de 04 de outubro, a coligação Portugal à Frente (PSD/CDS-PP) perdeu a maioria absoluta e obteve 107 mandatos (89 do PSD e 18 do CDS-PP). O PS elegeu 86 deputados, o BE 19, a CDU 17 (dois do PEV e 15 do PCP) e o PAN elegeu um deputado.

TSF com Lusa

Partidos divididos entre uma "perda de tempo" e uma decisão "corajosa"

Nas reações à escolha de Pedro Passos Coelho para primeiro-ministro, a direita congratula-se, mas os partidos à esquerda falam em "perda de tempo" e dizem que o Governo vai ser derrubado no Parlamento.

Pelo Partido Socialista reagiu João Soares. O deputado "lamenta e estranha esta decisão do Presidente da República". A escolha é lamentada porque faz o país "perder tempo" já que "inevitavelmente" Passos Coelho vai ser derrubado no parlamento. João Soares afirma ainda que o PS "estranha a decisão porque está em contradição com o que o Presidente da República tem dito: que não daria posse a um PM que não desse garantias de um governo estável e duradouro".

PSD, por Marco António Costa já se veio congratular com a decisão de Cavaco Silva. Dizendo que agora se "abre um novo tempo" para a Assembleia da República saber dar "estabilidade" ao novo Governo. "É o tempo da responsabilidade do Parlamento", disse Marco António Costa. O vice-presidente do Partido Social Democrata diz que esta escolha representa o "respeito pelo resultado eleitoral das eleições de 4 de outubro". Marco António Costa garantiu aos portugueses que "não viraremos as costas a qualquer dificuldade com o objectivo de garantir que a recuperaçao da economia e dos emprego continuem".

Pelo Bloco de Esquerda Pedro Filipe Soares reiterou que "tudo faremos para rejeitar o Governo aqui na Assembleia da República". "O país precisava de um Presidente responsável que não fizesse o país perder tempo e não se comportasse como se estivesse dependente da sua costela de direita, particularmente de apoio a PSD/CDS", afirmou Pedro Filipe Soares, no parlamento. Interrogado pelos jornalistas, Pedro Filipe Soares não quis dizer como têm evoluido as negociações com o PS.

PCP - Cavaco Silva "terá de assumir todas as consequencias da instabilidade" que aí vem, considera o deputado comunista João Oliveira, que lembrou que o PCP vai também apresentar um moção de rejeição ao Governo. "Esta decisão é inaceitável, revela absoluto desprezo pela vontade expressa pelo povo português nas eleições de 04 de outubro e total ausência de imparcialidade", declarou João Oliveira, nos Passos Perdidos do parlamento. Segundo o deputado comunista, Cavaco Silva colocou-se "totalmente ao serviço do PSD e do CDS, cuja ação governativa os portugueses quiseram ver interrompida".

CDS - Foi dos discursos mais "importantes, claros e corajosos de todos os mandatos de Cavaco Silva" diz Nuno Melo do CDS. A decisão que Cavaco tomou foi a normal, afirmou o deputado, "optar por quem perdeu as eleições é que seria estranho". Segundo o centrista - que recordou que Cavaco Silva fez aquilo que todos os Presidentes da República fizeram nos últimos 40 anos - a decisão e a responsabilidade cabe agora aos deputados, sendo de esperar que os parlamentares façam o que tenha que ser feito, escusando-se a antecipar cenários. (TSF)

CGTP diz que decisão de Cavaco é "um atentado à democracia"

O secretário-geral da CGTP acusa o Presidente da República de ter feito o jogo da coligação de direita indo contra a vontade dos eleitores portugueses.

"O Presidente da República (PR) não devia tomar partido, mas tomou, a favor dos partidos que têm estado no Governo", disse Arménio Carlos à agência Lusa. Para o sindicalista, "a declaração do PR é um atentado à democracia e à vontade dos eleitores".

À TSF, o líder da Intersindical lamentou que Cavaco Silva não tivesse tido em conta "a expressão do voto da maioria do povo português que foi inequívoco ao retirar a maioria absoluta ao PSD/CDS" nas eleições de 04 de outubro passado.

O sindicalista considerou ainda que o PR, com os argumentos que apresentou para justificar a sua decisão, "procurou espalhar o terror e discriminou os restantes partidos".

Arménio Carlos manifestou esperança de que os partidos de esquerda sejam coerentes e rejeitem o programa de Governo da coligação PSD/CDS-PP.

TSF

Angola. A GRANDE MENTIRA



Rui Peralta, Luanda

A questão dos 15 cidadãos angolanos detidos acabou transformada numa plataforma de ingerência contra a soberania nacional e numa tentativa de desestabilização, promovida a partir do exterior. A forma como é propagandeada revela um grande desconhecimento sobre a realidade angolana, esquecendo os seus promotores que estão na presença de um Estado Democrático de Direito, legitimado pela Soberania Popular.

O atropelo é de tal forma efectuado pela máquina de propaganda estabelecida no exterior, que chega ao ponto de retirar do foro judicial uma questão que é da competência do Poder Judicial e que apenas no quadro da ordem jurídico-constitucional angolana pode ser resolvida. Estamos, assim, na presença, pois, de uma campanha de desestabilização – mais uma – que tem como objectivo impedir a efectivação do Estado Democrático de Direito e dos princípios e valores constitucionais da Republica de Angola.

Como é do conhecimento publico, um dos 15 cidadãos a aguardar julgamento (Luaty Beirão) optou pela greve da fome como forma de protestar pela sua detenção (foi, posteriormente, seguido por mais dois dos cidadãos detidos que, segundo creio, desistiram desta posição). Este protesto é um direito que assiste a esse cidadão e a sua posição foi respeitada pelas autoridades angolanas, que encarregaram-se de fazer prevalecer um outro direito constitucional (o Direito á Vida), prestando ao detido os cuidados clínicos necessários, para que este possa exercer o seu protesto sem colocar em risco a sua própria vida. Neste sentido procedeu-se á transferência de Luaty Beirão para uma clínica privada de alta qualidade, bem apetrechada de meios técnicos e humanos.

Esta preocupação do Estado angolano revela o comportamento democrático (o Estado angolano assume-se, com esta actuação, como um Estado Democrático de Direito, respeitando os valores constitucionais, os direitos de cidadania e a Declaração Universal dos Direitos do Homem) e o respeito pela condição da Pessoa Humana, contrastando com a forma hipócrita como os “amigos” de Luaty lhe manifestam “solidariedade”, aproveitando o seu protesto para fins obscuros e transformando-o, na prática, em “carne para canhão”.

A máquina de propaganda contra Angola (uma máquina bem oleada e de á muito montada e reequipada) aproveita-se do desconhecimento da realidade democrática angolana, do grande esforço que é feito no dia-a-dia da Nação Angolana para efectivar os princípios democráticos e aprofundar a Democracia. Este desconhecimento é, sem dúvida, algo que nós angolanos devemos começar a combater, mostrando ao mundo a nossa realidade, tornando acessível ao mundo obter informação sobre as nossas instituições democráticas e levando ao mundo a nossa realidade. Aqui temos, pois, responsabilidades e esta é uma frente sobre a qual nos temos de debruçar.

Por outro lado a oleada máquina patrocinada pelos interesses “anti-Angola”, aproveita-se da leviandade com que algumas forças políticas e figuras públicas europeias e norte-americanas abordam os assuntos de política externa e dos Direitos do Homem. Esta leviandade, associada á ignorância e ao desconhecimento, por si, apesar de preocupante, não passaria disso mesmo, de leviandade e desconhecimento. Mas estes factores (leviandade e desconhecimento sobre a realidade angolana) revelam-se um cocktail perigoso quando servem de alimento aos objectivos e interesses que estão por detrás da máquina de propaganda exterior. É que estes, caros amigos, são interesses conhecidos á mais de meio milénio pelos angolanos….

Angola. Companheiros de luta pedem a Luaty Beirão que cesse a greve de fome



Activistas enviam mensagem através de Rafael Marques

Os 14 jovens activistas angolanos detidos pediram a Luaty Beirão para terminar a greve de fome porque “precisam dele vivo” para “continuarem a luta”, disse ontem à Lusa o activista Rafael Marques que os visitou a todos.

“Eles pedem que o Luaty regresse para o seu meio, como líder moral, como indivíduo a quem olham com bastante respeito, que volte com saúde e que volte com vida”, relatou Rafael Marques, que visitou os 14 presos na cadeia de São Pulo, em Luanda, tendo depois transmitido as mensagens a Luaty Beirão, que se encontra internado na clínica Girassol.

Rafael Marques disse recolheu mensagens dos 14 jovens e que as levou a Luaty, “para que ele, sem pressão, ouça a voz dos seus companheiros de causa, dos seus companheiros de prisão, aquilo que eles pensam que devem de ser os próximos passos”.

“Coube-me apenas, na minha qualidade de defensor dos direitos humanos, ouvir os detidos, o que eles pensam da greve de fome. O Luaty quer voltar para junto deles e manter a greve. Eu ouvi-os, tirei notas e eles próprios escreveram pelo seu punho qual é o seu posicionamento e fui transmitir as opiniões de cada um ao Luaty”, explicou.

O também jornalista adiantou que, excepto Nelson Dibango, que escreveu na nota que “se o Luaty continuar com a greve de fome ele entrará novamente em greve de fome”, depois de já ter cumprido dez dias, “todos os outros são unânimes e até diziam que se tivessem essa permissão iriam à clínica ‘e pedir de joelhos’” para Luaty desistir, “porque precisam dele vivo e com saúde e de gizar estratégias” todos juntos.

“Nós não estamos aqui a falar de pessoas que estão a fazer pressão para que ele cesse a greve de fome. Estamos a falar daqueles com quem ele compartilha ideias e por quem ele está a sofrer e por quem ele quer continuar a sofrer – que são estes bravos jovens que continuam detidos”, acrescentou.

Luaty Beirão manifestou na quarta-feira a vontade de continuar a greve de fome no Hospital-Prisão de São Paulo, onde se encontram os 14 companheiros, considerados como “prisioneiros de consciência” pela Amnistia Internacional.

“Por uma questão humanitária, tive a permissão para falar com todos os detidos e também para abordar algumas questões relacionadas com a segurança e com as condições carcerárias destes. Penso que é importante reconhecer este gesto e continuar a trabalhar, para que, apesar de termos posições diferentes e na maioria das vezes antagónicas, possamos compreender que estamos a falar do direito à vida”, concluiu Rafael Marques.

Bingo-Bingo suspende greve de fome e precisa de cuidados médicos

Albano Bingo-Bingo disse ontem à Lusa que suspendeu a greve de fome que começou a 9 de Outubro, face à marcação do início do julgamento 16 de Novembro.
O activista iniciou a greve de fome em protesto pelo prolongamento da detenção para além do prazo da prisão preventiva e, segundo denúncia da família, não recebeu os cuidados médicos necessários.

O eurodeputado português Francisco Assis (PS) questionou a Comissão Europeia sobre eventuais diligências para garantir cuidados médicos urgentes a Albano Bingo-Bingo, também conhecido como Albano Liberdade, que, segundo o comunicado, não se consegue manter de pé e “não recebeu até ao momento qualquer assistência médica”.

“Albano Bingo-Bingo foi despido na cela por polícias que o torturaram e o arrastaram depois, nu, para o pátio. Testemunhas relatam que Albano Bingo-Bingo está gravemente doente e que apresenta uma infeção severa numa perna”, acrescentou o comunicado.

Assis alertou assim para outros casos, face ao “quase monopólio do caso de Luaty Beirão nos meios de comunicação social”.

Protestos internacionais continuam

Centenas de pessoas concentraram-se no final da tarde de ontem no Rossio, em Lisboa, numa nova acção de protesto para exigir a libertação dos activistas presos em Angola e com a participação de diversas organizações da sociedade civil.

“Não às prisões arbitrárias”, era a frase que sobressaía no painel colocado junto à estátua de D. Pedro IV e da responsabilidade da Solidariedade Imigrante. “Liberdade aos activistas presos em Angola”, referia outro painel, enquanto crianças desenhavam no chão em cartões e com lápis de cor a frase “Liberdade Já”. Ao lado, alguns dos presentes exibiam folhas brancas onde estavam impressos os nomes dos 15 activistas detidos em Luanda.

Membros da Amnistia Internacional (AI), da Associação José Afonso (AJA), diversas personalidades, comentadores, escritores músicos, e diversos dirigentes do Bloco de Esquerda (BE), também se juntaram ao protesto, convocado nas redes sociais pelo colectivo Liberdade aos Activistas Presos em Angola (LAPA).

Francisco Louçã, ex-líder do terceiro maior partido português, o Bloco de Esquerda,  e a actual deputada do mesmo partido Mariana Mortágua, o também deputado do PAN André Silva, o cantor Sérgio Godinho, o escritor Gonçalo M. Tavares ou o historiador e comentador Pacheco Pereira marcaram presença no protesto.

“[Em Angola] há uma correlação entre aquilo que é uma espécie de cleptocracia e aquilo que é a perseguição dos direitos humanos”, disse à Lusa Pacheco Pereira.

“Há uma directa correlação entre a falta de liberdades políticas, a perseguição às pessoas, com aquilo que é uma classe dirigente que na prática rouba o povo angolano. Tem que ser dito com todas as letras, porque se pode perguntar de onde vieram aquelas fortunas. Como é que aqueles empresários têm milhões e milhões e milhões sem nunca se conhecer a sua origem, porque o dinheiro depois multiplica-se”, observou o antigo responsável social-democrata, que também deixou críticas à actuação do governo de Portugal.

“Há uma completa tibieza do governo português, que a primeira que disse foi que se tratava de uma matéria interna do governo angolano. Tal nunca pode ser dito em relação a questões dos direitos humanos”, assinalou. “Temos obrigações internacionais em matéria de direitos humanos e isso significa que havendo um problema de direitos humanos não se pode tratar como uma questão interna de nenhum país”, acrescentou.

Pacheco Pereira diz ter antes detectado “o mínimo diplomático para não parecer mal, e aliás por iniciativa de embaixadores de outros países. Mas está muito longe daquilo que era necessário tendo em conta que quem está a fazer greve de fome é um cidadão que também tem a nacionalidade portuguesa”.

Francisco Louçã, professor catedrático de Economia, que esteve em Luanda na semana passada a dar aulas, afirmou que “é preciso proteger a vida deste homem [Luaty Beirão] que está a entrar no segundo mês de greve de fome porque em Portugal como em Luanda há um bem essencial que é o direito da liberdade de opinião. Não pode ser posto em causa e por isso a defesa destes jovens é tão essencial para todos”.

No Brasil, o caso dos activistas também já chegou ao parlamento. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) apresentou uma moção de solidariedade para com os jovens detidos. O documento refere todos os factos à volta do caso, dando ênfase à diferença de tratamento entre Luaty Beirão e os seus companheiros de causa.

“Nos últimos dez dias, outros dois activistas angolanos, Mbanza Hamza e Albino Bingo-Bingo, também iniciaram greve de fome e estão sem atendimento médico. O estado clínico de Luaty é sério e está cada vez mais debilitado e é assistido por uma equipa de profissionais de saúde e recebendo algumas visitas de observadores internacionais e angolanos que defendem os direitos humanos. Os outros detidos seguem presos com direito a apenas uma visita diária mesmo que se trate de advogados defensores ou familiares.”

Erundina continuou o discurso pedindo a libertação dos jovens: “Pedimos a imediata libertação dos 15+2 activistas. Quero que cópia desta moção seja encaminhada à República de Angola para evitar que crimes hediondos estejam sendo praticados contra cidadãos angolanos que lutam pela liberdade e pela preservação dos seus direitos humanos.”

Ontem, representantes diplomáticos de embaixadas de países da Europa em Luanda, incluindo de Portugal e da União Europeia, reuniram-se no hospital-prisão de São Paulo, na capital, com 14 dos activistas que se encontram desde Junho em prisão preventiva.

A reunião, explicou a chefe da secção política da Delegação da União Europeia em Angola, a portuguesa Joana Fisher, surge na sequência de encontro idêntico, no sábado, com o rapper e activista luso-angolano Luaty Beirão.

“No que concerne à situação dos defensores dos direitos humanos e outros activistas no país, a União Europeia tem desenvolvido esforços reiterados e tem pugnado pelo cumprimento das garantias processuais previstas na lei angolana”, afirmou, ao fim de mais de três horas de reuniões, que permitiram, conforme a Lusa constatou no interior, ouvir nove dos 14 detidos que ali aguardam julgamento.

Sem adiantar mais pormenores, Joana Fisher afirmou que a União Europeia “acompanha com atenção” o caso dos 15 ativistas em Angola.

“A União Europeia tem cooperado com as autoridades angolanas na promoção dos direitos humanos e aborda regularmente este assunto com as autoridades”, disse, adiantando que não estão, para já, previstas novas iniciativas neste processo por parte da Delegação da União Europeia em Angola.

Rede Angola com Lusa – Na foto: Quatro dos quinze presos políticos / FB

AS LIÇÕES DA DEMOCRACIA EM ANGOLA



José Ribeiro – Jornal de Angola, opinião

A posição da oposição angolana liderada pela actual direcção da UNITA contra o espírito de unidade e reconstrução nacional presente nos acordos de paz do Luena começou com a decisão de Samakuva de pôr fim ao GURN. Esta atitude de renegação mantém-se inalterável até hoje, mas ao contrário do que pensa o líder da oposição, ou quem interpreta a realidade por si, tem prejudicado muito mais o país do que o MPLA e o seu líder.

Quem percebe bem isto que acabo de afirmar são as igrejas angolanas, mas estas, porque atravessadas também pela influência das direcções dos partidos políticos, pouco ou nada podem fazer para chamarem à razão as almas desavindas. Até talvez nem convenha, como dizia o meu mestre, sempre céptico com asserções definitivas. O melhor é concentrarem-se no evangelho e na salvação das almas, que o país também precisa.

Abandonando o quadro institucional da reconciliação nacional balizado no Luena, a oposição liderada pela UNITA de Isaías Samakuva quis com isso abrir o seu espaço de ataque à governação, seguindo modelos exógenos e académicos, sem entender no que se metia. Só que alargou tanto o seu campo de crítica que se afastou do nível da sensatez política e caiu no extremo perigoso, chegando a assumir contornos que se aproximam do passado. A UNITA desta linha política descomprometeu-se das responsabilidades que teve no estado a que chegou o país, voltando a abandonar lugares na Assembleia Nacional, qualificou o regime de ditadura, incitando à revolta e a manifestações selvagens, elevou o limite da crispação até à hostilidade, usando a Rádio Despertar e o terrorismo mediático das ditas redes sociais, e voltou a conduzir uma diplomacia paralela contra o próprio Estado a que pertence, dando novo alento a antigos “lóbis” savimbistas adormecidos e enfraquecendo a democracia angolana. Por exemplo, para provar que a imprensa angolana não é independente nem pluralista, a liderança da UNITA evita ao máximo o contacto com os meios de comunicação social. Pela terceira vez consecutiva em vários anos, o pedido de entrevista feito pelo Jornal de Angola a Isaías Samakuva e a Chivukuvuku foi recusado. Mas, naquilo que é um caso de corrupção, o maior partido da oposição disponibilizou dinheiro para pagar o congresso do Sindicato de Jornalistas Angolanos (SJA), que se transformou numa fraude democrática camuflada. 

As consequências do tipo de oposição que é feito pela UNITA de Isaías Samakuva são óbvias. É nos  momentos de grandes dificuldades e de maior aperto que melhor se conhecem os grandes homens e se vê quem está de facto empenhado em dar solução aos problemas da Nação. Os renegados do espírito dos acordos do Luena rejubilam com as consequências da descida do preço do petróleo para as finanças públicas, quase como se fossem rebeldes interessados num Estado fraco. Nos tempos duros da guerra, o cidadão viu quem esteve a defender a integridade e a soberania nacional e quem não esteve. Nos tempos virtuosos do preço alto do petróleo, toda a gente viu quem esteve a rasgar o território e a fazer obra e quem ficou de braços cruzados a ver a caravana a passar e apenas a criticar. 

A intolerância política de que Isaías Samakuva se queixa interessa à própria UNITA, pois permite-lhe aparecer como vítima. Como a mulher que se zanga com o marido e atira o bebé pela janela fora, até é útil para políticos do estilo de um Numa ou Adalberto Júnior, criar mártires na sociedade angolana. O “caso” Luaty Beirão é um reflexo da política daqueles que fizeram a guerra e a propaganda de Savimbi.

A oposição liderada pela UNITA preferiu o caminho do confronto extremado, mas entrou num beco sem saída. Agora dá a entender que deseja voltar ao tempo do acordo de Alvor do fim do império português, da “partilha do poder” de Chester Crocker, dos acordos de Bicesse de Durão Barroso, do Protocolo de Lusaca de Maître Beye, enfim, quer voltar a reduzir o sistema político angolano ao controlo dos antigos movimentos de libertação, recuar aos privilégios que conquistou com o GURN e estupidamente abandonou, agravando a vida de muitos dos seus militantes, e quer uma democracia que lhe seja submissa. 

Só que Isaías Samakuva pede o impossível, porque, 40 anos depois da Independência Nacional, novos protagonistas emergiam na cena política angolana, com tanto direito como os velhos, a democracia angolana evoluiu, nasceram novos poderes e o caminho a partir de agora é para a liberdade e a modernidade.  

Na democracia à americana, que passei a visitar ultimamente, tentando perceber as diferenças entre o sistema liberal do outro lado do Atlântico e os regimes europeus egoístas, colonialistas, exploradores, chulos e corruptos, tão conhecidos e próximos de nós que já sufocam, o que prevalece acima de tudo é o primado da lei. Se à conduta de hoje da UNITA fossem aplicadas as regras do modelo democrático americano, nesta altura toda a direcção de Samakuva que se esconde por trás das instituições democráticas estaria a contas com a justiça. 

Felizmente para esse tipo de oposição, o actual regime político em Angola é moderado, reconciliador, dialogante e sensato, opção política que deu frutos, entronca no espírito do Luena e tem sido fonte de inspiração na resolução de outros conflitos africanos. Em 40 anos de Independência e depois de tantos anos de guerra, essa é uma lição a reter.

Guiné-Bissau. REPÚBLICA ADIADA!



O Democrata, editorial

Edificada em cinzas de contradições e rodeada em conflitos intestinais, a querida Guiné-Bissau continua refém do árduo percurso da sua idade embrionária. De crise em crise, de drama em drama, de golpe em golpe, a pátria de Cabral está sufocada nesta eterna caça ao destino adiado na sombra de egoísmo, incompetência e mentira.

A recente crise política, ainda bem patente nas subconsciências, é sem dúvida mais um capítulo na longa telenovela de desânimos e desesperança de um povo que um dia soube e ousou sonhar bem alto.

Desânimos e desesperança, porque durante últimas eleições presidenciais e legislativas, houve chuvas de promessas e comprometimentos de diferentes candidatos em criar condições para que se possa alcançar largos consensos no manto do diálogo e consequentemente consolidar a tão almejada estabilidade neste país. Infelizmente, as promessas eram tudo menos sinceras.

O compromisso para com o povo era conseguir o voto, e depois, nada. As promessas de ontem, a contradições cegas de hoje, e quem sabe, as turbulências de amanhã. Assim vai este país de homens e mulheres irresponsáveis!

A crise política que culminou na indigitação do “velho” Carlos Correia na liderança do executivo, devia levar-nos, enquanto filhos desta terra mártir, a colocar pela primeira vez o dedo na consciência. Na nossa modesta opinião, a ruptura que paralisou o país durante 60 dias, senão mais, é mais um sinal equívoco do nosso fracasso colectivo. Nós e políticos somos todos os responsáveis desta desgraça colectiva.

Na verdade, esta crise permitiu compreender a similitude dos políticos guineenses. “Farinha do mesmo saco”! O que lhes diferem na prática são as cores das suas bandeiras. Mais nada. No fundo, comungam os mesmos vícios e as mesmas desvirtudes que começam de intrigas e terminam em assassinatos. São verdadeiros “assassinos” das expectativas legítimas do povo que aspira à mudança rumo a um país moderno e próspero.

Enquanto povo, esta crise revelou o nosso elevado grau do conformismo e a nossa paciência a engolir o peixe pela cauda. Face à crise, o guineense comum mostra-se incapaz e indiferente. Só reage quando os estilhaços da desordem batem-no na porta. É urgente mudar o nosso olhar e sair definitivamente deste sono profundo.

Sem o enraizamento da cidadania activa em defesa do bem público, a Guiné-Bissau permanecerá uma propriedade dos políticos sem preparação e incapazes de proporcionar uma alternativa, será para mais décadas, uma República adiada.

CABO VERDE, O RESORT ATLÂNTICO



José Almada Dias – Expresso das Ilhas, opinião

O turismo é hoje considerado o motor da economia de Cabo Verde, e projecta-se que assim seja no futuro. Há poucos anos, a maioria dos cabo-verdianos, incluindo as autoridades, não acreditava que alguém pudesse ter razões para vir visitar estas rochas nuas, como cantou o poeta. A razão dessa descrença residia no facto de o cabo-verdiano ter como fetiche paisagens verdejantes, provavelmente como forma de exorcizar o fantasma das secas que nos persegue desde sempre. Hoje, passámos da descrença para uma quase histeria colectiva, onde não há autarca que não queira, urgentemente, turismo e turistas no seu concelho. Uma vez que não apareceu ainda o tal D. Sebastião que venha, miraculosamente, resolver os nossos problemas, vamo-nos agarrando de cada vez a uma tábua de salvação. No meio disto tudo, aparecem umas vozes discordantes que chamam, democraticamente, a atenção para os perigos do turismo, e outras que dizem que o turismo não será a panaceia para os males de que ainda padecemos.

Sendo assim, o debate passou a ser outro – poderá ou não o turismo resolver todos os problemas do país?

Nunca ouvi falar de nenhum país que tenha todos os seus problemas resolvidos, de modo que este debate parece-me um pouco desfasado. Mas é evidente que o turismo tem um potencial único de arrastamento da economia dos países. E foi graças ao turismo que alguns países arquipelágicos se desenvolveram. Isso é simplesmente inquestionável, goste-se ou não. E é por uma razão simples: as ilhas dos pequenos países insulares não possuem dimensão territorial nem gente (leia-se mercado) suficiente para terem escala e competirem neste mundo globalizado. O turismo opera o milagre de trazer o mercado que as ilhas não possuem. Estamos no domínio da aritmética e não se trata do milagre da multiplicação dos pães, mas sim de pessoas. As ilhas Canárias possuem 2,1 milhões de habitantes e recebem cerca de 13 milhões de turistas. Cenário semelhante para os arquipélagos das Caraíbas, da Madeira, das Seychelles, das Maurícias, etc., etc.

E se o turismo for bem programado, pode-se inclusive escolher o mercado que se quer atrair. Simples, mas dá trabalho a fazer.

Vamos hoje focar-nos num importante segmento, o turismo residencial, conceito normalmente ligado à denominada imobiliária turística, ou seja, quando pessoas adquirem uma casa no estrangeiro para aí residirem parte do tempo, ou também como investimento. Na aldeia global, tornou-se moda, sobretudo entre os reformados dos países desenvolvidos, comprar uma segunda (ou terceira, etc.) casa num país diferente, perseguindo o sonho de morar num paraíso tropical – “a place in the sun”. São essencialmente os chamados seniores, normalmente casais ou indivíduos já reformados, sem filhos em casa e com tempo e disponibilidade financeira para investir numa nova fase de vida mais relaxada. Uma vez que a Europa é o mercado emissor por excelência de turistas para Cabo Verde, vamos concentrar-nos no Velho Continente.

Em 2007 existiam cerca de 115 milhões de pessoas com mais de 65 anos no espaço Europa+Rússia. Em 2050, as estimativas apontam para que sejam 179 milhões de almas, das quais uma boa parte disponível para viver os seus anos dourados num país com sol, tranquilidade, segurança, belas praias e vales verdejantes, onde possa consumir cultura, beber um bom vinho (ou grogue), ouvir boa música, ou seja, usufruir de la dolce vita. Cabo Verde poderá oferecer isso?

Costumo dizer (hoje com alguma reserva) que a terra de Cesária Évora é o país tropical seguro mais próximo da Europa, tanto geográfica como culturalmente. Sem jet-lag, doenças endémicas, grandes catástrofes naturais e com uma cereja no topo do bolo: somos um país cristão, de tradição cultural judaico-cristã, ou seja, podemos oferecer uma dimensão de segurança muito importante hoje em dia para as populações europeias, maioritariamente cristãs.

No ano passado, um potencial investidor francês dizia-me, após um bom banho na Baía das Gatas e uma visita ao túmulo da sua amiga Cesária Évora, que só em Marrocos viviam 200 mil franceses reformados, hoje na sua maioria à procura de outra localização devido aos receios do extremismo islâmico. Cabo Verde, para ele, é a solução óbvia. Eu a ouvi-lo e a recordar-me de mais de 15 anos a tentar convencer as nossas autoridades do mesmo.

Há cerca de quatro anos, fiz umas quantas incursões ao magnífico país que é a Noruega, precisamente na tentativa de estabelecer uma ponte para trazer reformados escandinavos para Cabo Verde. Nessa altura, só no Sul de Espanha viviam 20 000 noruegueses reformados e um número bem maior de suecos, dinamarqueses e outros nórdicos. Para não mencionar a enorme quantidade de britânicos, alemães e outros europeus que me habituei a ver nos meus tempos de estudante no Algarve e que continuam por lá em cada vez maior número.

Um dia, em Oslo, pedi uma cerveja ao fim da tarde e despendi a módica quantia de 9 euros! Enquanto pagava la dolorosa ia fazendo as contas de quantas cervejas um norueguês da classe média não beberia por cá...

Lembro-me de um conhecido meu que, no Algarve, ganhava o equivalente a uns 1000 euros/mês apenas para tomar conta de um iate de um velhote inglês que só lá ia em Agosto. O trabalho do meu amigo consistia em ir ver o iate à marina uma vez por semana!

No arquipélago da Madeira, deliciei-me a ver todos os restaurantes e tascas cheios de casais ingleses a degustarem a gastronomia e os vinhos locais. Saí à noite para visitar o Casino do Funchal e, para minha surpresa, só vi jovens locais a divertirem-se, gastando o dinheiro que ganham nos hotéis, num arquipélago onde ‘desemprego’ é quase uma palavra desconhecida. Vi o mesmo nas Seychelles. A aposta no turismo sénior permite que a probabilidade de turismo sexual diminua drasticamente, uma preocupação importante num país com uma população jovem, aberta e pobre como é a nossa.

Estudos universitários mostram que, por cada reformado que se instala num país, são criados cerca de 1,7 empregos directos na economia, nas mais variadas áreas – telecomunicações, saúde, transportes, agricultura, pescas, etc., ou seja, em todos os sectores. E nós com milhares de verdianos no desemprego apesar de tantos clusters!

O turismo residencial traz um mercado que permite exportar cá para dentro o nosso pescado, produtos agrícolas, telecomunicações, arte, música, etc. Tomemos como exemplo a majestosa ilha de Santo Antão, onde escrevo estas linhas. Se cá vivessem alguns milhares de reformados europeus, o problema do bloqueio aos produtos agrícolas já não se punha. E até a barragem de Canto Cagarra poderia fazer algum sentido...

Somos o primeiro povo do Novo Mundo, uma criação europeia. Temos uma abundante história para contar aos europeus, a história de como os seus (e nossos) antepassados por aqui passaram para construir novos países nas Américas, em África, na Ásia e na Oceânia.

Podemos ensinar-lhes a dançar mazurca e contradança, essas danças de salão europeias (hoje desaparecidas), que os nossos antepassados comuns trouxeram para cá, e se tornaram por direito parte da cultura deste povo atlântico que nasceu no berço da crioulidade mundial. E, por sermos crioulos de cultura mestiça, podemos ensinar-lhes a dançar o Colá San Jon e mostrar-lhes que festejamos as festas religiosas que eles trouxeram, com um toque de sensualidade e erotismo que só quem tem sangue de antepassados africanos pode “inventar”. E que isso não nos impede de sermos católicos como eles, de celebrarmos os mesmos santos, nas mesmas procissões e nas mesmas datas.

Uma vez, na Noruega, disse a um potencial parceiro que se fosse primeiro-ministro de Cabo Verde estaria a bater à porta dos meus homólogos escandinavos a oferecer-lhes o meu país para os seus reformados virem viver. Ele concordou comigo e achou pena que eu não fosse político...

Cabo Verde pode e deve ser o resort natural do Atlântico, fazendo jus à sua condição de primeiro país crioulo deste oceano que presenciou e serviu de veículo para a expansão mundial moderna. Essa é a condição que faz com que todos os povos que aqui vêm se sintam em casa. Sendo assim, porque não os convidamos a virem viver para cá?

O EXÉRCITO RUSSO AFIRMA A SUA SUPERIORIDADE EM GUERRA CONVENCIONAL



Thierry Meyssan*

A intervenção militar de Moscovo na Síria não revirou simplesmente a sorte das armas e semeou o pânico entre os jiadistas. Ela tem mostrado ao resto do mundo, em situação de guerra real, as actuais capacidades do exército russo. Para surpresa geral, este dispõe de um sistema de empastelamento capaz de tornar a Aliança Atlântica surda e cega. Apesar de um orçamento muito maior, os Estados Unidos acabam de perder a sua preponderância militar.

A intervenção militar russa na Síria, que devia ser uma aposta arriscada para Moscovo (Moscou-br) face aos jiadistas, transformou-se numa manifestação de poderio que altera o equilíbrio estratégico mundial [1]. Concebida à partida para isolar os grupos armados dos Estados que os apoiam, em violação das resoluções decisivas do Conselho de Segurança, depois destruí-los, a operação é conduzida para cegar o conjunto dos actores ocidentais e seus aliados. Estupefacto, o Pentágono está dividido entre os que tentam minimizar os factos, e encontrar uma falha no dispositivo russo, e aqueles que, pelo contrário, consideram que os Estados Unidos perderam a sua superioridade em matéria de guerra convencional e que lhes será necessário longos anos para a recuperar [2]

Lembre-se que em 2008, aquando da guerra da Ossétia do Sul, as Forças russas foram capazes de repelir o ataque georgiano, é certo, mas haviam mostrado ao mundo, sobretudo, o estado deplorável do seu equipamento. Ainda há dez dias atrás, o antigo secretário da Defesa, Robert Gates, e a antiga conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, falavam do exército russo como uma força de «segundo nível» [3].

Como é que, então, a Federação da Rússia conseguiu reconstruir a sua indústria de defesa para conceber e produzir armas da mais alta tecnologia, sem que o Pentágono captasse a amplitude do fenómeno e se deixasse distanciar ? Os Russos utilizaram todas as suas novas armas na Síria, ou dispõem ainda de outras maravilhas de reserva? [4]

O mal-estar é tão grande em Washington que a Casa Branca acaba de cancelar a visita oficial do Primeiro-ministro Dmitry Medvedev, e de uma delegação do Estado-maior russo. A decisão foi tomada após uma visita idêntica de uma delegação militar russa à Turquia. É inútil discutir as operações na Síria quando o Pentágono não sabe, mais, o que lá se passa. Furiosos, os "falcões liberais" e os neo-conservadores exigem a retoma de um maior orçamento militar e obtêm a suspensão de retirada das tropas do Afeganistão.

Da forma mais estranha que se possa considerar os comentadores atlantistas, que assistem à ultrapassagem do poder militar dos E. U., denunciam o perigo do imperialismo russo [5]. No entanto, a Rússia trata aqui apenas de salvar o Povo sírio, e propõe aos outros Estados trabalhar em cooperação com ela, enquanto os Estados Unidos impuseram o seu sistema económico e destruíram numerosos estados, enquanto detinham a proeminência militar.

Forçoso é constatar que as declarações incertas de Washington durante a manobra russa, antes da ofensiva, não devem ser interpretadas como uma adaptação política lenta da retórica oficial, mas, sim, pelo que elas exprimem : o Pentágono desconhecia o que se passava no terreno. Ele estava cego e surdo, a propósito.

Um sistema de empastelamento generalizado

Sabe-se, desde o incidente do USS Donald Cook no mar Negro, a 12 abril de 2014, que a Força aérea russa dispõe de uma arma que lhe permite empastelar todos os radares, circuitos de contrôlo, sistemas de transmissão de informação, etc. [6]. Desde o início da colocação militar (na Síria- ndT), a Rússia instalou um centro de empastelamento em Hmeymim, a norte de Lataquia. De repente, o incidente do USS Donald Cook repetiu-se, mas, desta vez, num perímetro de 300 km; incluindo a base da Otan em Incirlik (Turquia). E, ainda persiste. Tendo o evento ocorrido durante uma tempestade de areia de densidade histórica, o Pentágono acreditou, inicialmente, que os seus instrumentos de medição estavam desregulados, antes de constatar que eles estavam “baralhados”. Todos alvo de empastelamento electrónico.

Ora, a moderna guerra convencional repousa no «C4i»; uma sigla correspondendo aos termos em Inglês de «command»(comando), «control»(contrôlo), «communications»(comunicações), «computers»(computadores) e «intelligence»(inteligência). Os satélites, os aviões e os drones(aviões teleguiados), os navios e submarinos, os blindados, e agora até mesmo os combatentes, estão ligados uns aos outros por comunicações permanentes, que permitem aos estados-maiores comandar as batalhas. É todo este conjunto, o sistema nervoso da Otan, que está actualmente empastelado na Síria e numa parte da Turquia.

Segundo o perito romeno Valentin Vasilescu a Rússia teria instalado vários Krasukha-4, teria equipado os seus aviões de aparelhos de guerra electrónica SAP / SPS-171 (como o avião que sobrevoou o USS Donald Cook), e os seus helicópteros Richag -AV. Além disso, usaria o navio-espião Priazovye (da classe Projecto 864, Vishnya na nomenclatura da Otan), no Mediterrâneo [7].

Parece que a Rússia assumiu o compromisso de não perturbar as comunicações de Israel ---coutada guardada dos E. U.---, de modo que se guarda de implantar o seu sistema de empastelagem no Sul da Síria.

As aeronaves russas deram-se ao luxo de violar um monte de vezes o espaço aéreo turco. Não para medir o tempo de reação da sua Força Aérea, mas para verificar a eficácia do empastelamento-electrónico na zona requerida, e para vigiar as instalações colocadas à disposição dos jiadistas na Turquia.

Mísseis de cruzeiro de ultra-desempenho

Finalmente, a Rússia utilizou várias novas armas, como os 26 mísseis de cruzeiro furtivos 3M-14T Kaliber-NK, equivalentes aos RGM/UGM-109E Tomahawk [8] . Disparados a partir da Frota do Mar Cáspio--- sem qualquer fundamento militar---, eles atingiram e destruíram 11 alvos situados a 1.500 km de distância, na zona não-empastelada --- afim de que a Otan pudesse apreciar o desempenho---. Estes mísseis sobrevoaram o Irão e o Iraque, a uma altitude variável de 50 a 100 metros, segundo o terreno, passando a quatro quilómetros de um drone norte-americano. Nenhum se perdeu, ao contrário dos americanos cujos erros se situam entre os 5 e os 10%, segundo os modelos [9]. De passagem, estes disparos mostram a inutilidade das despesas faraónicas do «escudo» anti-mísseis construido pelo Pentágono em volta da Rússia —mesmo se era oficialmente justificado como estando dirigido “contra os lançadores iranianos”.

Sabendo que estes mísseis podem ser disparados a partir de submarinos, localizados em qualquer ponto dos oceanos, e que eles podem transportar ogivas nucleares, os Russos recuperaram o seu atraso em termos de lançadores.

Em última análise, a Federação da Rússia seria destruída pelos Estados Unidos--- e vice-versa--- -em caso de confrontação nuclear, mas sairia vencedora em caso de guerra convencional.

Apenas os Russos e os Sírios estão à altura de avaliar a situação no terreno. Todos os comentários militares vindos de outras fontes, aqui incluídos os jiadistas, são infundados, porque só a Rússia e a Síria tem uma visão do terreno. Ora, Moscovo e Damasco entendem tirar o máximo partido da sua vantagem e, mantêm pois, o sigilo sobre as suas operações.

Dos poucos comunicados públicos, e confidências de oficiais, pode concluir-se que pelo menos 5.000 jiadistas foram mortos, entre os quais numerosos chefes da Ahrar al-Sham, da al-Qaida e do Emirado Islâmico. Pelo menos 10.000 mercenários fugiram para a Turquia, Iraque e Jordânia. O Exército Árabe Sírio e o Hezbolla reconquistaram o terreno sem esperar pelos anunciados reforços iranianos.

A campanha de bombardeamentos deverá terminar no Natal ortodoxo. A questão que se colocará então será saber se a Rússia está autorizada, ou não, a terminar o seu trabalho, perseguindo para tal os jiadistas que se refugiam na Turquia, no Iraque e na Jordânia. Caso contrário, a Síria seria salva, mas, o problema também não seria resolvido por completo. Os Irmãos Muçulmanos não deixariam de procurar uma revanche e os Estados Unidos de os utilizar, de novo, contra outros alvos.

A reter:
- A operação russa na Síria foi concebida para privar os grupos jiadistas do apoio estatal de que dispõem, sob a cobertura de ajuda aos «opositores democráticos».
- Ela exigiu a utilização de armas novas e transformou-se numa demonstração de força russa.
- Rússia dispõe agora de uma capacidade de empastelamento-electrónico de todas as comunicações da Otan. Ela tornou-se a primeira potência em matéria de guerra convencional.
- Este desempenho ateou a discórdia em Washington. É muito cedo para dizer se ela será favorável ao presidente Obama ou se isto será utilizado pelos «falcões liberais» para justificar um crescimento do orçamento militar.

Thierry Meyssan* - Tradução Alva – Voltaire.net

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas
[1] “Russian Military Uses Syria as Proving Ground, and West Takes Notice”, Steven Lee Myers & Eric Schmitt, The New York Times, October 14, 2015.
[2] “Top NATO general: Russians starting to build air defense bubble over Syria”, Thomas Gibbons-Neff, The Washington Post, September 29, 2015.
[3] “How America can counter Putin’s moves in Syria”, by Condoleezza Rice, Robert M. Gates, Washington Post (United States), Voltaire Network, 8 October 2015.
[4] O único estudo disponível está bem abaixo da realidade : Russia’s quiet military revolution and what it means for Europe, Gustav Gressel, European Council on Foreign Relations, October 2015.
[5] «Russisches Syrien-Abenteuer: Das Ende der alten Weltordnung», Matthias Schepp, Der Spiegel, 10. Oktober 2015.
[6] “O que é o que assustou o navio de guerra americano no Mar Negro?”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 21 de Setembro de 2014.
[8] “KALIBRating the foe: strategic implications of the Russian cruise missiles’ launch”, by Vladimir Kozin, Oriental Review (Russia), Voltaire Network, 14 October 2015.
[9] Após ter anunciado o contrário, os Estados Unidos tiveram que admitir os factos : “First on CNN: U.S. officials say Russian missiles heading for Syria landed in Iran”, Barbara Starr & Jeremy Diamond, CNN, October 8, 2015. “Moscow rejects CNN’s report on Russian missile landing in Iran”,IRNA, October 8, 2015. “Daily Press Briefing”, John Kirby, US State Department, October 8, 2015. “Пентагон не комментирует сообщения о якобы упавших в Иране ракетах РФ”, RIA-Novosti, October 8, 2015.

Portugal. PIDE. O MEU PAI ERA “AMILCAR”?



A PIDE foi criada há 70 anos e durante 24 anos a Policia Internacional e de Defesa do Estado esteve ao serviço do regime de Salazar. Por esses anos, muitos dos que lutavam contra o regime foram presos e viveram na clandestinidade.

António Vilarigues é filho de dois históricos comunistas: Sérgio Vilarigues e Maria Alda Nogueira. Tem memórias curtas, de apenas quatro anos e meio de vida em família.

Lembra-se que morava na Parede com os pais e que foi uma birra que ditou a separação: queria brincar com um amigo com uma edição clandestina do jornal "O Avante". Por segurança, conta, os pais não tiveram outra opção a não ser entregá-lo à avó materna.

António já vivia por isso em Alcântara quando a mãe e o pai foram presos. Sérgio passou por três prisões: Peniche, Angra do Heroísmo e Tarrafal, depois esteve 32 anos na clandestinidade. Maria Alda Nogueira esteve presa nove anos e dois meses.

António Vilarigues recorda as visitas à mãe e descreve a relação entre os dois como o convívio de Caxias. Só três vezes por ano podia abraçar a mãe, as outras visitas tinham um corredor ou um vidro a separar as manifestações de afeto. António lembra que numa dessas visitas saltou com tal entusiasmo para o colo da mãe que lhe partiu o nariz. A visita acabou aí.

Com o pai, o contacto foi ainda mais efémero. Chegaram a viver na mesma rua em Alcântara mas António não sabia. Ao longo de 32 anos conta que esteve poucas horas com o pai, o recorde foram dois dias em Paris. Só mais tarde soube que Sérgio Vilarigues tinha vários pseudónimos, Amílcar é talvez o mais conhecido.

Amílcar é o meu pai? Este é o retrato de memórias de um filho, que não sabia o que era a PIDE e que foi criado para não ser nem igual ao pai nem igual à mãe.

Sofia Morais – TSF – na foto Sérgio Vilarigues e Maria Alda Nogueira.  

Portugal. PIDE 70 ANOS. ELES AINDA ANDAM POR AÍ. QUE ATÉ EM BELÉM...





Mário Motta, Lisboa

Aniversário tenebroso da polícia política que assassinou e torturou portugueses. Vigiava e reprimia os que se afoitassem em querer liberdade, democracia, justiça. Famílias inteiras foram devassadas e muitos portugueses assassinados. Nomes grados da intelectualidade lusa, militares de carreira das forças armadas de Portugal, modestos trabalhadores, homens e mulheres ativistas, antifascistas, sofreram anos nas masmorras da PIDE ou nelas morreram, por vontade de um regime salazarista apoiado pela igreja, por famílias capitalistas como os Melo, Champalimaud, Espírito Santo e outros das mesmas fornadas vampíricas que, com Salazar e seus ministros, dividiam entre si onde e como roubar e explorar em Portugal e nas ex-colónias.

Há 70 anos foi, então, criada a PIDE, que se disse ter sido extinta em Abril de 1974… Mas eles andam por aí. Todos dessa camarilha, assim como os Melo, os Champalimaud, os Espírito Santo. Os do costume. Esses e outros da mesma tempera de ladrões esclavagistas. 70 anos, aniversário macabro e repleto de crimes contra a democracia, contra os Direitos Humanos, contra os portugueses. Como agora, nesta psdeudo-democracia. Porque eles andam ainda por aí. Alguns até graças a eleitores. Dizem que até em Belém, disfarçados (mal) de democratas. 

Que eleitores! Que vergonha! (MM/PG)

PIDE criada há 70 anos

22 de outubro de 2015. Faz hoje 70 anos que nasceu a Polícia Internacional e de Defesa do Estado. A 22 de outubro de 1945 o Decreto-Lei n.º 35 046 dava "corpo" à PIDE, que foi braço direito do regime e responsável por várias detenções.

Um odor estranho despertou a atenção de Jorge Carvalho, a 24 de abril de 1974. "Perguntei o que se passava. Disseram-me que era uma queimada". No dia seguinte a agitação era mais evidente. "Continuavam portas e abrir e fechar. Os guardas prisionais andavam de lado para lado...". A noite de 25 de Abril foi alucinante. "Fumei um volume de tabaco. A meio da noite acordei ao ouvir um barulho. 'Morte à PIDE e a quem a apoiar'. Pensei que estava louco. Não pode ser..."

O relato é de Jorge Carvalho, que tinha, na época, tinha vinte e poucos anos. Foi detido, pela primeira vez, pela PIDE em 1971. A 2 de Abril de 74 foi preso pela última vez e foi o último a ser libertado após a queda do regime.

Nas mãos da PIDE, no Porto, foi isolado e torturado. A tortura da estátua(ficar de pé, sem poder fazer qualquer tipo de movimento, durante vários dias) foi a mais de difícil de sobreviver. "Foi muito difícil", confessa.

Uma vez, quando a tortura já ia no terceiro ou quarto dia, Jorge Carvalho teve sorte. "Brilhantina", o pior agente da PIDE com quem se cruzou estava ausente. "Olho para trás e vejo um PIDE, novo ainda, a escorrer água completamente. Eu pedi para ir ao quarto de banho. Ele deixou-me ir e aí deu para descansar".

A liberdade foi festejada na rua e Jorge Carvalho continua a festejá-la, porque deve-lhe a felicidade, diz. Lamenta, apenas que o passado não tenha, agora, espaço no lugar onde esteve detido, e onde funciona actualmente o Museu Militar do Porto.

"Se há uma maquete sobre o 31 de Janeiro feita por militares , por que é que não tem nada alusivo ao 25 de Abril? E quem passa cá fora lê que ali é o Museu Militar... Não diz que foi uma prisão política".

As memórias com mais de 40 anos permanecem presentes, tal como o ideal de vida que Jorge Carvalho mantém. "Vamos continuar a lutar, porque viver é lutar e a vida é combate".

Sónia Santos Silva – TSF

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