Rui Peralta, Luanda
As
grandes capitais e principais cidades do mundo estão a ser culturalmente (e
socialmente) redesenhadas para que impere o modelo oligárquico predominante.
Nelas a capacidade dos governos nacionais e locais para determinar a sua gestão
e as suas políticas estão em queda livre, enquanto a influência das estruturas
privadas oligárquicas (os oligopólios globais) e das instituições “globais”
capitalistas (FMI, Banco Mundial, etc.) é crescente e predominante.
Em pleno século XXI surgem restrições legais que impedem o cosmopolitismo e
geram uma fobia, um medo á miscigenação, ao estabelecimento de pontes e de
pontos de contacto e diálogo entre culturas e formas de estar e viver. Estas
medidas agudizam-se com o destroçar das políticas municipais e com a
transformação das cidades em grandes espaços de ausência da cidadania, espaços
mortos, onde o exercício da cidadania é substituído pela mais completa
alienação dos sentidos e do pensar.
Que ainda existem cidades insubmissas, insurrectas a esta ordem oligárquica
desta fase senil do capitalismo, é fácil de comprovar, bastando olhar para
Madrid e Barcelona, sempre combativas, seja contra os transgénicos, seja contra
a carestia, seja pela autonomia, ou para as cidades gregas que recusaram pagar
as sobretaxas dos serviços de distribuição pública de electricidade, ou para
New York, Torino, Milão, Ramallah e tantas outras onde os espaços da cidadania
teimam em manifestar-se e em fazer-se sentir. As formas de vida metropolitana
são modos políticos e económicos democráticos articuláveis e que interagem
permanentemente, gerando novas formas de sociabilidade e de socialização.
A participação cidadã é condição básica da democracia e da gestão democrática
da cidade, o que implica a sua construção, o seu alargamento, a sua expansão, o
processo de democratizar a informação que a própria cidade gera, a
transformação das suas leis, a sua autonomia como espaço democrático na
sociedade democrática e no Estado Democrático. A cidade como espaço urbano onde
se desencadeiam processos criativos e transformadores, de movimentos sociais e
políticos, de cooperação económica, um espaço onde o mercado tenha a sua esfera
de actuação, ao lado das outras esferas da vida urbana democrática (a esfera da
gestão dos assuntos públicos e a esfera privada da vida de cada um dos
indivíduos) e seja livre, mas não alienante e alienatório.
Que todas as cidades sejam cidades-mundo será um caminho longo mas inevitável
em termos das batalhas da cidadania pela democracia e por uma melhor qualidade
de vida urbana, integrada nos espaços naturais e nos ecossistemas que as
rodeiam ou sobre os quais foram construídas. Este é um modelo que choca
frontalmente com a “smart city” do actual modelo capitalista oligárquico,
cidade baseada na tecnologia proprietária e na vigilância total das câmaras
escondidas ou cinicamente assinaladas por um aviso “sorria, está a ser vigiado”,
as cidades sem privacidade, sem indivíduos, constituídas por uma massa disforme
de multidões alienadas, as cidades sem cidadania.
Este modelo de cidade não participada, totalitária e antidemocrática, de cidade
fechada, sem espaços verdes e sem socialização, é o modelo preferido pelos
grandes oligopólios. Este modelo quando transaccionado do centro para as
periferias económicas do mundo é efectuado através do baixo custo. Nasce,
assim, através das relações imperialistas impostas pelos processos hegemónicos
que atravessam as dinâmicas da economia-mundo (dominada pelas relações
capitalistas) a cidade-lixo do terceiro e quarto mundo, a cidade construída
pela miséria gerada pelo colonialismo e gerida pela submissão neocolonial. Aqui
a ideia de cidadania roça o absurdo, o projecto de qualidade de vida torna-se
uma cavalgada quixotesca, onde os moinhos de Cervantes – monstros aos olhos
iludidos de Quixote - são substituídos pelos edifícios-escritórios da ilusão.
Esta concepção de cidade neocolonial é o conceito dominante de espaço urbano
nesta África periférica em luta constante pelo seu desenvolvimento.
Em contrapartida nas metrópoles do centro os oligopólios tentam impor os seus
ditames soberania popular, asfixiando a gestão democrática e as alternativas
cidadãs, ou mesmo interferindo de forma intensa no mercado livre, conforme
acontece com a actual questão do desbloqueio dos iPhones da Apple. É o fim da
privacidade (uma das maiores conquistas da humanidade), uma guerra travada em
segredo pelas oligarquias contra a cidadania. É o medo explorado pelos sectores
dominantes do capital, o medo ao terrorismo, o medo á abertura, o medo á
liberdade e á democracia, o medo de conhecer o Outro e o Mundo. O medo que as oligarquias
provocam, propositadamente, financiado o terrorismo e preparando o caminho para
a nova visão totalitária do seu domínio, o medo já ensaiado através de séculos
pelas tiranias dos Impérios, pelo colonialismo, pelos fanatismos religiosos,
pela ignorância, pelo fascismo….O medo de perder os meios de subsistência, como
acontece nas relações de domínio na esfera económica da vida das sociedades…o
medo de viajar, devido á bomba escondida, ou á policia que dificulta…o medo ao
refugiado, ao emigrante, ao estrangeiro…A fobia do medo e a paranóia da
vigilância, eis os fundamentos primários das oligarquias capitalistas.
Ao modelo de cidade que representa este modelo de terror opõe-se a cidade onde
a harpa e a kora, dois instrumentos musicais de duas culturas, dois
instrumentos que juntam o Pais de Gales á África Ocidental, a harpa dos bardos
e a kora do Império Mandingo, que abarcava o que é hoje o Senegal, o Mali, a
Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri, o Burkina Faso, o Togo e o Benim. A kora foi
oferecida pelos deuses aos habitantes do Império Mandingo, segunda a lenda,
embora os registos mais antigos do instrumento tenham 3 séculos, A harpa era
instrumento antigo, do Olimpo e dos romanos, do Oriente e dos celtas. E quando
estes dois instrumentos se cruzam nas cidades do mundo, implicam o encontro de
dois músicos, como aconteceu entre a harpista galesa Catrim Frinch e o tocador
de kora senegalês Sechou Keita.
E como é bonito, o som e o acto, deste cruzamento…alcança a sua beleza um
significado para a Humanidade; a de um mundo em perpétua transformação, em
perante transmigração, que avança, passo-a-passo, para se transformar num mundo
melhor….
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