quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Angola. CARNAVAL DESFILOU NA MARGINAL



Adriano de Melo, Manuel Albano e Roque Silva – Jornal de Angola

O legado da Kazukuta está a ser transmitido para as gerações mais jovens, defendeu ontem o responsável do grupo carnavalesco União Kazukuta do Sambizanga, que é o homenageado desta edição do Carnaval.

O estilo, um dos poucos dançados pelos grupos de Luanda, é para David Costa um dos géneros que precisa de ser preservado e divulgado aos jovens, de forma a dar continuidade a uma tradição do Carnaval.

Para David Costa, apesar das inúmeras dificuldades que o grupo vive, devido à falta de apoios financeiros, uma das principais preocupações dos seus integrantes mais velhos é passar o seu legado à próxima geração. “Temos estado a viver uma época em que vemos culturas de outros países a serem as favoritas dos jovens, ou mesmo a cultura nacional a ser levada além fronteiras, mas com várias deturpações. É preciso reverter este quadro o mais rápido possível, por ser uma forma de preservar a identidade”, disse. 

A mudança, defendeu, passa ainda por uma maior difusão deste estilo. “É preciso criar medidas mais fortes para a divulgação destes estilos e outros pouco divulgados hoje no Carnaval de Luanda, onde a maioria dos grupos são executantes do semba. Desta forma, com o passar dos anos, poderemos ter poucos fazedores de kabetula ou cabecinha. Hoje apenas dançam este estilo o Kabocomeu, oriundos do Sambizanga. Mas já vemos alguns grupos de outros distritos a darem os primeiros passos neste género. Porém é importante ajudar a guiá-los, de forma a não apresentarem deturpações.”

Os actuais membros do grupo, explicou, são um exemplo do legado transmitido pelo Kabocomeu, onde eram filiados. Para David Costa, o Carnaval é uma porta aberta para a divulgação e valorização da cultura nacional, particularmente de estilos pouco vistos pelo público. “Devemos começar a pensar em criar escolas para ensinar com maior rigor estes estilos aos jovens”, destacou o responsável do grupo, que dança o Carnaval há 32 anos.

O grupo, adiantou, que é homenageado numa cerimónia a ser realizada no sábado, o último dia das festividades do Carnaval de Luanda, apresentou ontem na Marginal da Praia do Bispo uma coreografia feita por duas gerações de dançarinos da kazukuta, com tema que fazia referência à actual realidade do país, chamando a atenção das pessoas para trabalharem mais, principalmente nesta fase de crise financeira, para ajudar a reconstruir o país.

“Quarta-feira das Mabangas”

Hoje é o dia das “Mabangas”. O dia em que são “apagadas” as cinzas do Carnaval. Para a maioria dos responsáveis pelos grupos é um dia de angústia e ansiedade, para saberem a partir das 10h00, na Liga Africana, quem é o vencedor do Carnaval de Luanda.

Apesar de uma ou outra dificuldade, causada por razões financeiras, ou organizacionais, a maioria dos grupos levou o seu melhor à Marginal da Praia do Bispo e deixou a difícil tarefa de decisão para o júri. 

Os 12 candidatos, sem contar com o homenageado que apenas volta a disputar o título no próximo ano, apresentaram inovações nas coreografias, todas assentes no semba, com excepção do União Njinga Mbande, que dançou cabecinha, e nas suas composições, onde chamaram a atenção, em quimbundu ou português, da sociedade para certas práticas erradas e a importância de se trabalhar mais e ajudar a melhorar a cidade capital.

Cabecinha faz a diferença

 A dança Cabecinha deu o ar da sua graça, ontem, no desfile da classe A (adultos) do Carnaval. O único estilo a concorrer com o semba não deixou nada a desejar. Pelo contrário, dignificou a maior manifestação popular angolana. 

O grupo União Njinga Mbande, do município de Viana, levou alegria e muita dança. Com mais de três mil pessoas este ano, o grupo, que já tem um título conquistado em 2013, procurou resgatar a mística que lhe é característica, de acordo com o seu comandante, António Domingo. “Vamos continuar a dançar a cabecinha que vem do Carnaval da Vitória, porque só desta forma estaremos a preservar as tradições e a resgatar a identidade nacional”, disse.

O grupo, contou, vai continuar a dignificar e a dançar o Carnaval, sem olhar para a classificação. Com o tema “Kitembo”, termo quimbundu que em português significa “Tempestade”, a ideia foi chamar a atenção para as construções anárquicas existentes actualmente em Luanda. A produção agrícola também foi bem representada pelas quitandeiras do município de Viana, como forma de incentivar e promover a diversificação económica no país.

O comandante do grupo Njinga Mbande mostrou também a sua preocupação com o desaparecimento de outros estilos, mas considerou importante os agrupamentos apostarem noutros estilos de dança, de forma a garantir a sua continuidade. “O resgate dos valores morais e cívicos, por uma Angola melhor” foi o tema do grupo União Jovens da Cacimba, que desfilou na sexta posição. 

O grupo, proveniente do distrito da Maianga, quer uma maior participação da juventude na reconstrução do país. Com compassos de semba, onde o gingar do Rei e da Rainha contagiaram a assistência, o grupo pretende resgatar o título perdido há quatro anos.

Após alguns minutos e com uma chuva miúda já a cair na “pista” da marginal, o União Kiela apresentou uma homenagem ao falecido músico Bangão, que foi considerado um dos exímios executantes do semba, e mostrou que está à procura do seu sexto título, depois de os ter conquistado em 1985, 1986, 1989, 1990 e 2009.

A “festa do povo” ganhou mais ritmo e compasso, apesar da chuva, com a actuação de grupos carnavalescos como o União Jiza, que procura o seu primeiro título, ou o 10 de Dezembro, que tenta conquistar o seu quinto prémio. 

O 17 de Setembro é outro dos grupos carnavalescos à procura do seu primeiro título.

Canções com alertas sociais 

O União Povo da Samba abriu o desfile competitivo com uma proposta assente na diversificação da economia. A agremiação do distrito urbano da Maianga pretende conquistar o seu primeiro título no Carnaval de Luanda.

O grupo levou à Marginal da Praia do Bispo uma coreografia com um tema no qual destacou o sector agrícola, como um factor predominante para o desenvolvimento da economia de um país, além da educação. 

A canção de autoria de Zé Borges e interpretada por Francisco João realça ainda a importância da pesca, produto que “é abundante nas águas e mares de Angola”. O grupo exibiu o semba de raiz.

O Amazonas do Prenda quase foi desclassificado pela organização. A pouco menos de 30 minutos do seu desfile, o grupo estava incompleto, sem as suas figuras chaves (presidente e a corte). A alegoria chegou tarde, mas permitiu que se apresentassem.

Na sua mensagem, o Amazonas do Prenda aconselhou o Executivo apostar nas potencialidades para melhor dirigir os destinos do país rumo ao desenvolvimento.

O União Mundo da Ilha prestou homenagem à Marinha de Guerra de Angola pelos 40 anos de existência, comemorados este ano, e aos seus efectivos.

A canção do grupo retrata a história da Marinha de Guerra Angolana e refere o contributo dado pela instituição militar na defesa da orla marítima nacional e os benefícios proporcionados aos habitantes da Ilha do Cabo.

O grupo, com o maior número de títulos no Carnaval de Luanda, 12, antecipou o seu desfile pela falta de organização do União Sagrada Esperança, do Rangel, que passou em oitavo. 

A sua alegoria para esta edição do Carnaval foi um navio da Marinha de Guerra de Angola, composto por tripulantes, incluindo o comandante da capitania.

A recuperação da produção do café e a sua plantação em grande escala continua a ser uma proposta incansável do União Café de Angola, que se exibiu com uma alegoria, que representava uma família de camponeses na colheita do bago vermelho. 

Mensagens de paz, sacrifício e de vitória foram trazidas na canção do grupo União Nova Geração do Mar, cuja letra retrata os 40 anos de paz de Angola e a luta e o sacrifício dos bravos heróis angolanos que participaram na Batalha do Cuito Cuavavale. A canção do grupo começa com o discurso do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto aquando da independência de Angola em 1975, e com um refrão em que se destaca o orgulho de ser angolano.

O União Sagrada Esperança levou à Marginal da Praia do Bispo uma mensagem que visa a protecção da Palanca Negra Gigante. Titulado em 2011 e 2014, o grupo carnavalesco alterou a estrutura do desfile e voltou a apostar na canção e dança semba.

Foto: Francisco Bernardo

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