quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Cabo Verde. ESTAMOS A FICAR PARA TRÁS?



Carlos Burgo – Expresso das Ilhas, opinião

O Instituto Nacional de Estatística (INE) passou a publicar estimativas das Contas Nacionais Trimestrais (CNT), um instrumento importante para o seguimento da dinâmica da economia. As últimas estimativas publicadas, referentes ao 3º trimestre, permitem concluir que o crescimento da economia em 2015 terá sido pouco superior a 1%.

Este ritmo de crescimento é inferior ao da quase generalidade dos países da nossa região. É, igualmente, inferior ao da quase generalidade das pequenas economias, de rendimento médio, com as quais Cabo Verde é, normalmente, comparado. Mas o que é ainda mais relevante é que é inferior à média de crescimento dos países da área do Euro e ao crescimento nos países dessa área com os quais temos relações económicas e financeiras mais estreitas.

Este último facto retira muita razão à narrativa de que o fraco desempenho da nossa economia se deve à crise económica internacional, em particular às dificuldades enfrentadas pelos países da área do Euro. Na área do Euro, há economias com assinalável dinâmica de crescimento. À economia caboverdiana faltam eficiência e diversificação.

O baixo crescimento em 2015 não é uma ocorrência isolada, sendo antes o desempenho característico da economia caboverdiana nos últimos sete anos. Com efeito, nesse período, a média de crescimento é de 1,3%. Em consequência, o Rendimento Nacional Bruto per capita encontra-se praticamente estagnado. Como se pode ver no gráfico junto, Cabo Verde não está a convergir com a média dos países de rendimento médio alto, como seria desejável.

Como resultado das profundas reformas empreendidas com vista à liberalização da economia e à privatização de empresas públicas, o potencial de crescimento da economia foi significativamente alargado. Esse efeito foi reforçado pelas medidas de estabilização macroeconómica. Em consequência, a economia caboverdiana conheceu até 2008 um período de acelerado crescimento.

Na parte final desse período, contribuíram para esse ritmo acelerado de crescimento, o afluxo do investimento directo estrangeiro, incluindo o investimento de emigrantes, e a procura turística. O contexto internacional contribuiu para a ilusão de que esse ritmo de crescimento seria sustentável. A derrocada do modelo de negócios da imobiliária turística residencial em consequência da crise internacional veio, porém, revelar a fragilidade desse crescimento.

A indústria turística continua a ser a actividade com maior dinâmica. A oferta tem aumentado, embora timidamente, e novas marcas têm dado sinais de quererem incluir Cabo Verde na sua área de interesse. Porém, as nossas políticas não são arrojadas e faltam-nos conhecimento do negócio, para melhorar a nossa capacidade de intervenção e de estímulo ao sector.

Para mitigar o efeito da nova conjuntura internacional na actividade económica doméstica, a resposta a nível das políticas públicas consistiu essencialmente na adopção de um programa de estímulo à economia. Na medida em que esse programa se baseou em investimentos públicos, foram antecipados efeitos tanto a nível da sustentação da procura interna como a nível do aumento da eficiência da economia. Nesse quadro, foram realizados importantes investimentos nos sectores da energia, água e infra-estruturas de transportes. Por razões que se prendem com a natureza dos investimentos públicos e as especificidades da nossa economia, estes não se têm traduzido numa expansão significativa da actividade económica.

Menos célere e eficaz foi a resposta a nível das reformas estruturais com vista a beneficiar o potencial de crescimento da economia. A reforma da legislação laboral que consta na agenda desde final da década de 90 e que é essencial para o aumento da eficiência da economia e a criação de empregos, apenas agora conhece um tímido avanço. Persistem problemas de eficiência a nível de importantes serviços prestados à economia por empresas públicas, não tendo sido privatizadas actividades passíveis de o serem. Destacam-se, neste particular, as operações portuárias e os transportes aéreos. Nos transportes marítimos, os serviços são manifestamente deficitários.

Na administração pública, registaram-se avanços visíveis no que tange à utilização das modernas plataformas tecnológicas. Mais demoradas e menos significativas foram as mudanças, igualmente necessárias, a nível das estruturas organizacionais e do sistema de incentivos. Demorou a reforma dos instrumentos de gestão dos recursos humanos. Os efeitos do novo Plano de Cargos, Carreiras e Salários a nível da eficiência dos serviços ainda não se fizeram sentir.

Para o rápido crescimento da economia na década passada contribuiu grandemente a acelerada expansão do crédito. Porém, desde 2012 o crédito está praticamente estagnado. O agravamento do risco na economia, a degradação da qualidade da carteira de crédito, a fragilidade dos balanços das empresas e uma atitude mais prudente dos bancos são factores condicionantes desta situação. É claramente um equívoco pensar-se que esses obstáculos podem ser ultrapassados pela via da política monetária. A retoma do financiamento ao sector privado depende, grandemente, de uma intervenção estrutural do Estado no sistema financeiro.

Entretanto, o avolumar da dívida pública provocou uma degradação do quadro macroeconómico. Com o ritmo actual de crescimento da economia, poderá estar comprometida a sustentabilidade da dívida pública. A prazo, a simples redução da dimensão do programa de investimentos públicos poderá não ser suficiente para restabelecer a solidez das finanças públicas. É importante que reformas a nível da Administração Pública possibilitem a contenção do crescimento das despesas correntes. Importantes factores de risco são ainda as responsabilidades do Estado com as empresas públicas e com os sistemas de pensões. O aumento da eficiência do Estado e a diminuição dos riscos das finanças públicas são fundamentais para que se possa garantir a previsibilidade da política orçamental e um nível de fiscalidade que possibilite uma adequada competitividade da economia.

Deveria haver na gestão orçamental uma preocupação maior para a redução da desigualdade, extremamente acentuada na nossa sociedade. Este propósito deve ser prosseguido pela via da tributação, dos serviços prestados aos cidadãos e das prestações a cargo do Estado. Porém, uma redução significativa da desigualdade social requer reformas estruturais que façam com que o mercado produza uma distribuição mais equitativa da renda. O sistema educativo e a legislação laboral devem concorrer para a criação de empregos. As políticas públicas devem encorajar a formalização de empresas. Neste aspecto, sem a vertente atinente à legislação laboral, ficou incompleto o Regime Especial das Micro- e Pequenas Empresas.

Esta realidade deve inquietar os cabo-verdianos. Impõe-se que sejam consideradas as verdadeiras razões do fraco desempenho da economia caboverdiana no novo contexto internacional e, sobretudo, sejam encontradas soluções que, traduzidas em políticas, possam impulsionar o crescimento sustentável da economia enquanto condição basilar da melhoria contínua do nível de bem-estar da sociedade. É de todo desejável que essas soluções e políticas sejam apresentadas ao sufrágio dos caboverdianos pelas forças políticas concorrentes às próximas eleições com vista a obter mandato para a sua implementação.

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