Na
Europa o processo de conscientização política se desenvolve tropeçando em
contradições que uma história mal contada criou, baseada em antigos poderes e
modernas exibições de riqueza. A Irlanda, amarrada ao império britânico
claudica e recebe bonus para permanecer atada, a Grécia assusta-se com o peso
da vontade popular e aceita novo empréstimo para manter a pobreza crescente,
Portugal sai de uma eleição em que a direita teve mais votos mas foi formada no
Parlamento uma maioria de esquerda que somada ao PS renovado impõe o novo
governo. Foi com gentileza e sabedoria (herdada de Álvaro Cunhal), que se deu
início ao pensamento político de uma união de esquerda, reconhecido com ar de
espanto pela média reacionária e a velha
direita
atónita.
Explica-se
a partir das sementes deixadas pelo processo revolucionário do 25 de Abril
plantadas na Constituição, nos conceitos de democracia que circulam no interior
do sistema judiciário, na memória do povo, na formação de professores e do
potente movimento sindical. Estas sementes, semeadas continuamente pelo PCP que
vence as imensas dificuldades e prossegue a luta militante, a produção de uma
literatura sobre a história de vida na clandestinidade e de conhecimento intelectual
de nível universitário sobre as contradições do sistema dominante, a Festa do
Avante que é um acontecimento nacional de cultura que atrai pessoas de todos os
quadrantes políticos, e mantém viva a esquerda que atrai a atenção dos
humanistas, especialmente os jovens, que querem um mundo melhor.
No
interior dos partidos conservadores estas sementes valorizaram os princípios
éticos de tradições religiosas ou familiares contrariando a modernidade
ambiciosa e despudorada de uma direita comandada pelo imperialismo desumanizado
e anti-ético. No seio do PS quando combateu as conquistas de Abril, perdendo
antigos quadros que permaneceram com os princípios humanistas de origem, as
contradições insuperáveis abalaram os seus jovens. A eleição de Sócrates como Primeiro
Ministro pelo PS, (tendo ele sido dirigente da juventude do PSD e promovido
pela média como comentador político, acentuava os compromissos dos socialistas
sob o comando da direção da UE), acirrou também as contradições internas. Em um
dos ùltimos Congressos, em 2013, um jovem deputado abriu os trabalhos e
recomendou que "fosse feita uma auto-crítica do caminho seguido pelo
PS", tendo sido muito aplaudido, enquanto que a direção da mesa tentava
cortar-lhe a palavra O site do PS, que divulgou o Congresso, omitiu o discurso
inicial, deixando aos observadores a visão do problema interno de luta
ideológica entre gerações.
Mesmo
nas hostes da velha direita a percepção de que para superar a crise financeira
os centros de poder no mundo desligaram-se dos princípios humanitários, éticos
e de honra - que se constata na tortura imposta aos que fogem à destruição dos
seus países e são deixados à chuva cercados por arame farpado, sejam doentes,
velhos ou bebês, para que morram e não criem problemas aos mais ricos. Os
abusos de poder ditatorial da Troika com intervenções direta nas decisões de
governos que se mostraram subservientes ao poder externo com total desrespeito
pela autonomia das nações, também chamaram a atenção de alguns políticos
conservadores que preservam a dignidade nacional e a coerência humanista. A
crise ética da política dominante, sempre denunciada pela esquerda, impôs-se à
crise financeira contrariando a unidade da direita.
O
novo Presidente de Portugal, que já vinha anteriormente como comentador
político da média televisiva apontando os erros mais graves da direita,
elegeu-se com a imagem de humanista em busca da coesão nacional. As suas
palavras, que a média divulga até à exaustão como se fosse da sua principal
estrela, parecem saídas de um conto de fadas ou da visão idílica do Paraiso. E
Portugal respira ao sol da primavera que se anuncia, animando o PR a distribuir
afetos de forma populista e a assumir um papel de "governante".
Sejam
benvindas as expressões de fraternidade e o reconhecimento de que a esquerda
existe e tem força no Portugal democrático. Já tinha quando se organizou na
clandestinidade sob a ditadura de Salazar e o Marcelo daquela época, tanto foi
assim que construiu a Revolução dos Cravos detonada no 25 de Abril para derrubar
a ditadura. Não nos esqueçamos dos sacrifícios imensos sofridos pelos
combatentes da clandestinidade enquanto os conservadores gozavam a sua
liberdade alheios à história de Portugal e do seu povo. A primavera é atraente
deixando atrás o inverno que cruelmente mata os bebês das famîlias que fugiram
às guerras na Síria, no Afganistão, no Iraque, na Líbia, e caem no mar gelado
ou ficam nas praias gregas rechaçados pela Europa rica. Mas a causa de tantos
sofrimentos não é o frio, mas as guerras promovidas por ambição de poder.
Os
problemas deixados em Portugal pelo anterior governo submisso à Troika existem
e são graves: desemprego, baixos salários, corte de pensões, serviços públicos
sem recursos para atender na saúde, na educação, nos transportes, no desenvolvimento
da produção. Portugal de Abril precisa ser reconstruído. Não há tempo para
ficar ao sol primaveril como lagarto ouvindo os cantos de sereia do populismo.
É preciso continuar a apontar as necessidades dos trabalhadores e a manifestar
a exigência de um melhor governo à altura do povo que Portugal tem.
*Zillah Branco - Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde.
*Zillah Branco - Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde.
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