Martinho Júnior, Luanda
1
– Se para Cuba as transformações foram tão extraordinárias e consentâneas com o
seu povo entre as datas da primeira visita dum Presidente norte-americano, John
Calvin Coolidge, Jr. e a visita de Barack Hussein Obama, o mesmo não se poderá
dizer em relação aos Estados Unidos.
De
facto os Estados Unidos, da expansão ao imperialismo agora sob as vestes da
hegemonia unipolar, permaneceu numa trilha capitalista que se foi exacerbando
até chegar ao ponto duma globalização neo liberal avassaladora, cujos impactos
dilaceram sobretudo as mais vulneráveis nações e povos da Terra.
Quando
o Presidente John Calvin Coolidge Jr. visitou Cuba a 16 de Janeiro de
1928, os Estados Undos experimentavam a Grande Recessão, próximo à quebra da
Bolsa de Valores de Nova York em 1929, o que não esmorecia a expressão neocolonial sobre Cuba, tirando partido do Tratado de Paris de 1889 que punha fim
à colonização espanhola sobre Cuba, bem como o ocaso da presença espanhola nas
Américas e no Pacífico (Filipinas), por conta da ascensão do novo superpoder, o
que revertia no exercício neo colonial norte-americano, na sequência aliás dos
actos de sua própria expansão e da superioridade que foi conferida com a
extensão da Revolução Industrial, após a Guerra Civil ocorrida entre os Estados
do Norte e os do Sul, que havia ocorrido entre 12 de Abril de 1861 e 28 de
Junho de 1865.
As
casas bancárias das oligarquias financeiras das potências europeias, lançando
sua geo estratégia no outro lado do Atlântico Norte, operaram desde a
implantação das primeiras colónias no século XVII, através de disputas
contraditórias que se implicaram na definição do território norte-americano e
nos esforços no âmbito da Revolução Industrial entretanto realizados em toda a
extensão, servindo os propósitos da expansão e da instalação das bases do
imperialismo.
Cuba
haveria de experimentar um dos primeiros expedientes de agenciamento de sua
oligarquia nacional ao “diktat” neo colonial norte-americano em toda
a América, até por que a Emenda Plattque dava o direito aos Estados Unidos de
invadir Cuba a qualquer momento em que os interesses económicos dos Estados Unidos fossem ameaçados, estaria
em vigor até 1933.
O
crescimento do poder dos Estados Unidos ao nível global foi garantido com a
vitória dos aliados na IIª Guerra Mundial em 1945 e desde então não pararam de
crescer os interesses privados sob controlo duma aristocracia financeira que
controlava a Reserva Federal, que criava carteis em vários sectores da economia
transformando-os em poderosas multinacionais (que impediam qualquer veleidade
de concorrência), que se servia do dólar como moeda-padrão internacional em
condições muito favoráveis aos interesses dominantes (um autêntico saque
dirigido sobretudo às mais fragilizadas nações da Terra) e disseminava “lobbies” pelo
miolo do sistema de democracia representativa de forma a garantir a prossecução
de políticas dominantes a nível interno capazes de projectar políticas
imperialistas e de intervenção com múltiplos impactos nos cinco continentes.
Para
que o dólar tivesse mais expressão internacional, os Estados Unidos fizeram com
que ele deixasse de estar indexado ao ouro, passando-o para a indexação ao
petróleo, tendo sido marcante o encontro entre o Rei da Arábia Saudita, Ibn
Saud e o Presidente Roosevelt, a bordo do cruzador USS Quincy, no Suez, em 1945
(antes do encontro de Ialta), um encontro que selou durante décadas uma geo
estratégia comum entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita, um dos maiores
produtores de petróleo.
Os
Estados Unidos no âmbito do exercício imperial ampliaram o número de tensões,
conflitos e guerras desde então, quase sempre envolvendo processos inteligentes
de ingerência e de manipulação, conforme as listas pacientemente coligidas e
publicadas por exemplo pelo“dissidente” William Blum (“Killing Hope - U.S.
Military and CIA Interventions since World War II”,“Common Courage Press, 1995”).
Entretanto
a Revolução Cubana chegava ao poder pondo fim à neo colonização cujos processos
se haviam radicalizado com a ditadura de Fulgêncio Batista.
A
Revolução Cubana vitoriosa a 1 de Janeiro de 1959, tornou-se num
bastião anti-imperilista a poucas milhas do território dos Estados Unidos da
América e o povo cubano, pelo exercício dessa dignidade intimamente associada à
independência real e à soberania conquistadas, haveria de pagar por
isso desde então, por via dum ignominioso bloqueio que ainda não teve fim, por
via de subversão, sabotagens, invasão e todo o tipo de “experiências
laboratoriais” que se possam imaginar…
Em
Janeiro de 1961 os Estados Unidos cortam as relações diplomáticas com Cuba e em
Abril do mesmo ano fracassa a invasão em Playa Girón.
Em
1962 a administração democrata de John F. Kennedy dá início ao bloqueio contra
Cuba e só em 1977 outro democrata, Jimmy Carter, abrirá uma Secção de
Interesses dos Estados Unidos em Havana.
Sintomaticamente
a luta dos afro-descendentes pelos direitos civis, que envolveram entidades ao
nível de Martin Luter King, foram levadas a cabo nas décadas de 50 e 60 do
século passado e mesmo assim os problemas de racismo nos Estados Unidos
estendem-se até aos nossos dias, sendo visíveis até na presente campanha
eleitoral!
2
– O fim do equilíbrio instável entre o imperialismo norte-americano e os países
socialistas, um período em que foi possível levar a cabo a Luta de Libertação
em África beneficiando também da vitória do Vietname sobre os Estados Unidos,
do apoio socialista e da solidatiedade internacionalista de Cuba nas frentes
militares e civis de luta, conduziu a uma nova escalada de tensões, conflitos e
guerras, a partir dos interesses da aristocracia financeira instalada nos
meandros do poder financeiro, económico e sócio-político nos Estados Unidos
(dominando os“lobbies” que tiram partido da democracia representativa,
sistema em vigor).
As
doutrinas capitalistas neo liberais experimentadas a partir de 11 de Setembro
de 1973 no“laboratório do Chile” com os “Chicago Boys” por via
do traidor e ditador sanguinário Augusto Pinochet (precursor da “Operação
Condor” e de outros regimes ditatoriais e oligárquicos na América Latina),
passariam a ser levadas a cabo pelos próprios Estados Unidos a partir da década
de 80 com a Administração Republicana de Ronald Reagan (em simultâneo com a
administração de Margaret Thatcher na Grã Bretanha), reforçando a concentração
de capitais em cada vez menos mãos.
A
Universidade de Chicago, fundada em 1890 (uma das primeiras universidades
norte-americanas), pelo magnata do petróleo John D. Rockefeller, com a doutrina
neo liberal de George Stigler e Milton Friedman, entre outras teorias
económicas cujos expoentes ganharam em alguns casos o Prémio Nobel, a
aristocracia financeira garantia sustentabilidade ao seu domínio no final do
século XX e princípios do século XXI.
Essas
teorias reflectiram-se fortemente nas políticas do Banco Mundial e de outras instituições
financeiras baseadas em Washington, tais como o Departamento do
Tesouro americano e o Fundo Monetário
Internacional, que passaram a adoptar o fundamentalismo de
livre mercado como receita para os países em dificuldades económicas,
como foi expressado pelo Consenso de Washington. Sob sua influência,
de meados de 1980 a meados de 1990, grande parte das empresas estatais em países do terceiro mundo foram privatizadas.
É
nesse ambiente que o domínio dos carteis e das multinacionais se vai impondo,
construindo os pressupostos dum imperialismo eivado dum carácter de hegemonia
unipolar.
A
doutrina ao ser aplicada nos Estados Unidos – Grã-Bretanha, permitiu uma
agressiva disposição norte-americana no âmbito da Guerra Fria que levando ao
colapso do campo socialista, à implosão da URSS e à dissolução do Pacto de
Varsóvia, tornou os Estados Unidos numa potência hegemónica, facto que foi
aproveitado para um aumento substancial de acções de manipulação e ingerência,
com recurso a doutrinas formuladas nas universidades norte-americanas e
aproveitadas por interventores subsidiários do seu poder central, com nexos de
inteligência e militares de toda a ordem.
Essas
experiências que começaram com as guerras nos Balcãs, foram-se disseminando
conforme aos esforços de “abertura de sociedades” através de
sucessivas “revoluções coloridas”, “primaveras árabes” e
intervenções directas dos Estados Unidos e seus aliados da NATO e do ANZUS, por
vezes arregimentando outros parceiros como por exemplo as monarquias arábicas.
A
Revolução Digital (em termos de “World Wide Web”, ou seja rede de alcance
mundial) que ocorreu durante a administração democrata de Bill Clinton (um elitista
que beneficiou da “rhodes scholarship”) e a partir de 1990, trouxe um novo
impulso à economia dos Estados Unidos, beneficiando ainda mais a concentração
de capital em poucas mãos e fazendo aumentar a agressividade dos negócios e do
exercício da hegemonia unipolar, uma vez que o poder dominante garantiu a sua
vantagem no que à revolução comunicativa diz respeito…
A
implosão da URSS obriga Cuba a entrar no “período especial” em 1993,
o que Cuba, perante imensas dificuldades, aproveitou para melhorar e dar mais
ênfase às iniciativas próprias em relação à educação e à saúde.
É
precisamente nessa altura (por razão que se prende ao Acordo de Nova Iorque as
Forças Armadas Revolucionárias saem de Angola a 22 de Dezembro de 1988) que em
África ocorre a “Iª Guerra Mundial africana”, desde logo marcada pelo
holocausto no Ruanda e pela cadeia de guerras que surgiram a partir da região
crucial de África que é a dos Grandes Lagos.
3
– Todos aqueles que na década de 90 e no início do século XXI ousaram tentar fugir
ao petrodólar nos negócios de petróleo, foram combatidos:
Saddam
Hussein no Iraque foi um primeiro caso e sofreu a punição da invasão
norte-americana que derrotou as forças iraquianas; quando Saddam Hussein
persistiu, ditou a sua sentença final.
As
administrações republicanas dos George Bush (pai e filho) encarregaram-se da
primeira e da segunda campanha.
O
mesmo viria a ocorrer mais tarde com Kadafi.
As “revoluções
coloridas” e o surgimento dos grupos salafistas fundamentalistas e da sua
jihad, no Afeganistão primeiro, depois alastrando por todo o Oriente Médio até
ao Cáucaso e Norte de África, levou a Rússia, já sob a orientação do tandem
Putin-Medvedev, a dar as devidas respostas, primeiro na Tchechénia (a Rússia
perdeu e primeira guerra, mas ganhou a decisiva, a segunda guerra da
Tchechénia), depois na Geórgia, por fim na Ucrânia…
Os
emergentes reuniram-se num núcleo duro formado pelo Brasil, Rússia, Índia,
República Popular da China e África do Sul, que se começaram a afastar da
utilização da moeda-padrão, o petrodólar e, com isso fazendo emergir a
possibilidade da multipolarização.
Ao
neo liberalismo e suas correntes as Universidades norte-americanas estimuladas
pela aristocracia financeira, juntaram outras doutrinas, que reverteram a favor
da disseminação do caos nas regiões e países-alvo.
Com
a administração democrata de Barack Hussein Obama o poder nos Estados Unidos
começou por seu turno a dar sinais de rupturas internas, com sinais de tensões
entre a Casa Branca, o Pentágono e o sistema de Inteligência, o que tem
provocado a “fuga” de grandes caudais de informação, algo que as
novas tecnologias próprias da Revolução Digital possibilitam.
Os
sectores neo conservadores e os falcões liberais interferem na política do
interior e do exterior, em especial por via militar e dos serviços de
inteligência, ao mesmo tempo que crescem os exércitos de mercenários.
Com
a Síria, os Estados Unidos com seus aliados principais da NATO e as monarquias
arábicas, contribuíram para a criação e a acção dos grupos de rebeldes contra o
Presidente Assad e as Forças Armadas Sírias, incluindo de grupos como o
autoproclamado Estado Islâmico e Frente Al-Nushra (ligado à Al Qaeda).
Em
África, a disseminação do terrorismo face aos frágeis estados africanos, permite
alianças que coloca África na dependência neocolonial.
Na
América Latina todas as emergências progressistas estão sujeitas à
multiplicação de planos de subversão e há sinais cada vez mais evidentes de que
o Presidente Hugo Chavez terá sido assassinado!
Em
cada processo eleitoral que ocorre nos Estados Unidos, tornam-se visíveis os
alinhamentos sócio-culturais do eleitorado, face à perversidade dos “lobbies” da
aristocracia financeira que tiram todo o partido do sistema da democracia
representativa instaurado: os anglo-saxónicos, cada vez mais minoria, tendem a
alinhar-se com os republicanos, minados pelos neo conservadores e pelos falcões
liberais, enquanto os democratas tendem a receber o apoio da maioria de origem
latino-americana e afro descendente.
O
ambiente da visita do Presidente Barack Hussein Obama a Cuba, 88 anos, 2 meses
e 5 dias depois da primeira visita presidencial norte-americana à ilha,
reflecte o enorme campo das contradições, tornando-se visível a impossibilidade
do Presidente em pôr fim ao bloqueio e a restituir a Cuba, conforme seria
justo, Guantánamo.
Ao
insistir na “promoção da democracia” nos termos do interesse e
conveniência da aristocracia financeira, o Presidente Barack Hussein Obama
procura “abrir a caixa de pandora” que é Cuba socialista para com o
capital que procura domínio por via da hegemonia unipolar!
Os
Estados Unidos colocam sobre a mesa o projecto neo colonial aberto à via neo
liberal e a visita a Cuba do Presidente Barack Hussein Obama deve ser entendida
como mais um sinal da actual contra ofensiva do capital sobre os povos!
É
risível perante tanta aberração histórica, face a um contínuo incremento de
desestabilização global por parte dos Estados Unidos, qualquer veleidade de “promoção
de democracia”, ou presunção de ordem ética ou moral!...
Nas
presentes condições, no momento em que persiste a ameaça neocolonial sobre as
soberanias em todo o planeta, por via de Cuba sente-se que nada há a negociar
entre processos que cultivaram dignidade e processos que em crescendo
cultivaram perversidade: os Estados Unidos, nada têm que ensinar a Cuba, nem às
alternativas progressistas, mas delas têm tudo que aprender, algo que o capital
rejeita, cioso do domínio que já alcançou sobre o planeta e do que falta
alcançar para consolidação de sua hegemonia!
É
por isso que a hegemonia unipolar persiste no desenvolvimento da sua presente
ofensiva de domínio em todos os continentes da Terra, apesar dos obstáculos e
contrariedades que tem encontrado!
Ilustração: Amizade?
Que amizade?
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