Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Tudo
indica que nos estamos aproximando do momento em que será posta à prova a
possibilidade de conciliação das regras europeias - em particular as relativas
ao Tratado Orçamental e à União Bancária - com programas políticos que
interpretem efetivamente os interesses nacionais. O programa do atual Governo,
apesar de estruturado com todas as cautelas face àquelas regras, e de ensaiar
somente pequenos passos na fuga às políticas de austeridade, vai ser posto em
causa em matérias de grande significado para a vida dos portugueses.
Os
poderes dominantes na União Europeia (UE) estão determinados em impedir países
como o nosso de afirmarem a sua soberania, de utilizarem os recursos e
capacidades próprias, e a mobilização e responsabilização dos seus cidadãos na
construção de um modelo de desenvolvimento que, combatendo a pobreza, as
desigualdades e a injustiça, possa ser rumo de futuro sem subjugação.
Há
que gerir com coragem e dignidade as tensões que pairam no ar, seja na
abordagem dos problemas económicos e financeiros, seja nos pronunciamentos
políticos na UE, ou ainda no diálogo e relacionamento com todos os outros
países.
Está
cada vez mais claro que as políticas monetárias por si já não resolvem os
problemas que bloqueiam o crescimento económico e o desenvolvimento. É preciso
que os orçamentos dos estados tenham folgas que permitam aumentar o
investimento. É isso que o próprio FMI vem reclamando, embora pareça pretender
que essa opção valha para a Alemanha e outros com mais poder, mas já não se
aplique a países que se encontram em dificuldades, por se depararem com brutais
dívidas.
Para
nós, o que está aí em força é a ladainha de que Portugal "está em situação
difícil e precisa de mais medidas", ou seja, de sacrifícios do povo. A
pressão sobre a Grécia está de novo em alta. A diabolização do Governo grego e
o achincalhamento do seu povo prosseguem, visando forçar novos cortes em
pensões e outros direitos sociais. Este processo é fortemente usado contra
Portugal, contudo alguns dos nossos principais políticos da Direita fazem coro
com os carrascos.
A
situação política em Espanha permanece bloqueada, e os dirigentes da UE e do
BCE continuam toda uma ação no sentido de limitar as hipóteses de o povo
espanhol e as forças políticas progressistas encontrarem uma saída que não se
submeta ao programa do Partido Popular Europeu e do poder económico e
financeiro. Nesta estratégia, Portugal é colocado como "parte" da
Espanha: provavelmente, viremos a constatar que, silenciosamente, fomos
integrados em opções de reorganização da Banca ou de áreas económicas, num
processo Espanha/UE, que ignorou em absoluto os interesses específicos de
Portugal.
É
neste complexo quadro que devem ser analisadas as medidas a ser adotadas na
Banca portuguesa. Tenhamos em conta: i) o governador do Banco de Portugal mais
facilmente segue os interesses UE/BCE do que as posições dos órgãos de
soberania ou do Governo português; ii) nestes negócios, a responsabilidade
pública acaba sempre por gerar novas faturas cobradas aos cidadãos; iii) há
entidades especializadas em chorudos negócios a partir da compra de créditos
malparados e de dívidas.
Qualquer
plano de intervenção na Banca deve ser transparente e muito bem explicado nos
seus objetivos e implicações. Não bastam as afirmações bondosas de que é para
garantir financiamento às empresas, ou para "não injetar dinheiro público
na Banca".
O
primeiro-ministro disse esta semana que a UE está num estado de
"tempestade perfeita". Não são ainda percetíveis nem o tempo que se
segue, nem a dimensão dos estragos. Há, pois, que agir em plena tempestade:
cuidando do que é nosso e assumindo as nossas responsabilidades; explorando
convergências com todos os governos que não estão disponíveis para se
submeterem ao "pensamento único" e às inevitabilidades até agora
impostas, a partir essencialmente da Alemanha; preparando refletidamente
soluções mais arriscadas ou ainda não experimentadas, se a tal formos
obrigados.
Deseja-se,
também, que surjam menos entorses resultantes de comportamentos irrefletidos de
ministros, de secretários de Estado, ou de outros atores do espaço da
governação.
*Investigador
e professor universitário
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