Camilla
Hoshino e Anderson Marcos dos Santos - Brasil de Fato, Curitiba – em Opera
Mundi
Para
Laymert Garcia dos Santos, professor do departamento de Sociologia da Unicamp,
'esse golpe é, antes de tudo, jurídico', com o Judiciário liderando estratégia
de desestabilização 'em articulação com o Legislativo e com a grande mídia'
Na
opinião de Laymert Garcia dos Santos, sociólogo da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), a grande mídia funciona como uma caixa de ressonância do
golpe no Brasil, mas o grande ator desse processo é o Poder Judiciário.
“Utiliza-se a lei de forma excepcional. Isso implica justamente dizer que o
Estado de Direito é suspenso”, explica.
Nesse
sentido, segundo Santos, a construção do discurso por meio do próprio Direito,
através de apurações seletivas promovidas pela Operação Lava Jato, serviu para
criminalizar a esquerda no país. “É justamente aí que entram os meios de
comunicação para ganhar a chamada opinião pública. Eles funcionam como uma
caixa de ressonância para tornar credível e aceitável uma única versão das
coisas”, analisa.
Laymert
Garcia dos Santos é Doutor em Ciências da Informação pela Universidade de Paris
VII, Mestre em Sociologia das Sociedades Industriais pela Escola de Estudos
Avançados em Ciências Sociais (EHESS) e professor titular do departamento de
Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
Ele participou no dia 18 de maio de um encontro promovido pelo coletivo
Advogados pela Democracia, que reúne juristas, professores e estudantes do
Paraná em defesa da legalidade democrática no atual momento político do país.
Em
entrevista ao Brasil de Fato, Santos fala sobre o papel do Judiciário
como articulador do golpe institucional em curso, da atuação dos grandes meios
de comunicação na disputa do discurso sobre os acontecimentos e sobre a
potencialidade da internet em construir novas narrativas para a esquerda.
Confira
a entrevista:
Brasil
de Fato: A leitura dos movimentos populares e de intelectuais progressistas é
de que há um tripé que sustenta o golpe institucional contra a presidenta Dilma
Rousseff, que envolve uma articulação de setores empresariais, parlamentares e
do Judiciário, fomentada pelo apoio da grande mídia. Como o senhor enxerga essa
leitura?
Laymert
Garcia dos Santos: Eu acredito que a mídia seja muito importante nesse
processo como caixa de ressonância de uma estratégia de desestabilização e de
golpe. Mas, no meu entendimento, ela não é a cabeça. A cabeça dessa estratégia
é o Judiciário, mas em articulação com o Legislativo e com a grande mídia.
Então realmente existe este tripé. A questão é que precisamos colocar
muito mais luz sobre o papel do Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal
Federal, porque se a gente só bate na Rede Globo e nos barões da mídia, e no
Congresso, de certa maneira, a gente preserva um ator que foi fundamental nessa
história para obter a inteligibilidade do golpe. Esse golpe é, antes de tudo, jurídico.
E
que pontos podemos ressaltar nessa atuação do Judiciário?
A
articulação se dá utilizando tecnologias jurídicas de um modo dentro da lei,
mas ao arrepio da lei, com uma flexibilidade das regras do jogo. Utiliza-se a
lei de forma paradoxal – ou para usar uma expressão que eu gosto mais
–, de forma excepcional, porque isso implica justamente dizer que o Estado
de Direito é suspenso. Então você tem a impressão de que está em um Estado de
Direito, mas, na verdade, já está em um Estado de Exceção. E esse foi o papel
que o Judiciário cumpriu, tanto o Ministério Público Federal, quanto a operação
Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal, no sentido de fazer uma apuração
seletiva da corrupção e de conseguir, através dessa apuração, criminalizar a
esquerda. É justamente aí que entram os meios de comunicação para ganhar a
chamada opinião pública. Eles funcionam como uma caixa de ressonância para
tornar credível e aceitável uma única versão das coisas. E esse é o jogo que eu
vejo como mais importante. Insisto no papel do Judiciário, pois ele está sendo
muito poupado nesse processo.
Toda
ação coletiva precisa disputar a narrativa que vai dar sentido ou não a uma
determinada luta, como no caso das manifestações de rua. Como a esquerda tem se
saído nisso?
A
esquerda tem tentado disputar e tentado construir outra narrativa além da
dominante. Em certo sentido, eu diria que, do ponto de vista das ruas, ela
ganhou a batalha. Mas como ela não tem o aparato midiático a seu favor, o fato
de ganhar a batalha das ruas não significa que ela ganha a guerra. Mas também
há conquistas no discurso. Por exemplo, a palavra “golpe” pegou. No início do
processo havia um conflito entre duas concepções, a de “golpe” e a de
“impeachment”, e depois disso vimos que a narrativa do golpe foi criando
raízes. Nas manifestações, começou a aparecer timidamente o “não vai ter golpe,
vai ter luta”, e depois a ênfase maior foi dada ao “vai ter luta”. Então, nós
percebemos que, apesar do aparato midiático, a esquerda conseguiu validar ou
legitimar que o que está acontecendo é um golpe. A mobilização dos intelectuais
e a construção – da qual participei também – de canais de esclarecimento à
mídia internacional sobre o que estava acontecendo aqui também foi importante
para que essa mídia internacional deixasse de comprar a versão de que se
tratava de um impeachment constitucional.
A
esquerda sempre se sentiu atacada pelo discurso da grande mídia. Mesmo assim,
os governos do PT não levaram adiante a elaboração de um marco regulatório das
comunicações no Brasil, nem quiseram rever as concessões públicas da Rede
Globo, por exemplo. Como o senhor avalia essa atitude?
Nos
anos 1980, quando eu era professor de jornalismo, tínhamos um curso sobre
crítica da mídia. Já naquele tempo percebíamos que o PT não queria fazer a
crítica da mídia. O PT tinha e mantém uma atitude ambivalente com a grande
mídia. De um lado, eles querem ser reconhecidos pela mídia, então quando a
mídia acena para eles, eles se derretem. E por outro lado, eles criticam a
mídia, mas achando que, se a mídia topar fazer uma “troca de sinais”, não será
necessário mexer nesse aparato. E eu penso que um dos pecados capitais dos
governos populares foi justamente não ter atacado isso de frente, levando a
regulação da mídia como uma questão chave. Então estão pagando um preço muito
pesado agora. E não sei se já aprenderam.
Em
2013, houve uma mudança no cenário com as manifestações de junho que passa por
uma articulação entre as redes e as ruas, surgindo uma novidade para vários
espaços tanto da direita como da esquerda. Essa novidade, essa forma de fazer
política, essa relação de massa com a tecnologia, foi apreendida pela esquerda?
Acredito
que sim, de forma diferente de como foi apreendida pela direita. E também acho
que de uma maneira mais inteligente. A direita tem a possibilidade – porque tem
dinheiro – de lançar trolls [método para desestabilizar a discussão e
as pessoas envolvidas] em massa, de utilizar dispositivos na internet de
difusão de calúnia, de desinformação, etc. Mas ela não tem inventividade de
usar a potência dos meios, e a capacidade caritativa, pois tem um discurso
muito fechado, monolítico e de pura violência. Ela funciona na base da
intimidação e da mentira. Se pegarmos a desconstrução do discurso da direita
pela esquerda na internet, perceberemos que é muito mais inteligente o uso da
potência dos meios pela esquerda do que pela direita, o que me faz ter mais
raiva ainda dos governos populares e do PT por não ter sabido avançar na
questão das mídias.
O
senhor se negou a escrever um artigo para o jornal O Estado de S.Paulo nas
vésperas da votação do impeachment na Câmara dos Deputados. Por quê? Disputar
um espaço para uma opinião contrária à linha editorial de um grande veículo não
é uma forma interessante de ganhar visibilidade?
Eu
acho que essa atitude é necessária. Os grandes jornais sempre contaram com uma
espécie de compreensão e leniência dos intelectuais que, de um lado, queriam
aparecer na mídia e, de outro, se prestavam ao papel de fazer o pequeno contraponto.
Jornais como o Estado de S. Paulo e a Folha de S.Paulo são
95% golpistas e ouvem 5% do outro lado, e você se presta ao álibi dele.
Muito antes de começar essa história do golpe eu já não escrevia mais
para a chamada grande imprensa e muitas vezes recusei entrevistas de televisão.
Depois da questão do golpe, acredito que aceitar as condições deles é
absolutamente impossível.
Temos
saída para a construção de um discurso alternativo pela Internet?
A
internet abriu uma possibilidade para nós de construir um discurso que vai
bater de frente com o discurso da grande mídia. Mais do que brigar com eles, é
importante brigar pela democratização radical da banda larga, pela
alfabetização informacional da população inteira, porque aí é possível construir
canais para que a própria população construa sua informação e encontre a
informação a partir do lugar onde estão. Se acontecer isso, vai ser inevitável
as pessoas se desconectarem da Globo, pois verão que ela [emissora] está sendo
sacana com elas.
*Anderson
Marcos dos Santos é Doutor em sociologia pela Unicamp, mestre em direito pela
UFPR e professor de direito da Universidade Positivo.
Entrevista
publicada originalmente no site Brasil de Fato – Foto: Eduardo Vernizi / Brasil de Fato
Sem comentários:
Enviar um comentário