Reunião
entre senador tucano e “número 3″ do Departamento de Estado mal apareceu no
radar midiático. Mas os protagonistas sabiam exatamente seu significado. Por
isso, PSDB tornou público o encontro
Mark
Weisbrot, no HuffingtonPost –
Outras Palavras - Tradução de Marina Lang - Imagem: Victor T.
No
dia seguinte à votação de impeachment na Câmara dos Deputados do Congresso do
Brasil, um dos líderes da iniciativa, senador Aloysio Nunes, viajou a
Washington D.C. Ele tinha reuniões agendadas com diversas autoridades, incluindo
Thomas Shannon, do Departamento de Estado.
Shannon
tem um perfil relativamente discreto na mídia, mas ele é o número três no
Departamento de Estado. Até mais significativo neste caso, trata-se da pessoa
mais influente na política do Departamento de Estado dos EUA para a América
Latina. Ele será o único a fazer recomendações ao secretário de Estado John
Kerry sobre o que os EUA devem fazer caso os esforços em andamento para afastar
a presidenta Dilma Rousseff prossigam.
A
disposição de Shannon para se encontrar com Nunes, apenas dias depois da votação
do impeachment, emite um sinal poderoso de que Washington está embarcando com a
oposição neste empreendimento perigoso. Se ele quis demonstrar que Washington
era neutra neste conflito político violento e profundamente polarizado, não
deveria ter uma reunião com um protagonista de alto escalão do outro lado,
especialmente neste momento em particular.
A
reunião entre Shannon e Nunes é um exemplo do que pode ser chamado de
“diplomacia cifrada” (“dog-whistle diplomacy”). Ela mal aparece no radar
midiático que reporta o conflito e, portanto, é improvável que gere reação. Mas
os protagonistas sabem exatamente o que isso significa. É por isso que o
partido de Nunes, o PSDB, tornou público o encontro.
Para
ilustrar com outro exemplo de diplomacia cifrada: em 28 de junho de 2009,
militares hondurenhos sequestraram o presidente do país, Mel Zelaya, e
colocaram-no num avião para fora do país. Em resposta, o comunicado da Casa
Branca não condenou este golpe, mas preferivelmente invocou “todos os atores
políticos e sociais em Honduras” a respeitar a democracia.
O
sinal cifrado funcionou perfeitamente; mais importante, os líderes do golpe e
seus apoiadores em Honduras, assim como cada diplomata em Washington, sabiam
exatamente o que isso significava, assim como os comunicados condenando o golpe
e exigindo a restauração do governo democrático que se espalharam ao redor do
globo. Todo o mundo sabia que aquilo era, em código diplomático, um claro
comunicado de apoio ao golpe. Os eventos que seguiram ao longo dos seis meses seguintes,
com Washington fazendo tudo o que pudesse para ajudar a consolidar e legitimar
o governo golpista, foram muito previsíveis a partir desta declaração inicial.
Hillary Clinton, posteriormente, admitiria em seu livro “Hard Choices”, de 2014, que
trabalhou com sucesso a fim de prevenir o retorno do presidente
democraticamente eleito.
Tom
Shannon tem uma reputação de parceiro amigável entre os diplomatas
latino-americanos, um oficial de carreira experiente no serviço diplomático que
está disposto a sentar e conversar com governos em desacordo com a política dos
EUA para a região. Mas ele também tem muita experiência com golpes.
Alguns
dos e-mails vazados de Hillary Clinton lançam luz adicional sobre o papel
dele no auxílio da consolidação do golpe hondurenho. Ele foi, também,
um funcionário de alto escalão do Departamento de Estado durante o golpe na
Venezuela, em abril de 2002, sobre o qual existem evidências documentais
substanciais do envolvimento dos Estados Unidos. E quando o golpe parlamentar
no Paraguai aconteceu em 2012 – algo similar ao que está acontecendo no Brasil,
mas com um processo que impediu e removeu o presidente em apenas 24 horas –
Washington também contribuiu com a legitimação do governo golpista na
sequência. (Em contraste, governos sul-americanos suspenderam o governo
golpista via Mercosul, o bloco comercial regional, e UNASUR – a União das
Nações Sul-Americanas.) Shannon era embaixador no Brasil à época, mas ainda era
uma das autoridades mais influentes na política hemisférica.
O
Departamento de Estado dos EUA respondeu às questões sobre as reuniões de Nunes
dizendo: “Este encontro foi planejado por meses e foi organizado a pedido da
embaixada brasileira”. Isto, porém, é irrelevante. Significa, apenas, que a
equipe da embaixada brasileira estava, como questão de protocolo diplomático,
envolvida na realização das reuniões. Não implica em consentimento da
administração de Dilma Rousseff, tampouco altera a mensagem política que o
encontro com Shannon envia à oposição do Brasil.
Tudo
isso é, claro, consistente com a estratégia de Washington em resposta a
governos de esquerda que lideraram a maior parte da região no século 21.
Raramente se perdeu uma oportunidade de quebrar ou de se livrar de qualquer um
deles, e o desejo de substituir o governo do Partido dos Trabalhadores no
Brasil – por um governo mais complacente, de direita – é bastante óbvio.
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