quinta-feira, 2 de junho de 2016

A DESCOLONIZAÇÃO DA MENTE



Rui Peralta, Luanda 

Os sistemas africanos de fé são, geralmente e por diversos motivos, associados á “obscuridade”, á “violência”, aos “sacrifícios humanos e/ou animais” e ao “atraso cultural e socioeconómico”. Desde o início do período colonial até hoje difunde-se falsa informação sobre as espiritualidades africanas e estas são sistematicamente descontextualizadas. África é mal interpretada e ignorada.             O colonialismo religioso, expressão do colonialismo cultural, é um dos efeitos menos debatidos do todo colonial, sendo a razão principal dos sistemas africanos de fé serem vistos como “magia negra”, ou simples superstições. É necessário entender os processos de colonização cultural para compreender o domínio do cristianismo e do Islão.

No início do século XX os sistemas espirituais africanos ainda dominavam uma vasta região do continente. Passaram de “primitivos e incivilizados”, a um “sistema inferior de religião”. Os extremos dos missionários fizeram-se sentir em muitas ocasiões. Noutras foram mais discretas e “moderadas”. É bom não esquecer que os missionários cristãos acreditavam piamente que tinham de libertar o continente da “opressão do mal” e da “ignorância” (esta crença dos missionários-agentes coloniais foi absorvida pelos actuais missionários pós-coloniais). Quanto ao Islão o panorama não foi muito diferente.

Em muitas escolas fundadas por missionários cristãos foi ensinada (e é) a cristandade mas, também a superioridade da cultura e língua do colonizador ou ex-potência colonial. Foi dessa forma que se formaram muitos agentes “indígenas” ou “autóctones” da autoridade colonial (é verdade que também, em muitos e muitos casos, sucedeu o contrário, um despertar para a luta de libertação nacional. Já com o Islão, a relação com a libertação do continente era muito mais próxima). O colonialismo dominou através do medo, da insegurança, da suspeita generalizada e da tortura do corpo e da alma.

Para a África actual as tradições ancestrais degeneraram, em muitos casos, em práticas criminais. São frequentes os casos de perseguição e assassinato de albinos para adquirir partes dos seus corpos (com especial incidência na Tanzânia) para criar amuletos e fetiches que trazem riqueza, ou rituais ligados a aberturas de túmulos e profanação de cadáveres (no Benim) ou, ainda, assassinato de crianças, etc. Por trás de tudo isto está a mercantilização desses rituais.

Os processos de aculturação inerentes ao desenvolvimento não se socializaram, em virtude da característica do próprio desenvolvimento. As políticas actuais de desenvolvimento aplicadas no continente são políticas descaracterizadas que cavam enormes fossos de desigualdade social. São políticas de concentração de capital e não de socialização da produção. São políticas de concentração da riqueza, não geradoras de processos de democracia económica. Num mundo em que o objectivo é riqueza e Poder as espiritualidades africanas corrompem-se, afastam-se dos seus contextos rurais, para mais quando o desenvolvimento urbano é caótico e assenta num modelo neocolonial, alienígena.

As culturas e costumes africanos pertencem a este mundo. Os que mantêm as tradições ancestrais reclamam credibilidade, apesar dos múltiplos desafios que enfrentam. África tem um passado e, nesses mesmo passado, valores culturais, mas esse passado – independentemente de toda a sua glória – foi, também, o da sua derrota perante a invasão europeia. A luta de libertação nacional foi uma ruptura com a própria tradição, embora a tivesse absorvido, representou uma transformação na qual a tradição se inseria, participava e esse foi um momento de aculturação real.

O desenvolvimento cultural em África é fundamental para edificar um poderio material que garanta a soberania e o Poder de decisão no domínio político, económico, social e cultural. Este poderio material não é apenas crescimento do PIB, é também crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (que por sua vez não é apenas educação e licenciaturas a eito, é também qualidade de ensino, educação como direito e não como negócio, qualidade de vida, de ambiente, saúde como direito e não como negócio, etc.). E não se chega lá através da concentração de riqueza, mas pela justa distribuição da mesma, nem através da especulação mas, sim, através da produção.

África necessita pôr-se corajosamente em causa. Tem de quebrar os ídolos e adquirir conhecimento científico e tecnológico. Tem de olhar para si e para o mundo, não para o próprio umbigo. Não bastam algumas fábricas, investimento privado, respeitar tradição, resgatar valores…Aqui o único valor a resgatar é o futuro.

África necessita de uma lógica de ruptura com o capitalismo…

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