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de Abril é dia de greve. Greve é uma palavra de origem francesa, como outras,
com grande significado político. Esta greve tem uma causa laboral e política
forte: opõe-se ao projeto de lei do trabalho.
Liberato Fernandes
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de Abril é dia de greve1.
A casa de jovens que nos acolhe ressente-se desse facto. Parte dos seus
habitantes saíram de madrugada, respondendo à convocatória da “Noites de Pé”;
da Coordenadora Sindical e da Coordenação de Estudantes. O objetivo é
desconhecido dos participantes. Sabemos depois que, numeroso grupo de Saint
Dénis interrompeu o trânsito que liga o porto do Havre a Paris. Durante a
manhã, soubemos depois, que os portos principais situados a norte e, a sul
(Havre e Marselha), estavam completamente paralisados e ocupados. Este
movimento tem-se repetido nas principais empresas e serviços da França. Durante
o pequeno almoço a jovem presente na residência fala-nos da surpresa que tem
sido para ela (estudante portuguesa em processo de doutoramento), relativamente
à radicalidade e maturidade revelada por jovens liceais, adolescentes, durante
as assembleias gerais de alunos que se realizam na Universidade de Saint Denis
desde março. Diz-nos: “eles debatem a situação política francesa com finalistas
dos cursos, e doutorados, dez anos mais velhos!”.
Greve,
é uma palavra de origem francesa, como outras, com grande significado político.
Esta greve tem uma causa laboral e política forte: opõe-se ao projeto de lei do
trabalho conhecida pelo nome da ministra que o apresentou: “Lei Khomri”.
Contém, numa única proposta legislativa, o conjunto da regulamentação laboral
aplicada em Portugal pelo governo PSD/CDS, e imposta pela Troika. Das medidas
propostas constam: a alteração do horário laboral, por simples acordo (poderá
ir até às 46 horas semanais e, às 12 diárias. São facilitados os despedimentos,
desde que as empresas aleguem necessidade de reestruturação. Está prevista a
diminuição dos subsídios por doença, e por acidente de trabalho.
O
sistema de flexibilização e precarização do trabalho, ligado à destruição do
Estado Social, está a ser imposto, pelo capital financeiro, em todas as
latitudes. Os assalariados franceses, com longa tradição de luta, unem-se,
independentemente do grau de especialização e da função que ocupam. As greves
estão a mobilizar desde o auxiliar até ao técnico altamente qualificado e
remunerado.
Almoçamos
mais cedo, para poder integrar a manifestação que saía da Denfert-Rochereau
pelas 15horas. Contrariamente ao conjunto dos sectores, os transportes públicos
de Paris estão a funcionar. Verificamos que, parte significativa do movimento,
tem como destino a manifestação. Surpreendentemente, apesar da situação de
emergência e das ações bombistas, as pessoas vão em família: vêem-se famílias
com crianças às cavalitas, acompanhadas por pessoas aparentando ter 70 anos.
Chegamos
com a manifestação em marcha. É uma festa: um grupo de jovens num grande camião
atua... estilo rap: as letras são palavras de ordem. Sucedem-se as entregas de
propaganda, apelando ao apoio às greves e às lutas sectoriais, outros,
convocando para a participação no 1º de Maio e, até um que apela para o desfile
“La France insoumise”, com a presença de Mélenchon, dissidente socialista (na
presente data já se realizou, em 6 de junho, na Praça de Stanlingrad2).
Nota-se
na manifestação que os grupos integrantes, estão à vontade para expressar o seu
ponto de vista, sem qualquer hostilidade da segurança da organização: tanto se
podem ver comunicados de uniões sindicais, como de coletivos de defesa da
igualdade de género, de socialistas, de grupos anarquistas. Um folheto,
imitando notas de 60 milhões de euros, chama-nos a atenção. Editado pela ATTAC,
o folheto contem no verso a descrição das fraudes: do Banco Paribas, que possui
duas centenas de filiais em paraísos fiscais, o do Crédit Agricole, com as suas
159 filiais e, a Societé Générale, com 136 filiais, situações detetadas no
Panamá Papers. O sistema está completamente corrompido e, a doença, é geral...
não está confinada a Portugal, nem à França, nem à Europa, embora cada uma das
elites nacionais (políticas e de negócios), tenha contas a prestar perante os
seus próprios povos.
Aproximamo-nos
do Sena. Ouvem-se rebentamentos. Com inquietação, avistamos fumo à distância,
saindo da manifestação. Interrogamo-nos?! Tratar-se-á de um ato terrorista...
Informam-nos, que não... trata-se, do lançamento de gás lacrimogéneo por parte
da polícia. A manifestação parou. Algumas das pessoas mais idosas retiram-se.
Na dúvida, também resguardamo-nos, numa das ruas paralelas à avenida. Passado
algum tempo vimos que a manifestação retoma o movimento.
Imediatamente
antes da entrada, e depois da saída da ponte Austerlitz, são abundantes os
sinais de confronto: cartuchos no chão, viaturas e montras partidas... a
polícia conseguiu o seu objetivo: separar a cabeça, liderada pela coordenadora
sindical (CGT, FO e, coordenadora estudantil), do corpo dos manifestantes. O
gás lacrimogéneo permanece e, não estamos preparados para os suportar. Apenas
resistem os grupos de manifestantes que se prepararam com soro fisiológico, com
máscaras, com calçado e roupa adequada. Informam-nos que, no destino final, La
Nation, a polícia de choque prossegue nas cargas. O objetivo é reduzir a
manifestação ao seu núcleo mais jovem e radical: a manifestação iniciara-se com
dezenas de milhares de pessoas, em ambiente familiar e, a imagem a transmitir
por quem detém o poder do estado em França, é a dum confronto violento entre um
reduzido grupo e a polícia. O poder teme a multidão.
Quem
está a ganhar eleitoralmente, com a ação do governo através da violência
policial, e pelo efeito combinado com o terrorismo, é o nacionalismo da Frente
Nacional. Acontece que, o capital que hoje domina a França, tem participações
cruzadas com árabes, russos, americanos, ingleses, e alemães... tem domicílio
fiscal no Luxemburgo, na Suíça e nas Ilhas Virgens. Este capital alimenta o
discurso nacionalista de Marie Le Pen, financia e lucra, com as guerras que
cercam a Europa.
Este
capital sem rosto e sem pátria, convive mal com os trabalhadores, homens e
mulheres da França, naturais ou emigrantes. Este capital diverte-se com os
magnatas de todas as origens e cores, em iates registados no Mónaco,
passeando-se nos paraísos de ambiente preservado, das Antilhas, no Índico ou no
Pacífico.
Artigo
de Liberato Fernandes, publicado no “Diário dos Açores” a 22 de junho
de 2016
1 As
greves gerais em França sucedem-se desde março. Têm-se ampliado e radicalizado.
A última, realizada a 14 de julho, culminou com uma Mega Manifestação com uma
participação de mais de 1 milhão de manifestantes, apesar do campeonato Europeu
de Futebol.
2 Sublinhe-se
que as mudanças políticas ocorridas nos países de leste não determinaram, em
França, a eliminação de nomes - referência da resistência ao nazi-fascismo,
durante a 2ª guerra.
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