terça-feira, 2 de agosto de 2016

Portugal ATÉ O SOL PAGA IMPOSTO



Paula Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

1. Parecem sem fim as possibilidades que o Estado encontra para ir ao bolso dos portugueses. A imaginação não podia ser mais fértil. Quando julgamos impossível obrigarem-nos a contribuir mais ainda para o bolo comum, eis uma ideia curiosa, surpreendente. Se vive numa casa bem exposta ao sol, virada para uma bela paisagem, prepare-se: haverá um agravamento do valor a pagar pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI).

Como quase tudo proveniente da Autoridade Tributária, a medida é algo indecifrável para o comum cidadão. Neste caso, trata-se de um coeficiente de localização e operacionalidade relativa, que, por sua vez, integra ainda um coeficiente de qualidade e conforto. Pois bem, se vive numa casa confortável, terá de pagar, é essa, em suma, a sustentação do imposto. Perante isto, teremos também de ser imaginativos. Antes de os diligentes funcionários da Autoridade Tributária reavaliarem a casa, não percamos tempo. Convoque-se, com urgência, uma reunião de condomínio ou promova-se um encontro de vizinhos: e avance-se com a plantação, o mais rápido possível, de uma barreira de árvores. Atenção aos pormenores. Só valem árvores de folha perene, para que a sombra se mantenha ao longo de todo o ano. E, já agora, talvez seja boa ideia optar por árvores de crescimento célere, de modo a tapar rapidamente a paisagem.

2. A Autoridade Tributária faz escola na administração pública nacional. Hoje em dia, entrar numa igreja deixou de ser um ato de fé. Confesso o desconforto quando, a meio de uma jornada de lazer, tento entrar num templo com o simples propósito de estar [só] , e sou barrada por um cobrador de bilhetes. Os edifícios, eu sei, têm de ser preservados. Aceito, sem qualquer reserva, que num edifício como a Sé de Évora, por exemplo, se cobre ingresso para visitar os claustros, ou uma área musealizada. Não aceito pagar para ir à igreja. Antes de ser monumento nacional, o edifício é um local de culto, onde qualquer um deveria entrar e ficar em comunhão consigo próprio ou com uma entidade transcendente, num momento de recolhimento e paz.

Admito as dificuldades financeiras inerentes à manutenção das igrejas. Mas sei também que os nossos impostos devem ser para aí encaminhados. O que pagamos pelo sol, pela paisagem magnífica que sirva, enfim, para preservar a talha dourada e os frescos dos nossos monumentos.

* Editora executiva adjunta

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