Paula
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
1.
Parecem sem fim as possibilidades que o Estado encontra para ir ao bolso dos
portugueses. A imaginação não podia ser mais fértil. Quando julgamos impossível
obrigarem-nos a contribuir mais ainda para o bolo comum, eis uma ideia curiosa,
surpreendente. Se vive numa casa bem exposta ao sol, virada para uma bela
paisagem, prepare-se: haverá um agravamento do valor a pagar pelo imposto
municipal sobre imóveis (IMI).
Como
quase tudo proveniente da Autoridade Tributária, a medida é algo indecifrável
para o comum cidadão. Neste caso, trata-se de um coeficiente de localização e operacionalidade
relativa, que, por sua vez, integra ainda um coeficiente de qualidade e
conforto. Pois bem, se vive numa casa confortável, terá de pagar, é essa, em
suma, a sustentação do imposto. Perante isto, teremos também de ser
imaginativos. Antes de os diligentes funcionários da Autoridade Tributária
reavaliarem a casa, não percamos tempo. Convoque-se, com urgência, uma reunião
de condomínio ou promova-se um encontro de vizinhos: e avance-se com a
plantação, o mais rápido possível, de uma barreira de árvores. Atenção aos
pormenores. Só valem árvores de folha perene, para que a sombra se mantenha ao
longo de todo o ano. E, já agora, talvez seja boa ideia optar por árvores de
crescimento célere, de modo a tapar rapidamente a paisagem.
2.
A Autoridade Tributária faz escola na administração pública nacional. Hoje em
dia, entrar numa igreja deixou de ser um ato de fé. Confesso o desconforto
quando, a meio de uma jornada de lazer, tento entrar num templo com o simples
propósito de estar [só] , e sou barrada por um cobrador de bilhetes. Os
edifícios, eu sei, têm de ser preservados. Aceito, sem qualquer reserva, que
num edifício como a Sé de Évora, por exemplo, se cobre ingresso para visitar os
claustros, ou uma área musealizada. Não aceito pagar para ir à igreja. Antes de
ser monumento nacional, o edifício é um local de culto, onde qualquer um
deveria entrar e ficar em comunhão consigo próprio ou com uma entidade
transcendente, num momento de recolhimento e paz.
Admito
as dificuldades financeiras inerentes à manutenção das igrejas. Mas sei também
que os nossos impostos devem ser para aí encaminhados. O que pagamos pelo sol,
pela paisagem magnífica que sirva, enfim, para preservar a talha dourada e os
frescos dos nossos monumentos.
*
Editora executiva adjunta
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