I – Observações de partida
Os dois textos, e há mais, se
referem à situação de conflito lançada na Assembleia Nacional Popular (ANP;
parlamento bissau-guineense) no dia 23 de Dezembro de 2015 e que ainda
prevalece. Na origem de tudo está a recusa naquela data, de um grupo de 15
deputados da bancada do PAIGC a acatar a orientação do voto deste seu Partido.
Tratava-se da votação do programa do 2º Governo desta formação, da presente IX
legislatura. Todos os integrantes do grupo (aliados a dois outros Partidos
políticos com assento parlamentar: PRS e PND) votaram a abstenção, com as
declaradas intenções de chumbar o referido programa na sua primeira leitura e,
o programa e consequentemente o Governo, na segunda. Agiram, procedendo assim,
contra todos os compromissos de honra assumidos por escrito e juramentos tidos
outrora publicamente.
Diante destes factos, a minha
reação a quente a referidos artigos e outros, foi então logo sempre este, ‘não!,
nem só isto’.
Porque bem apreciada, a situação
em relação a este caso do “grupo dos 15 deputados” desviantes do PAIGC (agora é
apelidado assim) põe antes de tudo e em todo o primeiro lugar um problema de
origem ÉTICO-MORAL de fundo e muito sério. Ligado à questão da gestão dos
mecanismos (normas para o exercício da função de eleitos representantes do
povo) de regulação da atitude, comportamento e ações (sobretudo políticas) dos
Eleitos representantes do povo, neste caso deputados da nação, no exercício das
suas funções. É também uma questão de coerência (ou não) para com os
compromissos assumidos antes, durante e depois do exercício do cargo de um
Eleito representante do povo nesta função. Pois, a um Eleito representante do
povo, após tudo, também cabe o papel de constituir uma figura de referência em
relação ao respeito de bons valores ético-morais da sociedade da gente que
representa.
Assim visto, eis evidentemente um
aspeto geral, essencial e sobretudo fundamental do problema, e
consequentemente, devendo também constituir devidamente, por isso, o objeto de
debate e de um tratamento adequado particular no quadro das reflexões e diligencias
a entabular e a cumprir na procura de uma solução imediata e duradoura de saída
para a atual situação de crise.
O presente texto visa apontar
este aspeto do problema, pretendendo neste quadro discernir as relações
existentes entre este aqui e aqueles dois outros aspetos mais visíveis: JURÍDICO
e POLÍTICO.
Trata-se assim de uma
contribuição a enquadrar nos debates já tidos, ou em curso neste momento no
nosso país inteiro, a Guiné-Bissau e além, junto dos seus filhos (Mulheres e
Homens) na diáspora. Evidentemente, à volta de mais esta uma situação da crise
governativa despoletada esta vez no dia 12 de Agosto de 2015, com a demissão do
1º Governo do PAIGC desta mesma IX legislatura.
II - O outro problema de fundo,
de origem ÉTICO-MORAL da presente situação de crise
Com efeito, o género de outro
aspeto do problema da presente situação de crise surgido pela opção, pelo “grupo
dos 15 deputados” desviantes do PAIGC, pelo voto de abstenção na votação do
programa do seu Governo contra a orientação do voto deste como antes
assinalado, não é coisa nova, visto em geral. Trata-se com efeito, à partida,
de um problema muito conhecido na gestão da vida parlamentar pelos Partidos
políticos e outros órgãos e instituições de Estado em todos os regimes de
democracia pluralista, multipartidária e parlamentar, do Estado de Direito
bem-sucedidos, com a República (misto ou não) como forma do Governo.
Mais precisamente, trata-se mais,
é de um conflito ligado à gestão (articulação e adequação), pelos Partidos
políticos (também outros órgãos e instituições de Estado), sobretudo quando
dotados de assentos no parlamento, dos legítimos e legais mecanismos de
regulação da atitude, comportamento e ações (sobretudo políticas) dos seus
militantes, tornados em seu nome, eleitos representantes do povo, neste caso
deputados da nação, no exercício das suas funções neste cargo. Os tais
‘mecanismos’ na verdade, são as normas legais estabelecidas para o exercício da
função de Eleitos representantes do povo, consagradas na constituição, nos
estatutos de Partidos políticos e também (nem sempre) nos de grupo parlamentar
(dito bancada na Guiné-Bissau). Na prática política, os Partidos políticos
recorrem para o efeito da gestão destes mecanismos aos instrumentos: orientação
do voto; e disciplina do voto.
Este problema ou risco de
problema (conflito) se torna sempre particularmente relevante quando tratando-se
dos partidos e seus deputados em situação de governação com ou sem coligação.
Pois da disciplina de voto de cada deputado passará a depender a estabilidade
governativa do país e do sucesso ou insucesso em relação à responsabilidade de
governação atribuída e assumida por um Partido político ou Coligação de
Partidos políticos, via vitória eleitoral alcançada nas eleições.
Sobretudo, porque esta “medalha”
tem a sua outra face, podendo complicar a situação. É a independência e o
direito a liberdade do voto segundo a consciência e convicção de cada Eleito
representante de povo; um direito protegido e garantido pela constituição. Este
mecanismo visa a seu turno minimizar os riscos de todos os tipos de pressão e
de manipulação da pessoa dos Eleitos representantes do povo no exercício
sobretudo individual das suas funções como tal, pelos terceiros e tudo mais.
Eis portanto dois mecanismos
indispensáveis à existência e o funcionamento impecável dos sistemas de
governação nos Estados com regimes de democracia parlamentar bem-sucedidos. Do
tipo nosso ainda a caminho da construção e consolidação.
Devo acrescentar no antes dito,
todavia esta observação. Os dois mecanismos garantem a existência e
funcionamento impecável, sim. Mas só, quando bem aplicados, bem geridos e/ou
utilizados convenientemente (articulados e adequados) pelos seus utentes (Partidos
políticos e os Eleitos representantes do povo). Pois como se vê, a combinação
dos dois mecanismos integra intrínseca e potencialmente um paradoxo, uma
contradição: A NECESSIDADE E OBRIGAÇÃO DA DISCIPLINA DO VOTO de um lado, e de
outro, A INDEPENDÊNCIA E DIREITO À LIBERDADE DO VOTO.
III – A NECESSIDADE E OBRIGAÇÃO
DA DISCIPLINA DO VOTO versus INDEPENDÊNCIA E DIREITO À LIBERDADE DO VOTO no
cumprimento das funções dos Eleitos representantes do povo
Resumido no essencial do
essencial, este assunto é abordado em geral, do ponto de vista ético-moral, em
casos portanto, digamos de confusão, tal como o observado neste momento na
nossa ANP, por uma preocupação orientada pela seguinte interrogação:
quais são os princípios
ético-morais que vinculam ou devem vincular imperativamente a atitude,
comportamento e as ações políticas, sobretudo, ações de votação dos Eleitos
representantes do povo em todas as partes do mundo?
Bem, com efeito e como antes
exposto, o problema neste nível é este. Os Eleitos representantes do povo
(inclusive os deputados da nação), sim senhor, devem e têm a independência e
direito à liberdade do voto segundo a sua consciência e sua convicção; gozando
da correspondente imunidade garantida e protegida pela constituição. E isso é
assim e deve ser mesmo assim! Para a satisfação das intenções e objetivos
benéficos à comunidade, ao povo e à nação, como antes dito.
Mas agora, se estes Eleitos, eles
mesmos e por iniciativas próprias sem mais e sem menos, vierem transformar-se
mais tarde em maus representantes dos seus eleitores (recorrendo a linguagem de
Prof. Karl POPPER;
http://www.ordem-livre.org/200/06/uma-teoria-da-democracia/;
09.06.2013), começando a utilizar efetivamente, aquela sua independência e seu
direito à liberdade do voto a seu bel-prazer contra o povo; ou utilizar este
direito a cego, aplicando-o nas situações e momentos impróprios, por exemplo,
por interesses mesquinhos quaisquer, com o objetivo propositado da criação das
situações de crise ou para fazer perdurar situações de crises já criadas e em
curso, sem proveito nenhum para as comunidades, ao povo todo e à nação.
E a mesma reflexão pode e deve
ser procedida, diante dos factos, em relação a outra parte do problema, os
Partidos políticos.
Em todo o caso, se for ou se é
assim o caso, em relação à parte dos Eleitos, torna-se logo indispensável a se
questionar:
como resolver então os casos dos
problemas resultantes de uma tal má aplicação, gestão ou uso dos dois
conhecidos mecanismos de regulação da atitude, comportamento e ações dos
Eleitos representantes do povo, do tal funcionamento paradoxal: “necessidade e
obrigação da disciplina do voto versus independência e direito à liberdade do
voto? COMO?!
Eis a resposta. Em tais
situações, em última instância, quer dizer, em casos de dúvidas, lacunas,
ambiguidades etc. nas ações engajadas por uns e outros (Partidos políticos versus
Eleitos representantes do povo), deixando zonas de “sombra” para atitudes e
comportamentos a bel-prazer, recorrer-se-á às EXIGÊNCIAS DA CONSCIÊNCIA PÚBLICA
diante de cada caso concreto.
A CONSCIÊNCIA PÚBLICA, emprestada
à “Cláusula de Martens”, é entendida neste texto no sentido de um conjunto de
opiniões ético-morais que membros de uma sociedade, um povo, se estabelece para
aprovar ou reprovar, sempre, ou só em dadas situações, decisões, ações, gestos,
objetos, verbos etc. dos seus membros.
Partindo desta ótica no caso do
“grupo dos 15 deputados” desviantes do PAIGC aqui em apreço, apresentando
simetrias muito próximas à situação geral antes descrita, tudo se torna logo
então claro.
E, dito isto, a interrogação
central a qual os nossos juristas têm de recorrer em primeiro lugar, no
tratamento deste caso do “grupo dos 15 deputados” neste momento pode ser do
género da seguinte formulação:
os membros deste grupo, ao
votarem a abstenção no dia 23 de Dezembro de 2015, com as declaradas intenções
de fazer chumbar o programa do governo do seu próprio Partido, contra os
compromissos de honra assumidos por escrito e juramentos tidos publicamente outrora
por eles mesmos, agiram ou não em conformidade com as exigências da consciência
pública geral bissau-guineenses, e especificamente diante exatamente da
necessidade procurada pela Guiné-Bissau toda, de aprovação ou não, daquele
documento posto em votação naquele preciso dia?
IV – Os problemas de origem
ÉTICO-MORAL, JURÍDICA e POLÍTICA a resolver
Segundo a resposta encontrada à
interrogação precedente; a explicação e a descrição procedidas no presente
texto até aqui; o ato de voto do “grupo dos 15 deputados” desviantes do PAIGC
apresenta problemas de três naturezas diferentes, repito: DE ORIGEM ÉTICO-MORAL
(discernido aqui), DE ORIGEM JURÍDICA e DE ORIGEM POLÍTICA. Os dois últimos,
são suficientemente apontados e descritos em tantos outros textos e debates
tidos à volta da presente situação de crise e em relação ao caso particular
deste grupo. Por isso e por razões de conveniência, não serão discutidos neste
texto mas apenas integrados na reflexão.
Sendo assim, qualquer solução
visando sanear a situação criada pela execução daquele ato de voto de abstenção
deste dito grupo, no dia 23 de Dezembro de 2015 deve passar por uma resolução
focalizando-se nos problemas colocados evidentemente nestes três níveis
(ético-moral; jurídico; político).
As soluções em relação aos
aspetos JURÍDICOS e POLÍTICOS do assunto, devem ser procuradas e criadas no
sentido ditado pela resposta (ou respostas) encontrada a esta interrogação
precedente, centrada no aspeto ético-moral da situação.
Em outras palavras, trata-se de
criar uma solução ou soluções de orientação tripla: ético-moral, jurídica e
política; distintas ou integradas. Em todo o caso, integralmente cabidas e
cabíveis sem “ginásticas alheias”, no ordenamento legal bissau-guineense e,
subordinadas irrestritamente aos interesses do nosso país, de toda a nossa
nação e do nosso povo.
Decisões de soluções devendo ser
tomadas e a tomar em última instância (quando esgotadas portanto aquelas
possibilidades todas), neste quadro e neste caso
concreto, no sentido ditado só e
só, pelas exigências da consciência pública bissau-guineenses; diante daquele
ato político concreto de voto do dia 23 de Dezembro de 2015, e diante da responsabilidade
pessoal de cada um dos integrantes do “grupo dos 15 deputados” desviantes do
PAIGC.
Pois, assim se faz em todos os
regimes de democracia pluralista, multipartidária e parlamentar, do Estado de
Direito bem-sucedidos do mundo, com Repúblicas (misto ou não) como formas do
Governo. Nas Monarquias a história é outra.
V – Observações finais em guisa
de conclusão
(1) Tudo o que acabamos de
descrever e explicar; (2) visto na fase atual, na qual se encontra o estado da
evolução deste mais um caso, de mais uma situação de crise de instabilidade
político-civil de governação na Guiné-Bissau (até à data, sem mistura ao
político-militar; esperemos e rezemos que tudo continue assim); (3) tendo em
conta todo o visto e tido nesta senda da vida ético-moral, jurídica e
sociopolítica bissau-guineense desde já há 21 anos até aqui (a contar do Julho
de 1994, a data da conclusão das primeiras eleições gerais realizadas no país
no quadro e para a instalação do presente regime de governação) e; (4) pensando
neste nosso país submetido mais uma vez neste momento, já há 6 meses a um tal ambiente
podre e de tensão política aguda pela presente situação da crise; (5) situação
agudizada e complicada ainda mais, por sua vez, pela situação suplementar de
conflito suscitada, instalada e sustentada na ANP desde o dia 23 de Dezembro de
2015, apreciada neste texto, e; (6) considerando a natureza de fundo, desta
situação suplementar particular do aspeto do conflito suscitada, instalada e
sustentada na ANP; (7) tendo em conta todos estes elementos, pode-se concluir:
a JUSTIÇA, na qualidade do
terceiro pilar do nosso sistema de poder, deve ocupar a posição proeminente do
primeiro plano, na resolução da situação deste aspeto do conflito instalado na
ANP; pela natureza mesma deste aspeto do problema; para agir, enfim, como o
ELEMENTO MORALIZADOR da nossa sociedade.
É isto! E, repito, tem de ser
claro e assim, pela natureza mesma do problema colocado. Senão, será é mais uma
vez, uma oportunidade desperdiçada e perdida. Sem proveito nenhum, agora com
tudo em vista, servida no prato branco; aos nossos juízes.
Bom! Com tudo aqui descrito e
explicado até a este ponto, embora todo o problema colocado podia ter sido já
ultrapassado, já há muito tempo, como não tivemos e não temos ainda a melhor
saída, infelizmente, acho que está-se no caminho certo, do ponto de vista jurídico.
Não obstante as duas decisões adversas tomadas pelo Tribunal Regional de Bissau
neste assunto: mesma instância jurídica, mesma matéria, dois juízes diferentes,
dois processos diferentes, duas sentenças dando razão cada uma a outra parte
contrária. Em todo o caso, não obstante tudo isto, acho que está-se no caminho
certo, do ponto de vista jurídico. Pois existe ainda possibilidade (ou
possibilidades) de recurso que pode e deve ser precisamente e por fim seguida.
É o mais importante neste momento.
Em outras palavras, dar
proeminência do primeiro plano a uma outra via de solução neste momento, por
exemplo, a via política (negocial de grande escala), seguindo assim um outro
caminho, neste momento, é ou será um simples ato de trampolineirismo (grande trapaça)
político de fingimento; de “se agitar em fingir estar a tentar resolver tudo,
de vento em popa e tambores, numa tal situação grave de crise, para não estar a
resolver nada”! Portanto, estar a tentar enganar o povo ou a si mesmo. Grave!
Não a este cominho. É falso!
Eis pois é, finalmente. Para
terminar, devo exprimir este sentimento quase abafante em mim. Estou muito
curioso em três sentidos neste momento, em relação ao desfecho que será
procurado ao caso (ou aspeto) dos problemas suscitados pelo ato aqui debatido,
da autoria deste “grupo dos 15 deputados” desviantes do PAIGC: (1) se este
assunto será dado o seguimento na justiça para a instância superior (Supremo
Tribunal de Justiça - STJ); (2) se os nossos juízes daquela instância irão
interrogar-se no género do sentido referido neste trabalho, e; (3) se se
interrogarem assim, quais vão ser as suas respostas.
Mas para mim a “coisa” (o
princípio-mãe de todos os princípios neste assunto) é assim, seja qual forem as
respostas logo vindas do STJ (e só desta instituição em como a instância
superior última de recurso na Guiné-Bissau), elas deverão ser acatadas por
todos os atores. Eu incluído, na qualidade de simples cidadão co-votante, como
tantos outros meus conterrâneos cidadãos (Mulheres e Homens), cocriador dos
Eleitos representadores dos interesses de todos nós no espaço público comum,
nacional bissau-guineense. Porque assim deve ser na DEMOCRACIA, assim deve
funcionar cada cidadão tendo aceitado, assimilado, interiorizado e participante
nos exercícios de GOVERNAÇÃO NA DEMOCRACIA mesmo se só com o seu simples voto
ou de outras maneiras.
Obrigado e que reine o bom senso
no nosso país, a Guiné-Bissau.
Amizade.
A. Keita.
*Pesquisador Independente e
Sociólogo (DEA/ED) | E-mail: abikeita@yahoo.fr