quinta-feira, 23 de junho de 2016

O PETRO-TERRORISMO NIGERIANO



 Rui Peralta, Luanda 

O delta do Níger está novamente em chamas. Sete anos após o fim de actividades terroristas – que incluíram raptos de trabalhadores das petrolíferas e obrigaram á redução da produção até 1/3 da capacidade – estas foram reiniciadas através de um novo grupo denominado Vingadores do Delta do Níger (NDA), que iniciou uma série de ataques na região. O NDA anunciou a sua formação em Fevereiro com uma declaração de guerra á infra-estrutura petrolífera nigeriana. O seu primeiro ataque foi a um pipeline da Chevron, no sul do país, seguido por um outro ataque que inutilizou um pipeline da estatal Companhia de Petróleos da Nigéria (NPC), perto de uma refinaria em Warri, a sudeste do Estado do Delta.

A Nigéria atravessa por uma dramática queda na produção petrolífera, o maior produtor africano. O ministro nigeriano do petróleo, Emmanuel Ibe Kachikwu afirmou, no passado mês de Maio que a produção de petróleo decaiu 800 mil barris / dia (bpd), situando-se nos 1,4 milhões de bpd, o valor mais baixo na última década. Temporariamente Angola ocupa agora a posição de maior produtor africano, pelo menos até á Nigéria normalizar os seus níveis de produção.

O NDA segue o padrão de outros grupos, como o Movimento para a Emancipação do Delta do Níger (MEND), que atingiu grande actividade no período 2000-2005 (um dos seus lideres, conhecido por Tompolo, é acusado do crime de lavagem de dinheiro, no montante de 46 mil milhões de nairas o equivalente a 231 milhões de USD, aplicando os valores cambiais de 2014), embora o MEND, num recente comunicado, se tenha dissociado do NDA. E existe uma boa razão para isso. Em 2009 um programa de amnistia presidencial, que incluía contractos de trabalho no sector de segurança das instalações petrolíferas, subsídios e pensões de reforma, abrangeu grande parte dos militantes do MEND (incluindo Tompolo, hoje um dos maiores empresários no sector da segurança petrolífera). Os ex-militantes do MEND que não foram beneficiados por essa amnistia incorporam, hoje, o NDA.

O ataque efectuado pelo NDA ao pipeline submarino da Shell, em finais de Fevereiro, forçou esta companhia a suspender, temporariamente, a produção do terminal de Forcados, 250 mil bpd e chamou a atenção dos especialistas em segurança de instalações petrolíferas para o elevado grau de sofisticação aplicado pelo NDA. Um dos problemas causados por este grupo é o facto de alguns dos seus militantes estarem a trabalhar nas companhias, em diversos níveis profissionais. Isto permite ao NDA elaborar e executar operações sofisticadas, por debaixo das barbas das companhias petrolíferas.

O NDA tem, também, ligações ao movimento pró-Biafra, no Sul da Nigéria (o Biafra declarou a sua independência em 1967, mas foi reintegrado na Nigéria em 1970, após uma sangrenta guerra de secessão). O grupo solidarizou-se com Nmandi Kanu - dirigente dos Povos Indígenas do Biafra (IPOB) uma organização separatista – detido em Outubro de 2015 e acusado de traição, ainda a aguardar julgamento. Por outro lado sabe-se que existem outros níveis de ligação entre ambas as organizações. Uma aliança entre o movimento pró-Biafra e os grupos que actuam no Delta seria politicamente problemático para o governo central.

Muhammadu Buhari, o presidente nigeriano e líder do APC (All Progressive Congress, o partido maioritário), prometeu tomar duras acções contra o NDA, num discurso efectuado em Abril. Ao mesmo tempo o presidente nigeriano cancelava os subsídios e terminou com os contractos de trabalho concedidos pela amnistia, mantendo apenas os postos de emprego anteriormente cedidos e as pensões de reforma. Mas isso não augura nada de positivo para a situação do país, a braços com uma grave crise económica, queda da moeda, inflação e aumento do desemprego, adicionado ao terrorismo fascistóide do Boko Haram no Norte, com os protestos pró-Biafra, e, agora, com a reactivação do petro-terrorismo no Delta do Níger, no Sul, tudo isto num país que depende em 90% das exportações do petróleo.

E como a Nigéria voou alto em 2014, apregoando a sua intenção de ser o próximo BRIC…Afinal são coisas que acontecem às economias com pés de barro que confundem euforia com desenvolvimento.

Síria. UM DISCURSO IMPRESSIONANTE



O silenciamento quase total dos media portugueses acerca das eleições sírias só foi rompido por calúnias bolsadas pela RTP2 (programa "Olhar o mundo"). Igualmente silenciado foi o discurso do Presidente Assad perante o Parlamento sírio , hoje reproduzido por resistir.info. Trata-se de uma peça impressionante e mesmo comovente. 

Este discurso reflecte a tragédia de todo um povo sacrificado barbaramente pelo imperialismo, com a vergonhosa colaboração de uma União Europeia em total degradação moral e política. Mas mesmo neste transe terrível o povo sírio e as suas heróicas forças armadas resistem e lutam. Eles não querem ter o mesmo destino de povos trucidados pelos imperialismo, como os da Líbia, Iraque, Afeganistão, Iémen e tantos outros. Apesar das tragédias humanas provocadas pelo terrorismo patrocinado pelos países da NATO, longe vão os tempos em que os governantes dos EUA e os seus serviçais da UE diziam que o Presidente sírio não duravava mais de seis meses!

Resistir.info

GRÃ-BRETANHA: SINDICALISTAS CONTRA UE



Trade Unionists Against EU - em Resistir.info

Eleições em Espanha. “VAI HAVER UMA TERCEIRA VOLTA”



Em Espanha os líderes políticos falam em diálogo mas nenhum abre mão de exigências. No País Basco, uma jovem que ambiciona ser profissional de golfe antecipa novas eleições.

Ainda não são 08:00 e já Patrícia Márquez faz exercícios físicos no parque central de Vitória. É golfista. "Sim, sou golfista e esta é uma maneira de treinar antes de ir jogar. Aqui não temos ginásio e por isso vim treinar para a rua", conta.

Patrícia tem 25 anos. É natural de Málaga. Começou a jogar golfe com onze anos. Está na cidade basca com uma amiga, para competir. Ainda é semiprofissional mas quer seguir o sonho de infância. "O meu sonho é conseguir ser profissional de golfe e competir no circuito europeu. Sei que é sonhar muito porque é preciso patrocinadores e, principalmente no golfe, é difícil e ainda mais no golfe feminino porque o desporto feminino, no geral, não é valorizado. É ainda mais difícil mas é o meu sonho e pronto. Vou lutar por ele", afiança.

Uma luta que já deu frutos. Há cerca de 30 dias foi recompensada. "Ganhei um torneio em Sevilha, como amadora. Era um torneio profissional e eu fui a primeira classificada, o que é muito bom".

E o que pensa, esta quase profissional do golfe, da campanha para as eleições espanholas?  "Estão a bombardear-nos todos os dias pela televisão e, por acaso, ontem fui passear por Vitória e logo encontrei um comício, ou seja, estão por todo o lado".

Patrícia acredita que o resultado vai ser muito semelhante ao do dia 20 de dezembro. "Acho que os resultados vão ser aproximadamente os mesmos mas sem maioria absoluta e vão ter que voltar a falar e tentar chegar a um acordo, mas não vão conseguir", prevê a jovem.

E assim sendo, a promissora golfista acrescenta que é muito provável que venha aí uma terceira volta. "Eu acho que sim. Da maneira como estamos, e vendo o diálogo que têm, acho que sim que vai haver outras eleições", conclui.

Afonso de Sousa - TSF

Eleições Espanholas. A TSF na estrada com o apoio da SEAT

França. MANIFESTAÇÃO COM SEGURANÇA REFORÇADA



Para um percurso com menos de dois quilómetros, estão mobilizados mais de dois mil polícias. As autoridades avisam que qualquer problema, resultará em "detenção imediata".

O objetivo é evitar a repetição dos incidentes da última manifestação contra a nova lei laboral, no dia 14 de junho.

De acordo com o chefe da polícia de Paris, entre os 2.100 agentes mobilizados para garantir a segurança do protesto, estão elementos da polícia especial e outros serviços, como a brigada fluvial.

Michel Cadot explicou, em conferência de imprensa, que haverá um mecanismo de "filtragem" por forma a garantir que não entra, na Praça da Bastilha, qualquer tipo de objeto que possa ser arremessado e não será permitido o uso de máscaras.

Por isso, os manifestantes não poderão levar mochilas ou qualquer outro tipo de saco às costas.

Há também várias medidas de prevenção relacionadas com os transportes públicos e a circulação automóvel.

Todos os veículos estacionados nas imediações da zona onde vai decorrer a manifestação, terão de ser retirados. Não haverá barcos a navegar no Sena, naquela área. E a estação de metro da Bastilha vai estar encerrada.

A polícia promete informação contínua, através do Twitter, sobre o estado o impacto da manifestação no trânsito e nos transportes da cidade.

A manifestação contra a reforma das leis do trabalho vai mesmo realizar-se, num percurso inferior a dois quilómetros, em redor da Praça da Bastilha.

O protesto chegou a estar proibido, mas o governo e os sindicatos acabaram por entender-se, levando à autorização do ministro do Interior, Bernard Cazeneuve.

Espera-se que o número de participantes na manifestação desta quinta-feira supere os 75 a 80 mil que estiveram na do dia 14 de junho. Nessa altura, a polícia considerou que "o nível de violência atingiu patamares que, há anos, não se viam".

Entre os vários feridos, estavam 28 polícias.

TSF com agências

O CORAÇÃO DA EUROPA EM TEMPO DE CRISE – GREVE GERAL




28 de Abril é dia de greve. Greve é uma palavra de origem francesa, como outras, com grande significado político. Esta greve tem uma causa laboral e política forte: opõe-se ao projeto de lei do trabalho. 

Liberato Fernandes

28 de Abril é dia de greve1. A casa de jovens que nos acolhe ressente-se desse facto. Parte dos seus habitantes saíram de madrugada, respondendo à convocatória da “Noites de Pé”; da Coordenadora Sindical e da Coordenação de Estudantes. O objetivo é desconhecido dos participantes. Sabemos depois que, numeroso grupo de Saint Dénis interrompeu o trânsito que liga o porto do Havre a Paris. Durante a manhã, soubemos depois, que os portos principais situados a norte e, a sul (Havre e Marselha), estavam completamente paralisados e ocupados. Este movimento tem-se repetido nas principais empresas e serviços da França. Durante o pequeno almoço a jovem presente na residência fala-nos da surpresa que tem sido para ela (estudante portuguesa em processo de doutoramento), relativamente à radicalidade e maturidade revelada por jovens liceais, adolescentes, durante as assembleias gerais de alunos que se realizam na Universidade de Saint Denis desde março. Diz-nos: “eles debatem a situação política francesa com finalistas dos cursos, e doutorados, dez anos mais velhos!”.

Greve, é uma palavra de origem francesa, como outras, com grande significado político. Esta greve tem uma causa laboral e política forte: opõe-se ao projeto de lei do trabalho conhecida pelo nome da ministra que o apresentou: “Lei Khomri”. Contém, numa única proposta legislativa, o conjunto da regulamentação laboral aplicada em Portugal pelo governo PSD/CDS, e imposta pela Troika. Das medidas propostas constam: a alteração do horário laboral, por simples acordo (poderá ir até às 46 horas semanais e, às 12 diárias. São facilitados os despedimentos, desde que as empresas aleguem necessidade de reestruturação. Está prevista a diminuição dos subsídios por doença, e por acidente de trabalho.

O sistema de flexibilização e precarização do trabalho, ligado à destruição do Estado Social, está a ser imposto, pelo capital financeiro, em todas as latitudes. Os assalariados franceses, com longa tradição de luta, unem-se, independentemente do grau de especialização e da função que ocupam. As greves estão a mobilizar desde o auxiliar até ao técnico altamente qualificado e remunerado.

Almoçamos mais cedo, para poder integrar a manifestação que saía da Denfert-Rochereau pelas 15horas. Contrariamente ao conjunto dos sectores, os transportes públicos de Paris estão a funcionar. Verificamos que, parte significativa do movimento, tem como destino a manifestação. Surpreendentemente, apesar da situação de emergência e das ações bombistas, as pessoas vão em família: vêem-se famílias com crianças às cavalitas, acompanhadas por pessoas aparentando ter 70 anos.

Chegamos com a manifestação em marcha. É uma festa: um grupo de jovens num grande camião atua... estilo rap: as letras são palavras de ordem. Sucedem-se as entregas de propaganda, apelando ao apoio às greves e às lutas sectoriais, outros, convocando para a participação no 1º de Maio e, até um que apela para o desfile “La France insoumise”, com a presença de Mélenchon, dissidente socialista (na presente data já se realizou, em 6 de junho, na Praça de Stanlingrad2).

Nota-se na manifestação que os grupos integrantes, estão à vontade para expressar o seu ponto de vista, sem qualquer hostilidade da segurança da organização: tanto se podem ver comunicados de uniões sindicais, como de coletivos de defesa da igualdade de género, de socialistas, de grupos anarquistas. Um folheto, imitando notas de 60 milhões de euros, chama-nos a atenção. Editado pela ATTAC, o folheto contem no verso a descrição das fraudes: do Banco Paribas, que possui duas centenas de filiais em paraísos fiscais, o do Crédit Agricole, com as suas 159 filiais e, a Societé Générale, com 136 filiais, situações detetadas no Panamá Papers. O sistema está completamente corrompido e, a doença, é geral... não está confinada a Portugal, nem à França, nem à Europa, embora cada uma das elites nacionais (políticas e de negócios), tenha contas a prestar perante os seus próprios povos.

Aproximamo-nos do Sena. Ouvem-se rebentamentos. Com inquietação, avistamos fumo à distância, saindo da manifestação. Interrogamo-nos?! Tratar-se-á de um ato terrorista... Informam-nos, que não... trata-se, do lançamento de gás lacrimogéneo por parte da polícia. A manifestação parou. Algumas das pessoas mais idosas retiram-se. Na dúvida, também resguardamo-nos, numa das ruas paralelas à avenida. Passado algum tempo vimos que a manifestação retoma o movimento.

Imediatamente antes da entrada, e depois da saída da ponte Austerlitz, são abundantes os sinais de confronto: cartuchos no chão, viaturas e montras partidas... a polícia conseguiu o seu objetivo: separar a cabeça, liderada pela coordenadora sindical (CGT, FO e, coordenadora estudantil), do corpo dos manifestantes. O gás lacrimogéneo permanece e, não estamos preparados para os suportar. Apenas resistem os grupos de manifestantes que se prepararam com soro fisiológico, com máscaras, com calçado e roupa adequada. Informam-nos que, no destino final, La Nation, a polícia de choque prossegue nas cargas. O objetivo é reduzir a manifestação ao seu núcleo mais jovem e radical: a manifestação iniciara-se com dezenas de milhares de pessoas, em ambiente familiar e, a imagem a transmitir por quem detém o poder do estado em França, é a dum confronto violento entre um reduzido grupo e a polícia. O poder teme a multidão.

Quem está a ganhar eleitoralmente, com a ação do governo através da violência policial, e pelo efeito combinado com o terrorismo, é o nacionalismo da Frente Nacional. Acontece que, o capital que hoje domina a França, tem participações cruzadas com árabes, russos, americanos, ingleses, e alemães... tem domicílio fiscal no Luxemburgo, na Suíça e nas Ilhas Virgens. Este capital alimenta o discurso nacionalista de Marie Le Pen, financia e lucra, com as guerras que cercam a Europa.

Este capital sem rosto e sem pátria, convive mal com os trabalhadores, homens e mulheres da França, naturais ou emigrantes. Este capital diverte-se com os magnatas de todas as origens e cores, em iates registados no Mónaco, passeando-se nos paraísos de ambiente preservado, das Antilhas, no Índico ou no Pacífico.

Artigo de Liberato Fernandes, publicado no “Diário dos Açores” a 22 de junho de 2016

1 As greves gerais em França sucedem-se desde março. Têm-se ampliado e radicalizado. A última, realizada a 14 de julho, culminou com uma Mega Manifestação com uma participação de mais de 1 milhão de manifestantes, apesar do campeonato Europeu de Futebol.
2 Sublinhe-se que as mudanças políticas ocorridas nos países de leste não determinaram, em França, a eliminação de nomes - referência da resistência ao nazi-fascismo, durante a 2ª guerra.

Artigos relacionados: 

Esquerda.net

DEPOIS DO “BREXIT”, O SWEXIT”



O líder dos Democratas Suecos defende, num artigo de opinião, que, depois do Reino Unido, também a Suécia deve dizer se quer, ou não, continuar na União Europeia.

No texto, publicado no jornal Metro, Jimmie Akesson defende que "os burocratas de Bruxelas já influenciaram demasiado os políticos suecos". Por isso, defende que a Suécia deve seguir o exemplo britânico e organizar um referendo sobre uma eventual saída.

Akesson escreve que "hoje, 23 de junho, é, talvez, o mais importante dia em muito tempo". A escolha dos britânicos "não pode ser vista como um acontecimento isolado", já que, em toda a Europa, há um crescente descontentamento perante um projeto que evoluiu para uma união política e supranacional".

O líder dos Democratas Suecos acredita que a maioria dos seus conterrâneos defende a livre circulação de pessoas e bens, mas está contra o "monstro" em que o espaço europeu se transformou.

Um "caminho errado" que deveria fazer do referendo no Reino Unido "o ponto de partida para um debate alargado de todas as nações sobre a sua própria autodeterminação".

TSF com agências – Foto: Yves Herman / Reuters

A EUROPA JÁ PERDEU



Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião (ontem)

Hoje poderemos estar a viver politicamente o último dia do Reino Unido na União Europeia (EU). O referendo de amanhã à permanência do Reino Unido na UE pode mesmo apontar o caminho da rua pelas mãos de Cameron, o exterminador implacável. A longa-metragem do "Brexit" escreve-se pelas mãos de um David e não de um James. David Cameron, primeiro-ministro, pode passar à história por ter sido o homem capaz de contribuir decisivamente para a desintegração da EU e, em simultâneo, para a desagregação do Reino Unido onde a Escócia nem parece passar pelas medidas dos ajustes da porta de saída.

Na realidade, este foi sempre um fato feito à medida de um estado que nunca abraçou o projecto europeu e que dele nunca foi crítico senão em proveito próprio. O cínico Reino Unido pode deixar a UE pela mão de um David sem virtudes, armado em Golias do neoliberalismo. Mais do mesmo, depois de ficar de fora da moeda única ou da Carta dos Direitos Fundamentais, de Schengen ou do que quer que seja que implicasse acerto e resolução comum. Sem nunca influenciar a política europeia e sem nunca exercer juízo crítico pelo facto de estar pé-meio-fora-meio-dentro, o Reino Unido sempre foi uma espécie de empecilho que dava jeito às contas. Um espantalho na terra por lavrar.

Tony Blair também resolveu brincar com o fogo há cerca de uma década: "Let the issue be put. Let the battle be joined", disse. Mas quando lançou o debate para um referendo à Constituição europeia em 2004, ainda foi a tempo de recuar após a experiência da França e Holanda. Hoje a realidade mudou. E Cameron só tarde terá percebido o beco sem luz em que se enfiou quando, em nome da sua sobrevivência política e do populismo, anunciou o referendo em Janeiro de 2013. A extrema-direita europeia mudou, cresceu, fortaleceu-se. O neoliberalismo afundou a Europa na eurocracia do défice e do empobrecimento. A democracia e o poder de decisão equitativo na UE tem sido sempre o parente pobre de um projecto de construção ao contrário. As pessoas deixaram de acreditar que a moeda revelasse um rosto na outra face. Será triste mas revelador que a hipotética saída do Reino Unido da União Europeia seja uma vitória da Direita mais conservadora mas, pelo contrário, a hipotética permanência não seja uma vitória da Esquerda mais progressista. A Europa já perdeu.

A história conta que Portugal e Reino Unido mantêm a mais antiga aliança do Mundo, firmada em 1386. Mas este é já um assunto particular, revestido pelo pó da prateleira dos protocolos. O Reino Unido, após as cedência que conseguiu da UE e mesmo que permaneça, é só uma presunção de conforto. A aliança já não cabe no dedo.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e advogado

BREXIT. O MUNDO PULA E AVANÇA



Artigo publicado na edição do Expresso do passado dia 18 de Junho de 2016, que consideramos de interesse para o conhecimento das várias vertentes que anunciam o desmoronar da chamada União Europeia.

Leia com olhos de gente o texto… e use a sua cabeça na abordagem que pomos aqui à sua disposição. Lembre-se que apesar de tudo foi-se um sonho mas “o mundo pula e avança” – como diz o poeta. 

Mesmo que na atualidade avancemos para o caos tempos virão em que quase tudo florescerá desse caos, com um homem novo num mundo novo. Uma nova e mais saudável humanidade. A esperança é a última a morrer. Sabemos que após uma purga tudo melhora. Essa hora aproxima-se. (PG)

BREXIT: QUE EUROPA É ESTA?

O Reino Unido vai a votos esta quinta-feira para decidir se fica, ou não, na União Europeia. Aconteça o que acontecer, a Europa nunca mais será a mesma

Filipe Ribeiro de Menezes - Expresso

Já só faltam cinco dias para a União Europeia sofrer — talvez — a maior crise da sua já longa existência, uma crise cujas proporções e consequências ninguém ainda quis, ou soube, avaliar: a saída do Reino Unido da UE por via de um referendo. Estamos habituados há muito à expansão territorial da União. Custa-nos por isso, apesar dos desencantos dos últimos cinco anos, entender o como e o porquê da saída de um dos seus membros mais poderosos, um daqueles que não correm o risco de sanções, cujas contas estão em ordem e cuja economia cresce. Soube o Reino Unido aproveitar as oportunidades abertas pela União Europeia e soube também quando dizer ‘não’ a políticas que lhe não interessavam, como Schengen e o euro. A que se deve por isso o desejo de sair da União, de ‘Brexit’? E o que poderá dele resultar?

O Reino Unido não fez parte do lote inicial de países fundadores da antiga Comunidade Económica Europeia, mas não tardou a entender a necessidade de aderir a um bloco económico a que pertenciam os seus principais parceiros comerciais, sobretudo a França e a República Federal Alemã. O fim do ciclo imperial assim impunha. Mas Londres teve de sofrer para atingir o seu fim, graças à oposição tenaz de Charles de Gaulle, que vetou a adesão britânica: era a Grã-Bretanha, explicava De Gaulle, um porta-aviões americano ancorado ao largo da Europa. Georges Pompidou não seguiu as pisadas do velho general, e em 1973 o Reino Unido aderiu finalmente à CEE. No entanto, já nesta altura se notava no discurso britânico sobre o “mercado comum” uma forte relutância em abordar a dimensão supranacional da CEE, fixando-se o debate em torno das consequências económicas da adesão. Seria assim a CEE unicamente uma versão superior da EFTA (à qual o Reino Unido já pertencia), em função da importância das economias envolvidas. Deste engano adviriam graves consequências no futuro.

Foi a questão económica que dominou o debate em junho de 1975, quando o Governo Trabalhista de Harold Wilson, tendo renegociado os termos da adesão britânica, e de acordo com uma promessa eleitoral, realizou um referendo sobre a presença britânica na CEE. Dois terços do eleitorado participaram no escrutínio; desses, outros dois terços votaram a favor da permanência. O grosso da oposição encontrava-se no partido no poder, estando o próprio Governo dividido, um pouco como hoje: a ala esquerda do partido, onde figuravam Tony Benn e Michael Foot, receava uma perda de soberania económica que impedisse o partido de defender uma linha socialista no presente e no futuro. A recém-eleita líder conservadora, Margaret Thatcher, era a favor da CEE; o seu partido, embora não de forma unânime, estava com ela; militantes e eleitores receavam os sindicatos muito mais do que uma “Europa” ainda distante. A vitória foi expressiva, sobretudo na Inglaterra. Na Escócia e no País de Gales, bastiões trabalhistas, o resultado foi mais equilibrado.

Quarenta e um anos depois, é a Inglaterra que se mostra mais eurocética e um Governo conservador que se apresenta dividido. O que aconteceu entretanto? Muito. Em 1975 a CEE tinha nove Estados-membros; hoje, após expansões a norte, a sul e, sobretudo, a leste, a União Europeia conta 28, muitos dos quais não existiam enquanto países independentes aquando do primeiro referendo britânico. Finda a Guerra Fria, desapareceram a União Soviética e a Jugoslávia e deu-se a reunificação alemã, ressurgindo com ela a “questão alemã”, isto é, como evitar o domínio alemão do continente europeu. A resposta encontrada foi simultaneamente acelerar e tornar mais abrangente a integração europeia, criando-se o mercado único, a União Europeia e o euro. Porém, a necessidade de preparar, regular e proteger o mercado único levou a Comissão Europeia a intervir em campos cada vez mais diversos. Num país como o Reino Unido, que insistia em guiar à esquerda e que, por teimosia, resistia à simplicidade do sistema métrico (como outrora resistira às bombas da Luftwaffe), estas alterações eram malvistas, porque entendidas — e, sobretudo, explicadas — como impostas por estrangeiros não-eleitos. A série satírica “Yes, Minister” explorou tanto este sentimento quanto a forma como, já nos anos 80, ele era manipulado pela classe política. Foi a defesa da salsicha britânica, pretensamente em risco devido à fúria regulatória europeia, que facilitou a ascensão de Jim Hacker, o protagonista da série, à chefia do Governo — mas quando Hacker pronunciou o discurso churchilliano que lhe angariou a popularidade necessária para dar esse passo (“Trocaram-nos os quartilhos por litros e as jardas por metros, mas não podem e não irão destruir a salsicha britânica”) já sabia que a questão tinha sido resolvida de forma a satisfazer as reclamações de Londres. Tudo não passara de um enorme embuste.

Nesses mesmos anos 80, o Reino Unido experimentou as enormes transformações ditadas por Margaret Thatcher. Indústrias inteiras desapareceram, deixando os outrora poderosos sindicatos de rastos; uma onda de privatizações reduziu o papel económico do Estado, tornando precárias muitas ocupações outrora tidas como seguras; e os serviços financeiros — concentrados na City de Londres — tornaram-se o centro indiscutível da economia britânica, agora na crista da onda da globalização. Regiões inteiras empobreceram e uma fortíssima cultura proletária — um misto de protestantismo, socialismo reformista e patriotismo forjado nas duas guerras mundiais, a que o Estado-providência juntara a possibilidade de uma vida melhor, graças ao Serviço Nacional de Saúde, e de elevação social à geração seguinte, graças à educação pública — viu-se subitamente ultrapassada e mesmo em vias de extinção. O desejo de enriquecer a qualquer custo foi elevado a virtude por Thatcher, sendo a principal função do Governo permitir que tal acontecesse e não velar pelos desprotegidos. A sociedade, explicou a “Dama de Ferro”, não existia.

As tensões sociais visíveis durante este período nada tinham que ver com a Europa; eram o produto da feroz batalha entre duas conceções do Reino Unido radicalmente opostas. Mas graças à vitória militar sobre a Argentina, em 1982, que lhe salvou a carreira política, Thatcher compreendeu a utilidade de um inimigo estrangeiro — e tinha agora um feito à medida. Os anos de Thatcher no Governo coincidiram com a passagem pela presidência da Comissão Europeia do socialista francês Jacques Delors. Foi este provavelmente o período mais importante na história da (futura) União Europeia e de maior confiança no seu sucesso. Havia pouca margem para compromisso entre Thatcher e Delors. O projeto europeu, outrora visto como uma arma preciosa contra a ala esquerda dos trabalhistas, era agora entendido como um entrave à revolução liberal de Thatcher. À hostilidade teórica de alguns conservadores à perda de soberania sofrida desde 1973 vinha agora juntar-se a ideia de que esta organização estaria a prejudicar os interesses económicos de Londres, que se devia libertar do “continente”, retrógrada, cujo ponto de vista já não partilhava. Thatcher deu o mote através da campanha pela devolução de fundos — o famoso “rebate”, que limitava as transferências reais do Reino Unido para os seus parceiros (compreensível em parte porque o Reino Unido beneficiava menos da Política Agrícola Comum do que, por exemplo, a França). Foi um primeiro golpe na noção de solidariedade entre Estados-membros.

Tendo assim minimizado o impacto financeiro do alargamento a Sul (Espanha e Portugal), que iria necessariamente requerer um investimento inicial por parte da Comunidade Europeia (através, por exemplo, dos fundos estruturais contidos no “Pacote Delors”), Thatcher deu-lhe luz verde. Aprovou também o Ato Europeu Único, cujo fim era a criação do mercado único europeu até 1992, facilitado pela introdução do voto por maioria qualificada (e não por unanimidade, como até então), nas questões que lhe diziam respeito. Mas a hostilidade de Thatcher a Bruxelas foi sempre crescendo, e ficou como parte do seu legado ao Partido Conservador e ao país. O seu herdeiro, John Major, reeleito em 1992 com uma maioria exígua, sofreu às mãos dos eurocéticos dentro do partido, que lhe conseguiram impor uma derrota, de mãos dadas com a oposição, aquando da votação do Tratado de Maastricht, em julho do ano seguinte. Ficou famosa a descrição de Major dos inimigos que, dentro do próprio Governo, lhe obstruíam a ação — “the bastards”. Por esta altura já tinha ocorrido a “quarta-feira negra”, quando os mercados internacionais, liderados por George Soros, julgando a libra esterlina sobrevalorizada dentro do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio, forçaram a sua saída, apesar dos esforços do Banco de Inglaterra. Esse dia de pânico financeiro, em que foram gastos milhares de milhões de libras numa tentativa vã de sustentar o valor da moeda, deixou marcas profundas na Grã-Bretanha, sendo interpretado como uma humilhação dispensável, provocada apenas pelo desejo de pertencer ao futuro euro.

A Major seguiram-se, em 1997, Tony Blair, decidido a reparar as relações entre o Reino Unido e a União Europeia, e, em 2007, Gordon Brown. O regresso dos trabalhistas ao poder foi marcado pela introdução dos “cinco critérios” para a adoção do euro e, mais tarde, pela recusa de Brown, já como primeiro-ministro, em aderir à moeda única. Ressentiam-se as instituições europeias, por esta altura, do enorme esforço empreendido para alargar e aprofundar a União. Foram aprovados os Tratados de Amesterdão (1997) e de Nice (2001), mas derrotada, pelo eleitorado francês e holandês, a Constituição da União, parte importante da qual foi, mesmo assim, reciclada no Tratado de Lisboa (2007). A Irlanda, entretanto, foi forçada a repetir os referendos sobre Nice e Lisboa, como a Dinamarca repetira já um referendo sobre Maastricht. A sucessão de tratados descritos como essenciais e as manobras para os impor prejudicaram, como seria de esperar, a reputação democrática da União Europeia, tornando-a um alvo fácil para os seus inimigos. Entretanto, dentro do Partido Conservador, forçado a uma travessia do deserto de treze anos, a guerra civil continuou, intensificando-se até com o passar dos anos. Eurocéticos assumidos como Michael Howard e Iain Duncan-Smith passaram pela liderança partidária e cresceu a corrente que defendia a realização de um segundo referendo, para decidir de uma vez por todas o futuro do Reino Unido dentro da União. David Cameron, líder desde 2005, não pertencia a este grupo, mas mostrou-se incapaz de pôr cobro às dissensões em torno da questão europeia. Nunca escondeu, porém, a sua frustração com Bruxelas, e raramente se lhe ouviu uma palavra de apreço sobre todo o projeto, tido essencialmente como um mal necessário (uma atitude que se reflete na campanha eleitoral em curso). Durante os Governos de Blair e Brown cresceu — e muito — a fação do Partido Conservador que interpreta o projeto transnacional da União Europeia como um atentado aos pilares da política doméstica e internacional do Reino Unido: as tradições de soberania parlamentar e de evolução gradual e cautelosa, fundamentada por observações empíricas e não preceitos ideológicos; o receio de se ver envolvido em questões continentais, em vez de permanecer “esplendidamente isolado”; a “relação especial” com os Estados Unidos, perseguida com afinco desde Winston Churchill, por vezes (como aquando da segunda guerra do Iraque) de forma embaraçosa; e o comércio livre (agora sob o rótulo de “globalização”). Para quem se guia por estes princípios — esquecendo-se necessariamente da importância do império para a grandeza do Reino Unido — a União Europeia surge como um pesadelo burocrático, em tudo contrário aos interesses seculares do país. Estes conservadores lembram que, quando em 1946, em Zurique, Churchill recomendou a criação dos Estados Unidos da Europa, incluiu a Grã-Bretanha (com a sua Commonwealth) no lote dos amigos e patrocinadores da empresa, lado a lado com os Estados Unidos e a União Soviética, e não entre os seus membros.

É já sob a liderança de Cameron que assistimos aos desenvolvimentos essenciais para entendermos o que se passa agora no Reino Unido. Depois de várias vagas de emigração chegadas do antigo império — da Irlanda (uma constante ao longo dos séculos XIX e XX), das Caraíbas, do subcontinente indiano e de África — chegou a vez, na última década, da imigração europeia, oriunda de toda a União: imigração essa que o Estado britânico, graças à liberdade de movimento inerente ao mercado único, não pode travar nem controlar (e que num primeiro momento, após o alargamento a Leste, quando ainda era possível fazê-lo, não quis retardar), apesar de promessas insensatas por parte de Cameron sobre a redução do número de estrangeiros a viver no Reino Unido. Esta imigração europeia é motivada quer pela boa prestação da economia britânica, a segunda da União, quer pela incapacidade de grande parte da população de beneficiar dessa boa prestação. Porquê? Porque não está qualificada para participar nos serviços financeiros da City, cujo alcance (e recrutamento) é hoje global, ou porque desdenha os empregos criados no sector de serviços — cuja precariedade é notória, em grande medida porque a legislação laboral do Reino Unido (por oposição à do resto da União Europeia) assim permite. O que alguns desprezam, a outros, vindos da Europa meridional ou de Leste, aparece como o ponto de partida para uma nova vida num país onde os salários são, por comparação aos praticados nos países de origem, altíssimos. Porém, foi enorme o mal-estar provocado por esta imigração entre a população local, que, mal guiada por uma imprensa eurocética e sensacionalista, e uma classe política habituada a usar Bruxelas como um bode expiatório, depressa começou a confundir causas e efeitos. Assim, os resultados práticos dos cortes impostos nos serviços sociais pela política de austeridade do chanceler George Osborne foram interpretados como consequência da necessidade de esticar aos limites o Estado-providência de forma a abranger os recém-chegados. Entretanto, os partidos políticos tradicionais viraram as costas ao público sobre a imigração, receando ser acusados de xenofobia. Na campanha de 2010, Gordon Brown foi inadvertidamente gravado a queixar-se de uma eleitora com quem conversara, a quem chamou “mulher preconceituosa”. Estava encontrado o tema capaz de tornar popular a causa eurocética, até então basicamente limitada a elementos do Partido Conservador.

Se ignorarmos a extrema-direita pura e dura (o British National Party), o primeiro partido a explorar e a beneficiar dos receios da população britânica quanto a uma imigração impossível de controlar — e gozando de importantes garantias legais quanto à sua entrada e permanência no Reino Unido — foi o United Kindgom Independence Party (UKIP), de Nigel Farage, criado originalmente para combater a adoção do euro e, se possível, retirar o Reino Unido da União. De 600 mil votos em 2005 passou a 3,8 milhões no ano passado — o mesmo que, por exemplo, a soma dos votos no Partido Nacionalista Escocês (que elegeu 56 deputados) e nos Liberais Democratas, de Nick Clegg (oito deputados). Apesar deste magnífico resultado, Nigel Farage ficou fora do Parlamento, elegendo o UKIP apenas um único deputado. Nas eleições para o Parlamento Europeu, porém, o potencial do UKIP ficara já demonstrado em 2004, quando os seus 2,6 milhões de eleitores representaram 16,1% dos votos. Em 2014 estes números aumentaram para 4,4 milhões e 27,5% (elegendo o UKIP 24 dos 73 eurodeputados britânicos) — uma vitória inequívoca para o partido de Farage.

A tendência para minimizar a importância de eleições para o Parlamento Europeu é comum a todos os Estados-membros; mas os resultados obtidos pelo UKIP a partir de 2005 mostravam que algo de importante se passava: o partido deixara de ser uma agremiação de ex-conservadores frustrados pela pusilanimidade de sucessivos governos perante as intromissões de Bruxelas, para ser o partido de ex-trabalhistas ingleses e galeses que desde Tony Blair haviam deixado de se rever num partido que já não os entendia e que muito menos lhes defendia os interesses — um partido que, nas mãos de Blair, Brown e Miliband, piscava o olho às classes médias e mostrava-se mais preocupado com o crescimento económico e liberdade de escolha do que com as necessidades dos seus apoiantes tradicionais. À frente das preocupações deste eleitorado estava agora a imigração, vista por uma crescente fatia da população como descontrolada e a causa de um declínio constante de salários e de condições de trabalho, mas sobre o qual o partido não dizia uma palavra. Simples xenofobia? Não necessariamente. Um dos fenómenos mais curiosos em torno desta nova imigração é a revolta das comunidades de imigrantes não-europeias, que se sentem ofendidas pela facilidade com que polacos, romenos, portugueses, italianos e franceses se apresentam no Reino Unido sem vistos, nem convites de emprego, nem, em muitos casos, mais do que algumas palavras de inglês. Segundo os dados do Migration Observatory, da Universidade de Oxford, em 2014 13,1% da população do Reino Unido nascera no estrangeiro e 8,5% era composta por estrangeiros (refletindo a diferença o número de imigrantes entretanto naturalizados). Entre os estrangeiros, a comunidade polaca, extremamente recente, representava já 15,1% do total (por comparação com a indiana, em segundo lugar, com 7,3%).

Pressionado pela poderosa ala eurocética do seu próprio partido e, segundo as sondagens então realizadas, incapaz de conquistar uma maioria absoluta nas eleições marcadas para maio de 2015, David Cameron prometeu realizar um referendo sobre a União Europeia, de forma a acalmar as suas hostes. Julgava Cameron na altura que, para poder governar, precisaria de um parceiro — provavelmente renovando a coligação com os democratas-liberais de Clegg, com quem vinha colaborando razoavelmente desde 2010. Europeístas por excelência, não permitiriam os lib-dems a inscrição de um tal referendo no programa de Governo, a negociar depois das eleições. Foi esta, no fundo, a grande aposta de Cameron: uma promessa que julgou nunca ter de cumprir. Mas, para seu espanto, os conservadores conseguiram mesmo conquistar uma maioria absoluta, à custa, curiosamente, dos lib-dems, cujo eleitorado não perdoou a Clegg a coligação com os conservadores e desertou do partido. Na Inglaterra e no País de Gales, o UKIP fez mais estragos aos trabalhistas do que aos conservadores; na Escócia, os nacionalistas destroçaram o que restava dos trabalhistas. Tudo se conjugou para dar a Cameron um triunfo inesperado que o deixou refém de uma promessa impossível de ignorar: a de que a permanência do Reino Unido na União Europeia tinha de ser sufragada pela população.

O ‘Brexit’ assenta assim numa vaga de fundo inegável. Aos milhões que votaram no UKIP nas eleições de 2015 juntam-se agora cada vez mais ex-trabalhistas, provenientes de uma esquerda frustrada e abandonada, e os “little englanders”, conservadores tradicionais, receosos do mundo para lá do Canal da Mancha e insatisfeitos com as traduções operadas no seio do seu país, sobre o qual, sentem, perderam o controlo. Em 2015 votaram no Partido Conservador por causa da promessa do referendo com que sonham há muito. Que seja a União Europeia a causa dos males contra os quais ambos reagem é duvidoso, mas não interessa: depois de décadas de uma cobertura corrosiva das instituições europeias (ficou célebre a primeira página de “The Sun” de 1 de novembro de 1990, com o título intraduzível “Up Yours Delors”), argumentos racionais deixaram de afetar o debate sobre a União Europeia. Há anos que a News Corporation de Rupert Murdoch, que inclui a cadeia televisiva Sky e jornais como “The Times” e “The Sun”, combate o projeto europeu por todos os meios, sendo acompanhada neste desígnio por outros títulos sonantes da imprensa britânica, como o “Daily Telegraph”, o “Daily Mail” e o “Daily Express”. Embora Murdoch seja um campeão da globalização (e um inimigo da regulação), não é apenas sob esta bandeira que os seus jornais combatem a União. E seguindo-lhe os passos, a campanha oficial a favor do ‘Brexit’ é dominada por um misto de saudosismo e xenofobia, com muita mistificação à mistura. É de certa forma o espelho britânico do projeto de Donald Trump. E tal como nos Estados Unidos, onde um bilionário conhecido pelos seus excessos e mau génio dá voz à frustração de todos aqueles que julgam estar o seu país a desaparecer, graças à imigração, à desindustrialização e ao “politicamente correto”, no Reino Unido são figuras igualmente improváveis que surgem à frente da campanha para o ‘Brexit’ — não só Farage como — e sobretudo — Michael Gove e Boris Johnson, conservadores, ex-jornalistas oriundos de escolas privadas e de Oxford e membros indiscutíveis do establishment contra o qual se insurgem os milhões que vão votar ‘não’ à permanência do Reino Unido na União Europeia.

A tarefa dos defensores dessa permanência não é facilitada pela atual liderança trabalhista; Jeremy Corbyn, herdeiro ideológico de Foot e Benn, com um longo passado de oposição à União e à sua deriva liberal, não convence agora como europeísta, contribuindo com a sua inação para a confusão em que está claramente mergulhado o partido. Com cada sondagem cresce a impressão de que o voto trabalhista (se é que ainda pode ser descrito como tal) tenderá para o ‘Brexit’. Corbyn, que se recusa a fazer campanha ao lado de Cameron, pouco se vê, permitindo assim que a campanha eleitoral se confunda com a batalha pela liderança do Partido Conservador: David Cameron contra Boris Johnson. A situação vivida há anos na periferia da zona euro também não ajuda a causa da União. Transparece a ideia de crise permanente e insolúvel, da qual o Reino Unido faria bem em afastar-se o mais possível.

A questão da total liberdade de movimento de trabalhadores dentro das fronteiras da União Europeia é crucial para o futuro não só da Grã-Bretanha mas de toda a União (se é que a segunda pode existir sem a primeira), à qual se poderá estender. É o ponto preciso em que o projeto europeu, o mercado único que forma o seu núcleo e a vocação universalista da União chocam com as expectativas das populações dos vários Estados-membros e a falta de informação generalizada sobre o que é, e para que serve, a União Europeia. Esta questão confronta as populações com a realidade da falta de poder dos respetivos governos para travar a transformação das comunidades em que vivem, fazendo-as despertar para uma nova realidade, na qual o Estado-nação já não funciona como o defensor dos seus interesses mais imediatos. De nada lhes serve fazer parte de um gigantesco mercado único, se dele nunca beneficiaram. Daí o slogan mais eficaz dos partidários do ‘Brexit’: “Take back control [recupera o controlo]”. O fluxo de refugiados chegados de África e do Médio Oriente, ainda longe de terminar, veio juntar-se à imigração intraeuropeia, criando a impressão, bem explorada por alguns, de um enorme movimento de massas em direção à Grã-Bretanha. Como prova são apontados os acampamentos semipermanentes de refugiados e imigrantes clandestinos em cidades portuárias francesas, como Calais. A capa do “Daily Express” de 2 de junho, com uma fotografia de albaneses acampados em Dieppe debaixo do título “The Invaders”, explora este receio de forma chocante.

Os líderes da campanha pró-‘Brexit’ têm um trunfo ainda maior na manga, que não hesitam em jogar, por irresponsável e insultuosa que seja tal ação: a Turquia, com os seus mais de setenta milhões de habitantes, cuja adesão à União Europeia, descrita como inevitável, é apresentada como a estocada final à coesão interna do Reino Unido. Num futuro próximo, explicam, essa enorme massa humana irá atravessar a Mancha à procura de emprego. Será o fim. Pelo caminho, desprezam Farage, Gove e Johnson argumentos da maior importância para um debate racional: que os imigrantes já no Reino Unido trabalham e produzem a riqueza que sustenta o Estado-providência, contrariando o envelhecimento da população britânica; que para continuar a ter acesso ao mercado único, o Reino Unido terá de continuar a permitir o livre movimento de trabalhadores; e que mesmo se renunciar aos dois, terá de continuar a importar trabalhadores estrangeiros.

Se, em 1975, foi a Inglaterra, onde reside a grande maioria da população britânica, que mostrou mais entusiasmo pela então CEE, hoje é o contrário: A Escócia e a Irlanda do Norte mostram-se mais abertas à permanência na União Europeia (estando o País de Gales alinhado com a Inglaterra). A Política Agrícola Comum representa uma fonte importante de rendimento para a economia norte-irlandesa, onde a componente rural é fortíssima. Mas a saída da União significa um enorme retrocesso no processo de paz na Irlanda do Norte e nas relações entre esta (e o Reino Unido em geral) e a Irlanda. Muitas vezes nos esquecemos de que o Reino Unido tem uma fronteira terrestre e que esta, durante longas décadas, foi extremamente problemática. Tudo o que seja vincar as diferenças entre os dois lados dessa fronteira é visto em toda a ilha com apreensão, pois o processo de paz assentou precisamente na diluição de identidades e soberanias, algo facilitado pelo livre movimento de bens, pessoas e serviços característico da União Europeia. Mas como controlar a entrada de cidadãos europeus no Reino Unido pela fronteira terrestre com a Irlanda (onde têm todo o direito de residir e trabalhar) sem fiscalizar os 500 km de fronteira, interrompendo, por exemplo, a autoestrada que agora liga Dublin a Belfast? E o que fazer às inúmeras estradas e caminhos rurais que, mesmo durante os tristes anos dos Troubles, o exército britânico nunca conseguiu controlar devidamente? A criação de postos de fronteira seria saudada como um enorme retrocesso para a paz e estabilidade de toda a Irlanda. A alternativa — controlar o trânsito marítimo entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido — é politicamente inaceitável.

Mais problemática ainda é a situação da Escócia, que também viu desaparecer as suas indústrias tradicionais ao longo dos anos 80 (a começar, claro, pela construção naval, reduzida hoje a uma fração minúscula do que outrora foi). Durante longas décadas a Escócia foi um bastião trabalhista, mas a subida ao poder de Tony Blair (que veio substituir um líder escocês, John Smith, falecido inesperadamente em maio de 1994) fez vacilar esse apoio. O eleitorado trabalhista não se reviu no New Labour e na “Terceira Via” de Blair; queria antes um partido que se batesse pelos seus valores, os seus empregos e o seu modo de vida — mas Blair, à caça da classe média inglesa, virou-lhe as costas, ao mesmo tempo que, num processo paralelo, devolvia poder político à Escócia, dotada agora de Governo e Parlamento próprios. O resultado foi imediato: a ascensão do Partido Nacionalista Escocês [SNP], que hoje domina por completo essas instituições enquanto detém a quase totalidade dos deputados escoceses no Parlamento britânico, em Westminster. Fracassou o SNP no seu intento de separar a Escócia do resto do Reino Unido, por referendo, em setembro de 2014, mas durante a campanha eleitoral afirmou alto e bom som, de forma a vincar as diferenças entre a Escócia e a Inglaterra, o seu europeísmo. Na altura, ouviram-se muitas vozes (incluindo a de Durão Barroso, enquanto presidente da Comissão Europeia) afirmando ser difícil, se não mesmo impossível, a Escócia, uma vez independente, aderir à União. Agora a situação é outra: o que acontecerá se o eleitorado escocês votar a favor da permanência na União Europeia mas o Reino Unido optar pelo ‘Brexit’? Podem os escoceses perder o direito à cidadania europeia? Nicola Sturgeon, líder do SNP e do Executivo escocês, e tenaz e inteligente defensora da permanência na União Europeia, já avisou: a defesa desse direito é razão suficiente para repetir o referendo de 2014 sobre a independência. Por outras palavras, desejando salvaguardar a independência do Reino Unido através da saída da União Europeia (cujo fim esperam, muitos deles, provocar), os proponentes do ‘Brexit’ estarão — talvez — a contribuir para a sua desagregação.

Nota: Foi este artigo concluído a 13 de junho. As sondagens indicavam nesse dia que as intenções de voto estavam igualmente repartidas entre o ‘sair’ e o ‘ficar’, tendo o ‘Brexit’ recuperado muito terreno desde o início da campanha. Pensa-se que quanto maior for a participação eleitoral, melhor será a prestação dos partidários da União Europeia — mas ninguém tem a certeza, dadas as previsões erradas das várias agências de sondagens antes das eleições gerais de 2015. Porém, há um facto a reter. Segundo um estudo feito pela London School of Economics, um terço do eleitorado, consciente da importância deste ato eleitoral, só decidirá como votar no dia do referendo. Por outras palavras, nada está ainda decidido.

LEIA TAMBÉM OS ARTIGOS DE OPINIÃO QUE ACOMPANHAM ESTE TEXTO

Por Ricardo Costa, 'O Paradoxo da democracia'
Por Henrique Monteiro, "‘Brexit’ ou ‘UExit’?"
Por Henrique Raposo, 'Narciso londrino'
Por Jaime Nogueira Pinto, 'A vontade de Shakespeare'
Por Daniel Oliveira, 'Candeia que vai à frente'

Texto publicado na edição do Expresso de 18 junho 2016

BRITÂNICOS VOTAM NA SAÍDA DA (DES)UNIÃO EUROPEIA. EUREXIT PARA TODOS!



Brexit, sim. Não é difícil de prognosticar. Hoje os britânicos estão a votar. Sim ou não? Pois, há os que não têm dúvidas da saída do Reino Unido. Eles até são mais ou menos unidos, resulta. Não é o caso da União Europeia. Temos visto que não resulta. As causas estão no lado dos que detêm os poderes na UE. Sendo que muitos deles até nem sequer foram eleitos pelos eleitores da ilusoriamente chamada União – também conhecida por Trapaça Europeia. Por isso os britânicos rumam ao Exit. Se tal acontecer iremos ver o desmoronar da Trapaça em poucos anos. Será o Eurexit. Lamentável que os princípios e objetivos que eram de uma União Europeia de facto tenham sido subvertidos com o prejuízo da maioria dos povos em benefício de uns poucos salafrários.

Ricardo Marques, do Expresso, serve a cafeína no Curto. Escreve ele que “Os problemas estão por toda a parte. Tudo está a acontecer, muito pouco do que acontece é bom. Mas nada é inevitável.” Pois. No "toda a parte" ele inclui Portugal, e de que maneira!

Estamos fartos destas instabilidades. Destas guerras surdas. E das abusadamente sonoras. Umas e outras ceifam-nos as vidas. O lucro a valer pertence aos do 1% dos desumanos. Uma ínfima parte vai para os servidores daqueles, os mainatos engravatados e com ar de chulos, ou de ladrões. Aspeto e indomentárias que lhes assentam perfeitamente. E pronto. Essa é a verdade nua e crua. Pois.

Mesmo assim, aqui ficam os votos de um bom dia. Nem que o nuclear estoure no planeta havemos sempre de desejar isso a nós e aos outros – menos aos filhos da p… que nos vão tramando insistentemente, sem freio.

Vá de Expresso Curto para a atualidade... e mais alguns “pós”. Acautele-se, pode conter  pó de estriquinina. Nunca se sabe.

Mário Motta / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Ricardo Marques – Expresso

Nós ficámos, eles vamos ver

Fui confirmar ontem à noite, só para ter a certeza.

A ideia do Expresso Curto, está escrito na página do jornal na Internet, é ser uma "breve síntese do que se está a passar no país e no mundo".

Pois bem: tudo. Está tudo a acontecer e ninguém sabe queespécie de mundo e de país vamos ter logo à noite. Não ha profeta que o consiga fazer.

Nós ficámos no Euro e sábado, isso sabemos com a certeza da velha calculadora da bola, jogamos contra a Croácia nos oitavos de final, mas só porque um islandês de 23 anos chamado Arnór Ingvi Traustason, que tem o 21 na camisola, marcou um golo no último minuto contra a Áustria (o Arnór Ingvi vai jogar para o Rapid de Viena na próxima época...coincidências).

Se ele tivesse falhado o remate, Portugal teria pela frente a Inglaterra, que, por sua vez, tem hoje pela frente um referendo alucinante cujos resultados a deixarão tão dentro da União Europeia como Portugal ou tão fora dela como a Islândia.

E como se isso não bastasse, uma das últimas sondagens garante que há 11 % de indecisos na ilha grande. Onze. Como os islandeses que nos atiraram para o terceiro lugar (melhor do que o segundo, parece). A propósito, o rapaz Arnór Ingvi nasceu numa cidade islandesa chamada Keflavik - conhecida nos anos 60 como a "Cidade dos Beatles". E haverá pensamento mais adequado a esta manhã do que este, imortalizado por Paul MacCartney de fatinho e gravata, guitarra na mão, diante de um pequeno microfone (sim, já lá iremos):

"Yesterday all my troubles seemed so far away. Now it looks as though they're here to stay."

Então ontem foi assim: acordámos a pensar que íamos atropelar os húngaros, mas acabámos por fazer um jogo mau e o resultado do costume, como conta a Mariana Cabral a partir de França. A coisa só não acabou pior (ou seja, com o embate frente aos ingleses) por causa do tal golo do Arnór, que pode espreitar aqui paraouvir um comentador islandês à beira da loucura (e vale mesmo a pena ouvir). Tudo o resto, mas mesmo tudo, está na página do Expresso dedicada ao Campeonato da Europa.

A partir daqui é só para ler, just to read, por isso ponha estamúsica em fundo, mas em loop.

A escolha que importa é entre o Brexit e o Remain (Islândia ou Portugal, em futebolês / ter ou não ter a Guerra dos Tronos, para quem prefere séries) e as últimas sondagens dão vantagem ao Remain, apesar dos tais 11% de eleitores indecisos. A CNN dá conta dos últimos instantes de campanha.

O Pedro Cordeiro está em Londres há já alguns dias e vai acompanhar a votação ao longo de toda a jornada no site do Expresso. Aqui, em menos de três minutos, explica o que está em jogo. Ontem esteve em Trafalgar Square e assistiu, ao lado de milhares de pessoas, à cerimónia que assinalou o aniversário de Jo Cox, a deputada que se opunha à saída da União Europeia e que foi assassinada há uma semana. Malala Yousafzai, a ativista paquistanesa prémio Nobel da Paz, foi a última a falar. "Os extremistas falharam de novo", disse.

O Guardian aponta erros aos líderes europeus que, nos últimos meses, lidaram mal com o referendo de hoje. Uma espécie de estrada que os foi levando da "negação ao pânico", para usar a expressão de Natalie Nougayrède, a comentadora de assuntos internacionais do jornal.

Agora, como refere o Guardian e como se pode ler também noPúblico, é preciso lidar com os resultados. Jean Claude Junker já avisou que se a escolha for pela saída não haverá caminho de volta. " “Eles obtiveram o máximo que é possível obter e nós demos o máximo que é possível dar. Fora é fora. Não haverá nenhuma nova negociação”, disse o presidente da Comissão Europeia.

O The Wall Street Journal vai mais longe e assegura que, a partir de hoje, nada será como antes. Se os britânicos decidirem "sair de casa", os alicerces da casa vão abanar com força. Se decidirem ficar, lá em casa ninguém se vai esquecer tão cedo que eles andaram seis meses a pensar se valia a pena partirem.

Se ficar o bicho pega. Se correr o islandês marca.

OUTRAS NOTÍCIAS

Comecemos pelo fundo e, justiça seja feita, aquilo nem é bem um lago. Ou seja, é um lago porque é um buraco e está cheio de água, mas não é um daqueles lagos que têm direito a placa. É, quanto muito, uma poça gigante que fica numa praça batizada com o nome de uma impressionista francesa, Berthe Morisot, que, imagino, não se daria ao trabalho de a pintar. Mas foi para lá, para essa mancha castanha, que Cristiano Ronaldo lançou o microfone de um jornalista da CMTV. As águas não vão acalmar tão cedo, seguramente, e o 'microfonegate' vai ficar para a história.

A caminho da imortalidade está também o processo de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Depois de PSD e CDS terem avançado com uma comissão de inquérito para analisar a gestão do banco público nos últimos 16 anos (e são cinco os administradores na mira dos deputados) , o PS veio pedir a audição urgente do Governador do Banco de Portugal, pedido que o CDS considera uma manobra de distração. Parece que a discussão sobre a árvore já vai nas pulgas que estão nas penas das asas dos passarinhos pousados nos ramos. E ainda não começou.

Ou quase. Ontem, houve conferência de imprensa do ministro das Finanças. O Pedro Santos Guerreiro conta-lhe o pouco que há para contar sobre as palavras de Mário Centeno, hora e meia antes do jogo e a poucas horas do referendo. Uma notícia sobre perguntas sem resposta. E o João Vieira Pereira dá a nota ao jogador Mário Centeno.

Vinte Valores para este artigo do The New York Times sobre os problemas do Canal do Panamá. As obras de ampliação do canal demoraram seis anos e foram feitas por uma empresa espanhola. O grande teste será no domingo, quando chegar o primeiro gigante dos mares. Chama-se Cosco Shipping Panama e foi rebatizado há cerca de um mês - após ter sido sorteado para ser o primeiro mega cargueiro a atravessar o renovado canal. O navio de 300 metros está neste momento a caminho e pode acompanhar a viagem através desta ligação (cuidado porque este mapa de tráfego marítimo em tempo real pode ser viciante).

Nos EUA, viram-se democratas sentados no chão. Tudo para forçarem a discussão sobre a lei de posse de armas. Há mais de 310 milhões de armas de fogo legais nos EUA, o que dá, aproximadamente, uma por pessoa. Este vídeo da The New Yorker explica como foi possível chegar aqui.

MANCHETES

Correio da Manhã: "Droga e notas de 500€ em festas na cadeia"
Jornal de Notícias: "Região Norte responsável por 40% das exportações"
Diário de Notícias: "Hospitais públicos têm de operar 200 mil doentes para acabar com listas de espera"
Público: "Divididos e angustiados, britânicos decidem hoje futuro da União Europeia"
I: "Milhões para a banca provocam críticas na saúde"
Visão: "A vida do comunista que sabe o Padre-Nosso"
Sábado: "Esta é a nova vida de Portas"

FRASES

"Vou ver se arrumo a minha vidinha para conseguir assistir ao jogo. Um abraço a Fernando Santos", Marcelo Rebelo de Sousa sobre o Portugal-Croácia de sábado, após o empate 3-3 com a Hungria

"Não sou maluco", Fernando Santos, após o empate 3-3 com a Hungria que permite a Portugal jogar contra a Croácia no sábado, jogo a que Marcelo Rebelo de Sousa poderá ou não assistir

"O Presidente da República, a convite do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, tem um Jantar de S. João no Jardim do Seminário Maior e assiste ao Fogo-de-artifício sobre o Rio Douro", Agenda de Marcelo Rebelo de Sousa para hoje na página oficial da Presidência da República

O QUE ANDO A LER

Vou sugerir apenas um artigo, até porque este Curto já vai longo e, apesar de tudo o que pode correr mal, há mais vinte piadas sobre microfones para ouvir antes do almoço.

A mensagem é mesmo essa: o mundo nunca pareceu tão perigoso, tão deprimente, tão assustador. Guerras por todo o lado, milhares de mortos todos os dias, milhões de refugiados, uma economia estagnada e permanentemente à beira do colapso, uma Europa sem rumo, um planeta ameaçado. Vivemos dias de "profundo pessimismo acerca do presente e, pior, do futuro", escrevem Kishore Mahbubani (reitor da faculdade de Políticas Públicas na Universidade Nacional de Singapura) e Lawrence H. Summers (professor em Harvard e Secretário de Estado do Tesouro dos EUA entre 1999 e 2001), logo a abrir a ágina 126 da edição de Maio/Junho da Foreign Affairs.

O artigo chama-se "The Fusion of Civilizations – The case for global optimism" e os autores defendem que, dentro de alguns séculos, quando os historiadores se debruçarem sobre a segunda década do século XXI terão alguma dificuldade em perceber tanto pessimismo. "As últimas três décadas foram as melhores da história. Cada vez mais pessoas, em cada vez mais locais, têm vidas melhores do que alguma vez tiveram". A justificação, acrescentam, é que há cada vez mais gente no mundo que tem as mesmas aspirações que a classe média do mundo ocidental:bons empregos, melhor educação para os filhos e uma vida feliz e produtiva em comunidades pacíficas. Em vez de estar deprimido, o Ocidente devia celebrar o sucesso fenomenal que foi conseguir impor os elementos fundamentais da sua visão do mundo a outras civilizações", explicam Mahbubani e Summers.

Há problemas? Claro que sim. Mas também há soluções. A turbulência no mundo islâmico é uma realidade. Há 30 mil guerrilheiros islâmicos no Daesh, muitos deles ocidentais, mas há também 200 milhões de muçulmanos que vivem pacificamente na Indonésia. A China está a crescer? Sim, nunca deixará de ser chinesa, poderá levar muitos anos até ser uma democracia, mas está cada vez mais ocidentalizada. E a ameaça maior? As economias do ocidente estão estagnadas e o populismo ganha terreno. É uma realidade, masnão é uma realidade inultrapassável. O perigo é assumi-la como uma fatalidade, "ver ameaças e não oportunidades, virar as costas ao mundo em vez de continuar a liderá-lo de forma bem sucedida".

Os problemas estão por toda a parte. Tudo está a acontecer, muito pouco do que acontece é bom. Mas nada é inevitável.

Quando começarem a chegar os primeiros resultados do referendo, lá pela madrugada, já haverá muita gente a passar a mão pela cabeça à conta da martelada.

Afinal, é noite de S. João, o profeta que anunciou Cristo. É que ele sabia disto, nós parece que não.

Tenha um bom dia. Há Expesso Diário às seis.

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