sábado, 5 de novembro de 2016

O OCIDENTE FLERTA COM O ESTADO POLICIAL





Depois dos EUA, agora a França debate prisão em massa de “suspeitos”, em campos como Guantánamo. “Guerra ao Terror” tornou-se senha para eliminar as liberdades

Ignacio Ramonet – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

No marco das eleições presidenciais na França, previstas para abril de 2017, os candidatos da direita competem na promoção de um catálogo de “medidas antiterroristas”, que ameaçam o caráter da República. Alguns dirigentes reclamam inclusive da criação de centros de detenção inspirados na prisão de Guantánamo.

Submetida a uma onda de odiosos atentados jihadistas há quase dois anos, a nação francesa vê uma série de dirigentes políticos de direita e de extrema direita competirem ao propor, em nome de uma “guerra santa contra o terror”, um catálogo de “medidas antiterroristas” que, sem garantir o fim da violência, poderiam colocar em perigo o caráter democrático da Republica.

O ex-presidente Nicolas Sarkozy e vários dirigentes importantes de seu partido, Os Republicanos (conservador) – Laurent Wauquiez, Éric Ciotti, Valérie Pécresse etc. – não têm dúvidas em propor, por exemplo, que “mediante uma simples decisão administrativa sejam detidas e postas sob vigilância pessoas que ainda não cometeram nenhum crime ou delito, mas cuja periculosidade é conhecida pelos serviços de inteligência” (1). Em qualquer regime democrático autêntico proposta semelhante constitui uma aberração.

Israel já não é o único Estado democrático qe, em virtude de uma lei de exceção herdada da época colonial britânica, aplica as “detenções preventivas” que lhe permitem encarcerar, no marco da “guerra contra o terrorismo”, um indivíduo sem acusação formal e sem julgamento. Segundo a ONU, dos 7 mil palestinos privados de liberdade em Israel, cerca de 700 encontram-se em “detenção administrativa”. As autoridades israelenses justificam essas medidas com base numa interpretação singular de um artigo da 4ª Convenção de Genebra. Várias ONGs humanitárias já denunciaram essa interpretação (2).

Num Estado de Direito em que se respeita a separação de poderes, não se pode deter e prender um cidadão por uma simples “decisão administrativa” (3). Como explica o jurista francês Michel Tubiana, presidente de honra da Liga dos Direitos Humanos (LDH): “A Constituição francesa prevê, em seu artigo 66, que somente a decisão de juiz pode permitir prender alguém, seja num presídio ou num centro de detenção. Isso não pode ser decidido por uma autoridade administrativa, nem sequer pelo governo.”

Por outro lado, a Constituição também proíbe deter alguém que ainda não tenha cometido delito algum. E o Conselho de Estado, máxima autoridade administrativa estatal que deve ser consultada antes de tomar certas decisões (4), estipulou que, como medida preventiva, as autoridades só podem vigiar — nem prender nem castigar. O contrário significaria desconhecer a independência do Poder Judiciário e retroceder a épocas anteriores ao habeas corpus, estabelecido na Inglaterra em 1679, que proíbe as prisões arbitrárias e afirma o direito de toda pessoa a conhecer por que razão está sendo detida e de que está sendo acusada.

Os suspeitos “S”

Com a intensificação da “guerra contra o terrorismo”, as autoridades francesas identificaram nada menos que cerca de 20 mil indivíduos suspeitos… Cada um deles encontra-se, em princípio, sob vigilância e é objeto de uma ficha “S” (“S” de “Segurança de Estado”) (5), estabelecida pela Direção Geral de Segurança Interior (DGSI).

Obviamente, nem todos esses 20 mil indivíduos fichados com “S” são potenciais terroristas. Não se conhece com exatidão o verdadeiro número de suspeitos que teriam relação com o movimento jihadista radical e estariam dispostos a cometer um ato de violência criminosa. Segundo o primeiro ministro, Manuel Valls, não seriam menos de 10.400… Mas, segundo o Cadastro dos Destacamentos para a Prevenção da Radicalização de caráter Terrorista (FSPRT) (6) seriam bem uns 15 mil (7), dos quais mais de 4 mil estariam a ponto já de passar à ação (8)…

Em suma, estamos falando de números muito consideráveis: milhares de pessoas dispersas através do conjunto da geografia francesa e prontas para cometer, a qualquer momento, todo tipo de atentado criminoso.

A isso há que se acrescentar os cerca de 2 mil franceses que, como “voluntários jihadistas”, incorporaram-se às fileiras de combatentes do Estado Islâmico nos territórios do “califado sírio-iraquiano” (dos quais uns 200 teriam morrido, segundo outras fontes). Teme-se, contudo, que várias centenas dos que sobreviverem às atuais ofensivas aliadas na Síria e no Iraque voltem à França com desejos irrefreáveis de semear a morte…

Diante de perspectivas tão perigosas, entende-se que haja um debate sobre o que fazer para reduzir o nível de ameaça jihadista interna.

Por isso, as forças mais conservadoras estão propondo que se prendam desde já os milhares de suspeitos fichados como “S”. Um de seus principis argumentos a favor dessa medida é que muitos dos jihadistas que cometeram atentados nos últimos meses na França estavam fichados como “S”, porém não foram detidos. Por exemplo, os irmãos Kouachi, que assassinaram grande parte da redação do semanário satírico Charlie Hebdo; ou Amedy Coulibaly, que atacou uma loja kosher e matou várias pessoas de religião judaica; ou Yassin Salhi, que decapitou seu patrão em Saint-Quentin-Fallavier; ou Larossi Abballa, que degolou um casal de funcionários do Ministério do Interior; ou Abdel Malik Petitjean, um dos assassinos do sacerdote católico em Saint-Étienne-du-Rouvray. Todos eles estavam fichados como “S”, quer dizer, “perigosos para a segurança do Estado”, mas encontravam-se em liberdade e conseguiram matar.

O buraco negro

Nesse contexto, alguns dirigentes políticos reclamam agora na França a criação urgente de “centros de detenção ou de internação” onde seriam presas essas milhares de pessoas do “entorno jihadista” consideradas como muito perigosas. Tanto os defensores desta solução como seus opositores citam o controvertido caso de Guantánamo como exemplo, segundo alguns, do que uma democracia deve fazer para sua legítima defesa; ou como modelo, segundo outros, do que precisamente nunca deve fazer para não perder sua alma.

A Base Naval da Baia de Guantánamo, como se sabe, é uma base militar situada em território de soberania cubana, alugada por Washington de Havana no marco do tratado leonino firmado por ambos os países em 1903. O governo cubano a considera “território ocupado” e reclama sua restituição. No início dos anos 1980 o presidente George W. Bush (pai) utilizou as instalações da base para estabelecer, pela primeira vez, um centro de internação destinado aos milhares de refugiados haitianos “sem papéis” que tentavam entrar nos Estados Unidos. Um ano depois, o presidente Bill Clinton fez o mesmo com uma leva de imigrantes cubanos. Nos dois casos, as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos denunciaram a violência desse tratamento contra refugiados civis “sem papeis”.

Isso não impediu que, a partir dos atentados jihadistas de 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush decidisse criar em Guantánamo, em nome da “guerra santa contra o terrorismo”, uma espécie de presídio especial para os prisioneiros pertencentes à organização jihadista Al Qaeda.

A principal razão da escolha de Guantánamo foi que, não se tratando de território estadunidense, ali o direito penal dos Estados Unidos não tem vigência e não pode, por conseguinte, proteger os prisioneiros. Quando perguntaram a Donald Rumsfeld, então secretário de Defesa estadunidense, por que haviam escolhido a base de Guantánamo, ele respondeu: “Porque é o cosmos… Ali as leis dos Estados Unidos não se aplicam”.

Mas ao mesmo tempo Washington decidiu não aplicar tampouco as Convenções de Genebra aos jihadistas detidos, considrando que “a guerra contra o terrorismo” não era um conflito convencional e que os “assassinos da pior espécie” ali encarcerados não mereciam sorte melhor.

De tal modo que toda pessoa reclusa nas instalações do presídio da Baía de Guantánamo estaria desprovida de qualquer tipo de direito e à mercê da arbitrariedade das autoridades militares estadunidenses. De fato, trata-se de uma ilhota de iniquidade medieval no mundo contemporâneo. Isso permitiu que os prisioneiros (procedentes com freqüência de “prisões secretas” e transportados em “voos secretos” da CIA) fossem torturados, golpeados, suspensos por mãos e braços, privados de sono, submetidos a interrogatórios de vários dias seguidos e a agressão permanente de música ensurdecedora. O mundo inteiro denunciou a monstruosidade jurídica que constitui Guantánamo.

Por isso, logo após eleito, em 2008, o presidente Barack Obama, professor de Direito Constitucional, prometeu fechar esse “buraco negro” da Justiça. Oito anos depois, contudo, quando está prestes a entregar o cargo, constatamos que não conseguiu fazê-lo. Por quê? Primeiro, porque o Congresso opõe-se a ele. Segundo porque a maioria (52%) da opinião pública tampouco o deseja. E finalmente porque, dos 780 presos que foram encerrados ali, 711 já foram liberados (o que significa que não eram tão “assassinos da pior espécie” como se pretendia) (9). Muitos deles eram civis inocentes capturados por aventureiros que os venderam como “terroristas” às autoridades militares estadunidenses. Outros foram declarados “terroristas” simplesmente porque levavam no pulso um relógio da marca Casio, modelo F91W — segundo o Pentágono o tipo de relógio com que Osama Bin Laden presenteava os melhores combatentes da Al Qaeda…

Sem direitos

Permanecem hoje em Guantánamo 60 presos (10). Dividem-se em três grupos: um primeiro grupo de 10 presos condenados por uma Comissão Militar que não é reconhecida pela Justiça estadunidense; um segundo grupo de 20 presos que vão ser libertados, mas ainda não se decidiu a que país ou países vão ser entregues; e um terceiro grupo de 30 presos com os quais o governo estadunidense não sabe muito bem o que fazer. O presidente Obama declarou: “Estes 30 presos constituem um caso bem complexo. Sabemos que agiram mal e que continuam sendo extremamente perigosos, mas não conseguimos apresentar provas convincentes contra eles perante um tribunal de justiça comum”. Não podiam porque essas “provas” foram obtidas mediante tortura e qualquer tribunal as consideraria nulas.

Assim, provavelmente o destino desse grupo de 30 presos, que não pode ser liberado nem transferido a um presídio militar em território estadunidense nem entregue a um país de acolhida, será morrer no presídio da Baia de Guantánamo. Talvez alguns deles o mereçam, pelos atentados que cometeram. Mas, para os Estados Unidos, como democracia, isso vai significar, para as próximas décadas, uma violação permanente das convenções internacionais em matéria de direitos humanos.

Como poderia a França, pátria da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotar modelo tão indigno, em nome de uma “guerra santa contra o terror”?

NOTAS
1. Ver Ignacio Ramonet, “Frente al terrorismo”, Le Monde diplomatique, edición Cono Sur, agosto de 2016.
2. AFP, París, 18 de julho de 2016.
3. Betselem e Hamoked.
4. Exceto casos contados relacionados à psiquiatría.
5. O Conselho de Estado define, em última instância, qualquer recurso judicial apresentado contra uma autoridade pública.
6. A ficha “S” é uma subcategoría do Arquivo de Pessoas Procuradas (FPR, na sigla em francês). Também há fichas “M” (para “menores em fuga”), fichas “V” (para “evadidos”) e fichas “T” (para “devedores do Tesouro Público”).
7. Criado em março de 2015, o FSPRT permite à Unidade de Coordenação da Luta Anti-Terrorista (UCLAT) centralizar toda a informação que resulta das notificações que chegam através do Centro Nacional de Assistência e de Prevenção da Radicalização (CNAPR).
8. Entre os quais havia uns 2.000 menores de idade.
9. Ver Le Journal du Dimanche, París, 9-10-16.
10. Ver nota de Luciana Garbarino nas páginas 28 e 29 desta edição do Le Monde Diplomatique (Ed. 209 – Novembro de 2016)
11. Nove presos morreram.

IMIGRANTES RECLAMAM DIREITOS: TÊM RAZÃO



Não responder a estas justas reivindicações é pôr a segurança do Estado em perigo já que a exclusão, a ilegalidade, a marginalização são o terreno fértil para a criminalidade e a radicalização neofascista de várias roupagens

Jorge Fonseca de Almeida – Jornal Tornado, opinião

Em luta por Direitos Iguais e Documentos para Todos, muitos imigrantes vão manifestar-se no próximo dia 13 de Novembro, domingo, pelas 14 horas, no Largo Martim Moniz. Muitos portugueses aí estarão também para os apoiar. Mas que direitos são estes que reivindicam os imigrantes e que documentos pretendem?

Mas que direitos?

Descontar para a Segurança Social

Reivindicam o direito a descontar para a Segurança Social, assim contribuindo para as pensões dos nossos reformados, reivindicam o direito de pagar impostos, assim contribuindo para a redução do deficit, reivindicam o direito de aceder ao serviço nacional de saúde, assim evitando a propagação de doenças entre a população, reivindicam o direito a serem integrados na sociedade portuguesa e acederem à nacionalidade, assim diminuindo o risco de exclusão que está na base do fenómeno de radicalização neofascista que temos assistido na Europa com trágicas consequências.

Estado português seja uma pessoa de bem

Reivindicam que o Estado português aja como pessoa de bem, cumpra os prazos, seja célere a atender as pessoas, o prazo médio para atendimento no SEF é de vários meses, e as retire da situação de fragilidade legal e as integre como imigrantes legais ou como nacionais na nossa comunidade.

Todas estas reivindicações são favoráveis aos interesses da grande maioria da população portuguesa e do Estado português.

Não responder às reivindicações é…

Ser cúmplice

Não responder a estas justas reivindicações é ser cúmplice com redes criminosas de tráfego de pessoas, com a inaudita exploração de que são alvo por patrões sem escrúpulos que aproveitam a situação de ilegalidade para não procederem ao pagamento de ordenados e não cumprirem as regras de segurança laborais. É ser conivente com a monstruosa exclusão do direito à saúde de milhares de crianças que não podem ter acesso a médicos, tratamentos e remédios.

Privar o Estado de receitas

Não responder a estas justas reivindicações é privar a segurança social de importantes e necessárias contribuições, é privar o Estado de receitas fiscais num momento em que elas são precisas.

Colocar a segurança em perigo

Não responder a estas justas reivindicações é pôr a segurança do Estado em perigo já que a exclusão, a ilegalidade, a marginalização são o terreno fértil para a criminalidade e a radicalização neofascista de várias roupagens.

Acresce que os imigrantes são necessários em Portugal num momento em que, em virtude das políticas seguidas de redução de rendimentos e bens públicos como saúde e educação, a natalidade nacional é extremamente baixa, o saldo natural entre nascimentos e óbitos é já negativo, e a viabilidade da nação depende da manutenção ou aumento da população.

4% da população residente é estrangeira

Em Portugal cerca de 4% da população residente é estrangeira. Dos estrangeiros que vivem em Portugal 150 mil vêm da Europa chegados da Roménia, da Ucrânia mas também muitos reformados ingleses e franceses, cerca de 100 mil de Africa em que a maior comunidade é a cabo-verdiana, outros 100 mil da América Latina, neste caso quase exclusivamente do Brasil e 40 mil da Ásia, maioritariamente da China.

Muitos dos seus filhos nascem aqui. Mas ao contrário do que acontece nos EUA e noutros países essas crianças não adquirem a nacionalidade portuguesa. Crescem no nosso país, vão à escola, mas é-lhes negada a cidadania. São rejeitados sem razão, criados num clima de exclusão é natural que se possam sentir ressentidos com o país que devia ser o seu. Uma injustiça que é preciso corrigir.

Depois de uma concentração em frente da Assembleia da República no dia 27 de Outubro que passou largamente desapercebida e não debatida pelos órgãos de comunicação oficiais, os imigrantes e os seus amigos portugueses, convocados pelas suas associações, voltam à rua para fazer ouvir a sua voz em defesa dos direitos sociais.

É tempo de o Governo tomar medidas decisivas para a integração destas pessoas. A bem de todos nós.

GUTERRES



Preferi acompanhar o percurso do ex-primeiro ministro português até ao cargo com silêncio em vez de futurologia, prudência em vez dos arroubos patrióticos, quando não patrioteiristas provincianos, de uma elite doméstica comunicante e politóloga que, de facto, não enxerga para lá de Badajoz mesmo que às vezes voe até Bruxelas.

José Goulão – AbrilAbril, opinião

A eleição de António Guterres para o cargo de secretário-geral das Nações Unidas mereceu uma atenção mediática invulgar, o que é um prenúncio excelente; infelizmente não esteve em foco, dentro dos mil e um registos que acompanharam as peripécias do processo, o desempenho catastrófico e desprestigiante do titular ainda em funções e que, às ordens dos interesses mais nefastos que guiam os negócios mundiais, conduziu a ONU para a negação da sua própria Carta, tornando-se parceira de guerra em vez de intermediária da paz. Digamos que faltou o essencial na abordagem do tema.

Preferi acompanhar o percurso do ex-primeiro ministro português até ao cargo com silêncio em vez de futurologia, prudência em vez dos arroubos patrióticos, quando não patrioteiristas provincianos, de uma elite doméstica comunicante e politóloga que, de facto, não enxerga para lá de Badajoz mesmo que às vezes voe até Bruxelas.

A sua prosaica indignação, até espantação, com os golpismos anti candidatura de Guterres (abusivamente entendidos como «anti-Portugal») desenvolvidos pelas entidades e cérebros da União Europeia do costume é uma pérola própria de quem pensa pelos conteúdos dos jornais europeus ditos «de referência», pelo que não vive neste mundo, quanto muito numa realidade paralela.

Silêncio e prudência também porque, por muito que se explique e argumente – o que nem sequer é o caso –, não existe qualquer ligação prática entre Guterres secretário-geral e hipotéticas vantagens para Portugal: a nacionalidade do responsável executivo da ONU não é um instrumento do cargo, por natureza supranacional.

No limite, seria extraordinário para os portugueses, e para os mais de sete mil milhões de pessoas no planeta, que António Guterres fizesse com que a ONU saísse do atoleiro para que foi conduzida pelos principais dirigentes mundiais da actualidade e travasse os preparativos de guerra global cujo desenvolvimento apenas depende do momento em que for ateado um dos mil e um rastilhos espalhados pelo Médio Oriente e regiões adjacentes.

Uma vez António Guterres eleito secretário-geral da ONU, e devido às diferenças óbvias dos cargos, a sua actuação como primeiro-ministro de Portugal também não deve servir como ponto de referência dogmático para o que se segue. Guterres teve, à frente do governo de Lisboa, espaço e condições para proporcionar melhor vida aos portugueses – o que agora absurdamente se lhe exige –, mas essa foi a oportunidade por ele perdida ao limitar-se a conduzir Portugal na tragédia neoliberal, cujas portas foram abertas pelo inefável Dr. Soares ao chamar o FMI, exponenciada por Cavaco à mais elevada potência, e só agora timidamente barrada, mas sem coragem para enfrentar a sério os ogres de Bruxelas e Berlim. Os mesmos que bem tentaram tramar Guterres, o que nada teve de surpreendente.

O que ditará o êxito ou fracasso do Eng. António Guterres como secretário-geral da ONU são assuntos muito mais abrangentes e ainda mais complexos; fazendo-lhe desde já a justiça de pensar que aprendeu com a sua experiência internacional desde que deixou a política portuguesa, e que conhece o cadáver putrefacto da actual diplomacia internacional com o qual vai ter de lidar.

O Eng. Guterres deve saber – oxalá saiba – que problemas como os da Síria não resultam apenas de Assad ou da Rússia, do Irão ou do Hezbollah; que a cumplicidade com o terrorismo internacional (incluindo o terrorismo de Estado) de países como os Estados Unidos, França, Reino Unido, Israel, Turquia e Arábia Saudita e entidades como a NATO é uma realidade que não existe apenas nas chamadas «teorias da conspiração»; que o problema esmagador dos refugiados no mundo tem a ver com as guerras de rapina e domínio geoestratégico, com a devassa e destruição dos recursos humanos, naturais e o ambiente do planeta, com as actividades lucrativas da guerra, com o enraizamento da ditadura financeira global.

Restaurar a dignidade, a neutralidade e o balanço democrático possível na ONU; activar e tornar eficaz o papel da ONU em todos os processos de paz justa e duradoura dos quais tem estado ausente ou onde é inoperante, como os da Palestina, do Sahara Ocidental, da reunificação de Chipre, da Síria; envolver positivamente a ONU na neutralização dos efeitos nefastos da ressurreição do nazismo incentivada no Leste da Europa pelo fatídico golpe na Ucrânia, integrado numa corrida armamentista e de cerco realizada pela União Europeia e a NATO; estes são apenas alguns passos do exigente programa que o novo secretário-geral tem pela frente.

Os condicionalismos são muitos, a começar pela manipulação do Conselho de Segurança como fonte de tudo o que tem feito jorrar sangue no mundo, do Afeganistão à Líbia, do Mali, Nigéria e República Centro-Africana ao Iémen.

Em boa verdade, o programa é pesado, mas a metodologia para a mudança é intuitiva: estudar a actuação de Ban Ki-moon e fazer exactamente o contrário. Este é o melhor caminho para a ONU deixar de ser um instrumento da indústria de guerra, dos mais egoístas interesses mundiais e transformar-se numa entidade ao serviço da paz e dos direitos humanos de todos – e não apenas de alguns.

Tal missão exigirá de Guterres muita coragem, destemida frontalidade, firme personalidade, argúcia e sagacidade, elevado sentido de risco e muita clarividência perante a falsidade, a duplicidade de linguagens e os conceitos propagandísticos em que assentam os assuntos internacionais, submetendo o humanitarismo, a democracia e a paz como reféns dos êxitos da guerra generalizada. Poderia, porém, encarar-se este desafio de outra maneira? Valeria a pena candidatar-se a secretário-geral para que na ONU – e no mundo – tudo continue na mesma?

Foto: Agência Lusa

DEGRADAÇÃO DA POLÍTICA E DO ESTADO



António Domingues e a sua equipa podem ser os melhores gestores da banca do mundo, mas a atitude arrogante que estão a tomar é inaceitável.

António Pacheco Pereira – Público, opinião

O conflito entre a maioria dos partidos parlamentares e da opinião pública e António Domingues e os novos administradores da Caixa Geral de Depósitos e as demissões causadas nos governos (neste e no anterior) pelos falsos títulos académicos são eventos com causas próximas. O seu ponto em comum é a contínua degradação da política e do pessoal político, em complemento e em simbiose com a degradação do Estado nas suas componentes políticas, profissionais e técnicas. É o resultado de processos de demagogia, alimentados por uma opinião pública e uma comunicação social populistas, e por uma deterioração acentuada dos grandes partidos, em particular do PSD e PS, com mecanismos oligopólicos, e a crescente importância de carreiras pseudoprofissionalizadas, que se fazem dentro dos partidos por critérios que pouco têm que ver com a seriedade, o mérito, a capacidade política, profissional e técnica, tendo mais que ver com fidelidades e intrigas de grupo e com o acesso ao poder do Estado por via do poder partidário.

Enquanto uns vão com náusea, com uma mão no nariz mas aceitando ou pedindo privilégios e salários elevados, servir relutantemente a sua democracia e o seu país sempre enojados com essa coisa vil da política, visto que eles são técnicos ou académicos ou seja lá o que for, tudo menos ser o que são quando aceitam certos lugares; outros sabem que, uma vez “entrados”, se forem obedientes e prestarem os serviços requeridos sem pestanejarem e fizerem muitas vezes o sale boulot, “nunca de lá saem”. Vão dos gabinetes governamentais para as autarquias, para os lugares de nomeação governamental, para deputados, e por aí adiante. Esta é uma especialidade das “jotas” dos grandes partidos.

A isto se soma o desinvestimento do Estado nas qualificações profissionais e técnicas na alta função pública, com salários cada vez menos competitivos, falsos outsourcings, o recurso sistemático a uma espécie de segunda linha, que na verdade tem sido a primeira, de serviços qualificados, seja de tecnocratas, de escritórios de advogados ou de empresas de consultoria financeira. Os pareceres e os estudos milionários tornaram-se norma no mesmo Estado, que não é capaz de criar uma administração assente no mérito que permita ao Estado ter recursos humanos para todos estes requisitos técnicos, sendo o recurso a serviços externos a excepção.

O Estado deveria ter na sua administração capacidade técnica e profissional de primeira água, juristas, mecânicos, jardineiros, gestores, administradores hospitalares, técnicos fiscais, polícias, carpinteiros, especialistas em finanças e em mercados, deveria pagar salários compatíveis e promover carreiras de mérito com critérios de exigência. Esse é o ideal burocrático que substituiu na Europa as hierarquias de nascimento ou o inventário das “almas mortas” do livro de Gogol, mas que em Portugal ainda não arrancou de uma cultura de cunhas e patrocinato. Daí, “em baixo”, os boys e, “em cima”, os tecnocratas relutantes, muitas vezes desprovidos do mínimo senso político e noção de serviço público, condição para assumirem funções num Estado democrático.

O caso da nova administração da CGD é exemplar de todos estes equívocos. Toda a gente já percebeu que o acordo feito entre o ministro das Finanças e os quadros bancários que entendeu recrutar para a Caixa passava pela manutenção ou mesmo melhoria dos altos salários que já recebiam, e pela isenção da categoria de gestores públicos, numa lei feita à medida, incluindo a desobrigação de apresentação de declarações de património. Foi tudo mal feito, porque o ministro muito provavelmente prometeu isenções que não são legais e os candidatos a administradores pediram um estatuto de privilégio inaceitável em quem vai trabalhar para o Estado e, por muito que não queiram sujar as suas impolutas mãos com essa coisa menor da política, em cargos que têm uma forte componente política.

O seu objectivo não pode ser apenas tornar a CGD “competitiva” com a banca privada, como hoje se repete por todo o lado para justificar os seus salários. Não. É suposto que a CGD tenha também funções em relação à economia portuguesa que não se esgotam nessa “competitividade” e podem até prejudicá-la de algum modo. A CGD é pública por uma decisão política, como política era a intenção do PSD de a privatizar, e só tem sentido como banco do Estado se tiver funções distintas da banca em geral, incluindo alguma regulação indirecta do sector. Isso não significa, como é óbvio, que seja mal gerida ou que se continuem os desmandos cometidos por comissários políticos, cujo papel no agravamento dos problemas da Caixa não pode ser esquecido. Que esta administração rompa com essa época só pode ser saudado, mas isso não lhe dá carta-branca para se comportar como está a comportar-se.

Todas as razões para este acordo são más. António Domingues e a sua equipa podem ser os melhores gestores da banca do mundo, mas a atitude arrogante que estão a tomar é inaceitável. Eles vão trabalhar para um banco público, recapitalizado com dinheiros públicos, receber salários pagos pelos contribuintes, respondem perante uma tutela que é a do Estado. Caem-lhes os parentes na lama se neste contexto tiverem obrigações de transparência e tiverem de ver os seus barcos e casas numa declaração? É incómodo ter estes dados atirados à rua e às “redes sociais” para gáudio de um público sedento de “espiolhar” os ricos e que só acha bem que os jogadores de futebol ganhem fortunas?

Tudo isso é verdade. Pode inclusive colocar em relação a alguns dos novos membros estrangeiros da administração questões de segurança? É verdade, e devem ser acautelados por um formulário que contém dados que devem ser conhecidos da entidade fiscalizadora — o Tribunal Constitucional —, mas que não deviam ser, nem é necessário que o sejam, públicos, porque claramente se violam regras de privacidade que o Estado deveria acautelar. Se o tribunal deve conhecer endereços de casas e matrículas dos carros, não há nenhuma necessidade de isso ser público. Este é um problema que já se colocava para todas as outras declarações, mas com o medo da demagogia ninguém o levantou antes.

É verdade que todo este processo de controlo dos rendimentos e património dos cargos políticos e públicos está inquinado pela demagogia. É voyeurístico onde não deve, violador da privacidade desnecessariamente, desigual, deixa de fora muita gente que não deveria deixar, e é ineficaz onde o deveria ser, mas a obrigação de controlo patrimonial tem sentido para cargos em que o exercício de um poder qualquer envolve dinheiros e bens públicos. O problema é que esta administração, que certamente está de acordo com legislação punitiva para esses inferiores dos “políticos”, acha que os meios em que se move não devem ter escrutínio público.

Ora, eles devem saber melhor do que ninguém, porque estão lá no meio, que os abusos, e mesmo os crimes feitos no âmbito da elite de confiança que manda neste país, não são muito distintos dos “negócios” feitos em baixo nas campanhas eleitorais e nos esquemas dos boys. São é mais caros. Passam-se por detrás das paredes sumptuosas dos grandes escritórios de advogados, em almoços recatados nos restaurantes discretos usados pela elite económica e financeira, nos hotéis de luxo do Algarve e nas residências da Quinta da Marinha ou na Comporta, entre gente que sabe escolher os vinhos e a ordem dos talheres, que convive com outros poderosos de todas as listas dos que “mandam” em Portugal, mas tudo o que se passa “em baixo” passa-se em cima: manipulação da informação feita pelas grandes empresas nacionalizadas para receberem rendas indevidas, violações das regras da concorrência, fugas à regulação, “criatividade fiscal” nos offshores, fraude fiscal, corrupção, tráfico de influências, amiguismo, e desprezo pelo bem público e muito amor aos bens privados.

Por tudo isto, coloquem na rua os boys que falsificam as declarações e não os mudem apenas de emprego para outro lugar de confiança política, e peçam aos senhores administradores da CGD que cumpram a lei. Se há mudanças a fazer de modo a que certos dados das declarações possam ser confidenciais, embora conhecidos do tribunal, procedam em consequência na Assembleia da República, não para estes homens em particular mas para todos. Se isto acontecesse, poderia sair-se desta confusão ainda com vantagem e melhoria para o país, mas a continuar assim, vai acabar tudo mal.

CONVERSA FIADA E SARDINHAS A DEZ... TRABALHO PARA OS VELHOS, JÁ!



Sem Expresso Curto, porque hoje é sábado. E neste sábado chove chuva, chove sem parar. Numa penada usámos palavras cantadas ou ditas por grandes do Brasil. Sei quem são mas não me lembro os nomes. Isto não deve ser amnésia mas sim “Alzeimer” a atacar. Raios partam esta memória falida. Verdade que podia anular todo este parágrafo ou então ir ver na pesquisa da net quem dizia no Brasil “porque hoje é sábado”, assim como o autor de “chove chuva”… mas não. É para que vejam ao que chegamos quando o recheio das cabeças – vulgo miolos - estão velhos e cansados. Adiante.

Não disse mas vou dizer: recorro ao jornal Público para dar por aqui uma voltinha e teclar.


Que o “Primeiro-ministro não foi informado se administradores têm intenção de se demitir. Costa segura Centeno: "É um disparate completo que o ministro das Finanças esteja para sair."

O veneno dá-se bem nos destiladores que são certos e incertos jornalistas com ouvidos de tuberculosos. Chega-se lá alguém e sopra-lhes umas quantas loas com talhe para embaraçar o governo “das esquerdas” (como dizem) e lá vem uma manchete de cacaracá. Enfim, as vozes dos donos sobrepõem-se à profissão. Tem de ser. É incómodo mas sempre vai dando para pagar as contas de uma vidinha mais ou menos ou até boazota.

A UE e o esquentador blenorrágico que é presidente da Comissão Europeia: Juncker quer evitar novos casos Barroso mudando código de ética
     
Que o “Presidente da Comissão Europeia vai propor alargamento do período de nojo de 18 meses para três anos para o seu cargo.”

Está bem. Não deve mesmo ser verdade. Ou será, mas só após uns meses depois de Junker ter terminado o mandato. Assim já poderá juntar-se a Barroso na Goldman Sachs ou até em algo muito melhor. “O que eles querem é tachos”, já dizia o meu avô. Ou como dizia a tia Albertina: “Os políticos andam mascarados durante todo o ano, para eles isto é um grande e eterno Carnaval.” Falam eles em período de nojo, ano e meio. Pois, na volta vai acabar em seis meses. E é se for. Nojentos.

Daqui se induz que o que Junker alega – segundo o jornal – é mais uma grande tanga. De algum modo eles arranjarão maneira de manter os tachos, os conluios, as vigarices. E os trouxas sempre a pagarem e a votarem em muitos desonestos que se misturam com os honestos para não sabermos quem é quem naquele rebanho de devassos dos povos. Dos europeus, neste caso.


Que “Aos 65 anos, os portugueses podem esperar viver apenas mais sete anos sem incapacidades. Em média, as portuguesas têm só mais 5,6 anos sem doenças.” E pode ler-se ainda: “Como a esperança de vida não pára de aumentar, vivemos mais tempo, mas o problema é que o vivemos com menos saúde. “

Referem que os especialistas não percebem o que se passa, que tudo se agravou em 2014. Ora porra, senhores. E a crise, pá! E a fome? E os médicos a que dificilmente se chega por faltarem tantos? E a miséria que nos bate à porta? E o desemprego? Lembram-se do Doutor Morte do governo do Passos, Cavaco, Portas? Pois foi. Foi uma grande merda. Até é provável que o Doutor Morte, que foi ministros da (des)saúde tenha ingressado no negócio das funerárias. É o que está a dar. Ora vão lá ver, senhores jornalistas. “Quem? Ele?Coitado, é tão boa pessoa.” Dirão. Pois é. Mas foi mau ministro. Na onda dos do governo já citado. Está bem, já sabemos que o pior de todos é o Cavaco. Mas todos os da pandilha não são os santos que querem parecer e nos querem impingir novamente. Já repararam que estamos muito mais perto das parecenças do regime de Salazar que do regime após 25 de Abril de 1974? E foi após isso que os que trabalham começaram a ver e a ter alguma vidinha decente. Mas eles já sacaram tudo. Até ao tutano. Cavaco, o PIDE, tratou de fazer o tempo voltar atrás mais que qualquer outro. Estouvadamente, o povinho ainda lhe ofereceu duas presidenciazinhas da República, depois de ele estraçalhar quase tudo em 12 anos de primeiro-ministro. Ora abóboras para isto! Que povo, pá!

E depois, no Público, consta esta pérola de entrevista a uma especialista destas coisas da idade mais avançada, ou velhice: “Continuo a perguntar-me se a reforma faz bem à saúde”. Vê-se mesmo o que o Manel Calinas da rua do Arco da Sabedoria responderia à senhora Valente Rosa, que dirige a Pordata, a entrevistada. Diria assim, se acaso não tivesse morrido por tentar estar imóvel por dois anos na cela da prisão de Pinheiro da Cruz (só chegou aos 48 dias por nem se alimentar) com objetivo de constar imbatível no Guinness World Records: “Se o trabalho dá saúde ponham os doentes a trabalhar.”

Que a senhora Valente Rosa se continue a perguntar é importante. A conclusão será obvia, não para já. Só para quando alguns Passos ou Cavaco, ou qualquer outro neoliberal-fascista formar governo. Até daria muito mais jeito concluir que a reforma faz mal e que os de mais idade deviam ingressar em campos de trabalho para a terceira idade, já equipados com câmaras de gás para os mais rebeldes e que não cooperassem na manutenção da saúde a vergarem a mola por umas míseras refeições e um cobertor na “luxuosa” tarimba oferecida para repousar o esqueleto num curto período de descanso - se não fossem necessárias horas extraordinárias recomendadas pelos doutores morte.

Pronto, acabei. Conversa fiada e sardinhas a dez. Pois. Era um dito popular. Blá blá blá.

Amanhã é domingo. Dia dos senhores... descansarem A plebe que trabalhe. Por uma questão de saúde… e não só.


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