domingo, 31 de dezembro de 2017

PORTUGAL | Condições para um bom ano

Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

O ano de 2018 pode ser bom para Portugal e para os portugueses. Contudo, tal objetivo só será alcançado se existir objetividade na análise ao percurso feito e aos riscos e possibilidades que se nos apresentam a nível nacional, europeu e internacional.

Tem sido dito que 2017 foi "um ano bipolar", evidenciando-se o crescimento económico e o "ano trágico" dos catastróficos incêndios. É uma caracterização simplificada que serve a Direita e pretende condicionar a ação do Governo e da sua maioria parlamentar. Num ano de êxitos em vários campos mas também de acontecimentos negativos, por vezes mal explicados, os conteúdos daquela pretensa bipolaridade devem ser bem "descascados".

Em 2017 o país teve crescimento económico, foi possível criar emprego, reduzir o desemprego e melhorar os rendimentos de muitas centenas de milhares de trabalhadores e reformados. A obtenção destes resultados está associada a fatores de conjuntura interna e externa, ao empenho de trabalhadores, empresários e outros atores da sociedade portuguesa e confirma, como muito positiva, a solução política que suporta o atual Governo e o fundamental das suas políticas. Como o primeiro-ministro assumiu, há agora que dar prioridade ao emprego, apostar na sua qualidade, na qualificação dos portugueses e no combate à precariedade. Mas também é preciso assumir sem rodeios a melhoria dos salários e a revitalização da negociação coletiva, objetivos de que a Direita - e até o presidente da República - fogem a sete pés.

Quanto aos trágicos incêndios, eles aconteceram neste ano, logo este Governo teve e tem de assumir responsabilidades. Houve dimensões dramáticas e muito dolorosas que podiam ter sido evitadas ou minoradas, se alguns serviços do Estado tivessem funcionado como deve ser. Mas as dimensões todas das suas causas vêm de muito longe, envolvem responsabilidades de entidades públicas e privadas que se acumularam. As respostas serão também demoradas. Por agora registam-se algumas reações positivas, mas a mobilização e responsabilização social e política terão de manter-se durante legislaturas, na base de propostas coerentes e não de sugestões casuísticas de mero oportunismo político, como até agora a Direita tem feito.

Na União Europeia (UE), a chegada de Macron à presidência francesa, a constituição de um novo Governo na Alemanha liderado por Merkel, o reforço de forças ultraconservadoras ou fascistas em vários países e a emergência de nacionalismos xenófobos, alimentada pela ausência de respostas aos problemas que os povos enfrentam, o ano de 2018 anuncia-se como um período de potenciais mudanças. Várias das propostas já foram "cozinhadas" há muito e estão prontas a "servir" pelo eixo franco-alemão: transferência de poderes em novas áreas, nomeadamente, no plano económico/financeiro; novos mecanismos de sanção aos Estados (aos mais frágeis); reforço de instituições (formais e informais) como o recém-criado Mecanismo Europeu de Estabilidade que terá pouco ou nenhum escrutínio democrático; diminuição das condições para os países definirem políticas sociais e do trabalho adequadas a estratégias próprias de desenvolvimento são propostas de cunho neoliberal em cima da mesa. Entretanto, pode ser possível que políticas alternativas progressistas ganhem influência e tragam para a agenda problemas concretos dos cidadãos.

O Brexit em vários dos seus aspetos, o fenómeno Trump, o potencial aparecimento de outros Trump no Brasil ou noutros países evidenciam práticas repugnantes e são efetivas ameaças à democracia e à paz, mas não podem ser desculpa para se continuar a impor uma atitude acrítica aos povos e países europeus perante o errático e perigoso rumo da UE.

Não nos deslumbremos com conquistas individuais ou pontuais na esfera europeia. Urge um debate amplo sobre o futuro da UE e da nossa ação neste espaço, integrando-o na busca de condições para que o crescimento económico sirva a diversificação e a melhoria de perfil da economia para termos mais e melhor emprego, melhor saúde, educação, justiça, proteção social e igualdade. Precisamos de políticas articuladas e coerentes, trabalhadas passo a passo, mesmo que sem o aplauso das opiniões dominantes nos média.

*Investigador e professor universitário

MORRA 2017. VIVA 2018, MAS…


Em final de ano é habitual fazer-se uma análise do ano civil que encerra. Só que, se me permitem, irei fazer não uma análise, mas tentarei trazer à colação factos, internos e externos, que estão a ocorrer neste final de mês de Dezembro e que poderão ter implicações, seja onde as mesmas ocorreram ou ocorrem, como na cena internacional; e, como em certas ocorrências internacionais, poderão, também directa ou indirctamente, ter influência na nossa vida política e económica.

a). Comecemos pelos factos internos que me parecem mais importantes ou que mais impacto imediato e futuro poderão ter:

1. O presidente João Lourenço, na linha o que declarou nos comício eleitorais está a levar por diante uma das suas máximas: combate à corrupção, ao nepotismo – no que foi sublinhado pelo antigo presidente dos Santos no Seminário do MPLA sobre estas matérias –; e um dos meios que o presidente Lourenço vê como sendo uma das formas de combater estes dois cancros da nossa sociedade é “exigir” o retorno de capitais exportados ilicitamente para o exterior e, caso reinvestidos no País, não serem objecto de escrutínio quanto à forma e como foram obtidos e saíram.

Ora, este é precisamente um problema com que passarão alguns dos nossos financiadores no exterior. Como retornar parte substancial deste capital – estando aplicados, não poderão sair totalmente do exterior – sem que sejam questionados a sua deslocação e como terão sio obtidos. Algumas notícias recentes mostram que alguns desses capitai, mais que obtidos e forma pouco clara, terão sido conseguidos com manobras pouco ou nada transparentes e com efeitos negativos de onde foram recolhidos. Veremos como o Presidente João Lourenço conseguirá, jurídica e politicamente obter uma vitória económica.

2. E por falar em economia, o OGE para 2018 apresentado na Assembleia Nacional, além de patentear alguma contenção nas despesas, com particular evidência nas que ocorrem com os detentores de cargos públicos e antigos governantes – ui! isto vai dar maka – que vão ver parte dos direitos e regalias cortados ou suspensos, como suspensão da atribuição de veículos do Estado para apoio à residência aos titulares de cargos políticos, magistrados e outros beneficiários, ou os bilhetes de viagem dos titulares de cargos políticos, magistrados, deputados e respetivos cônjuges, passarem da 1.ª classe para a classe executiva e, dos titulares de cargos de direção e chefia, da classe executiva para a classe económica, vai apresentar, pelo 5º ano consecutivo um défice de um défice de 697,4 mil milhões de Kwanzas (cerca de 3,6 milhões de euros ou 4 mil milhões de dólares norte-amricano), equivalente a 2,9% do PIB – ainda assim, bem inferior aos precedentes – e as admissões função pública continuarão congeladas (quero crer que esta medida poderá ser revertida dada a necessidade de aumentar os efectivos policiais e , provavelmente, o número de professores. Veremos o impacto social do primeiro OGE de João Lourenço e como sairá o veredicto da Assembleia Nacional que o Presidente quer que passe a ser mais fiscalizador do Executivo.

b). Na cena internacional quatro factos importantes, três dos quais com evidente impacto directo ou indirecto no nosso País:

3. As relações com Portugal que, ultimamente, estão um pouco frias, devido, em grande parte, a um processo judicial em que está envolvido o anterior vice-Presidente Manuel Vicente. Angola deseja que o processo seja tratado no País, devido à questão da imunidade jurídica por que detém Vicente. Ora, as interpretações jurídicas não coincidem, pelo facto de o processo ter começado antes de se tornar vice-presidente e, pelo meio, estar em causa um processo civil e económico onde a Sonangol estará, ainda que indirectamente, envolvida, por causa do cargo que Vicente lá detinha.

É que uma eventual auditoria, que venha ser levada a efeito na Sonangol, e que incida sobre todos os anteriores gestores, poderá tornar a situação jurídica dos visados, mais alarmante.

4. A questão da República Democrática do Congo, quer nas razões internas – a persistente teimosia de Joseph Kabila (jr.) Kabange em se manter no poder estar constantemente a protelar as eleições gerais, assim como as insurreições internas com os refugiados a colocar problemas nos países vizinho, como, recentemente, em Angola –, quer na área externa com o problema da região dos Grandes Lagos onde a instabilidade política, administrativa e militar da RDC se fazem, também, sentir.
De notar, que João Lourenço já procurou dar um contributo para que as makas congolesas se diluam. Veremos.

5. A eleição de Cyril Ramaphosa, actual vice-presidente sul-africano, na passada segunda-feira, como o novo líder do ANC, aparecendo como o possível sucessor do actual chefe de Estado, Jacob Zuma, que vê a sua posição política e social cada vez mais contestada. E aqui, vamos verificar como Presidente Zuma irá sobreviver tendo como vice-presidente, o seu novo líder político partidário. É que, ao contrário da nossa vida política, em que o presidente do partido, MPLA, que sustém o Executivo não faz parte deste, e o vice-presidente do MPLA é Presidente da República, podendo fazer impor esta sua posição às normas estatutárias do partido, na África do Sul, Zuma não só deixou de ter algum poder no ANC como a sua posição quer dentro do partido como no meio político, jurídico e social sul-africano é muito instável, pelo que é de prever que as eleições gerais sul-africanas deverão ser antecipadas. A Cidade Alta vai ter de estar alerta sobre quais vão ser as novas directrizes políticas que sairão de Petrória. Ramaphosa, ao contrário da sua oponente derrotada, Nkosazana Dlamin Zuma, é visto como muito menos “simpático” com os vizinhos da SADC. A nossa diplomacia terá de estar muito atenta.

6. Finalmente, e ainda que não nos afecte muito directamente – ou talvez, sim, dado ser um local de predileção médica – quando este texto for publicado, já se saberá qual terá sido o veredicto dos catalães nas eleições de quinta-feira. Se as sondagens estiveram correctas ou se, uma vez mais, estas, na linha das recentes sondagens eleitorais internacionais, foram derrotadas; ou se os independentistas mantêm a maioria ou, se os constitucionalistas levaram a melhor, sendo que uma andaluza constitucionalista, a advogada Inés Arrimadas, casada com um independentista catalão, apoiada pelos Ciutadans (catalão para Ciudadanos), venceu as eleições e se vai ter capacidade para entrar no Palácio da Generalitat.

A previsão é que estas eleições terão tido, essa era a perspectiva e as sondagens assim o indicavam, a maior participação de sempre de eleitores em eleições catalãs. Uma eventual vitória dos independentistas poderá provocar um enorme maremoto – desculpem, mas porque temos de usar um nipónico “tsunami” se existe a correspondente palavra portuguesa? – nas algumas periclitantes fronteiras europeias e, por extensão, poderá acontecer o mesmo em outros continentes.

Talvez seja um “flop” como a chamada Primavera Árabe…

Nota Final: Em plena época natalícia aproveito para desejar a todos os colaboradores e leitores do Novo Jornal votos de um, tanto quanto possível, Bom Natal e um pedido ao Presidente João Lourenço que 2018 seja o princípio da retoma e da total liberdade e política, social e afirmação de todos os nossos direitos políticos e sociais – o recente caso de Cabinda, onde uma manifestação não proibida foi impedia de ser realizada e alguns dos seus mentores detidos, não foi um bom princípio – para que Angola entre, definitivamente e sem mais sobressalto na senda da verdadeira recuperação económica para que os nossos descendentes se orgulhem de Nós! Feliz Ano 2018!

*Investigador do CEI-IUL e Pós-Doutorando da FCS-UAN

Publicado no semanário Novo Jornal, edição 514, de 22 de Dezembro de 2017, página 13 (http://www.novojornal.co.ao/opiniao/interior/morra-2017-viva-2018-mas-48134.html)

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais - nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

Angolanos iniciam 2018 em clima de incerteza


Mudanças promovidas pelo Presidente João Lourenço, em 2017, geraram otimismo e expetativas entre os cidadãos. Mas, para economista Josué Chilundulo, não garantem melhoria de vida para as famílias.

O ano de 2017 não foi fácil para muitos angolanos, por causa da crise económica e financeira que continua a assolar o país. Muitas empresas fecharam as portas e centenas de cidadãos caíram no mundo do desemprego. Nascimento Alberto Correia é um destes desempregados.

"Já estou há seis meses desempregado. Este período todo, ficamos sem trabalhar e temos que desenrrascar a vida. Agora, vamos ver como será o próximo ano com esse novo Presidente, o novo líder que temos agora. Estamos a ver que está a mudar um pouco", diz.

João Lourenço tomou posse como Presidente da República de Angola, a 26 de setembro de 2017, na sequência das eleições gerais de 23 de agosto - ganhas pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

No seu discurso de fim de ano, garantiu que 2018 será melhor para os angolanos.

Tomás Alberto Badila é lavador de automóveis numa das ruas do município de Viana, em Luanda. Está otimista.

"Eu espero que o Governo melhore tudo de bom que está a prometer para  juventude. A juventude tem uma força, tem uma boa força", avalia.

Heranças de 2017

Desde que se tornou chefe de Estado, João Lourenço efetuou várias exonerações. Uma das mudanças aplaudidas pelos cidadãos foi a retirada de Isabel dos Santos, filha do Presidente cessante, do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol - principal fonte de receitas do Orçamento Geral do Estado (OGE).

Mas será que, com todas essas mudanças, o bolso dos angolanos também sairá beneficiado? Ou o cinto vai apertar ainda mais?

"Por conceito, as exonerações e nomeações não têm uma relação objetiva com a mudança ou, se quisermos, com a melhoria do bem-estar das famílias em Angola. A razão de ser delas, pelo menos é isso que se transparece, é a questão da busca da eficiência governativa. Isso é igual a termos um Governo mais pragmático, mais próximo dos cidadãos e um Governo mais sensível", responde o economista angolano Josué Chilundulo.

Muitos angolanos entram com incertezas em 2018, apesar do renascimento da esperança - fruto dos sinais que estão a ser dados pelo novo Governo. Josué Chilundulo diz que espera sentir as mudanças na prática.

"O que nós temos estado a perceber é que, do ponto de vista prático, as intenções na generalidade estão descritas. Mas a dinâmica como estas políticas públicas vão ser transformadas é que deixam algunspontos de interrogação", considera o economista.

Momento ainda é de crise

O mercado cambial angolano debate-se com a escassez de divisas.

Uma das saídas apontadas por alguns especialistas é a desvalorização do kwanza, a moeda nacional.

Para o Josué Chilundulo, "qualquer implementação deste processo nos próximos seis meses implicaria o sacrifício das famílias angolanas".

"Estamos com a inflação acumulada muito acima dos 40%. Temos um índice de desemprego muito elevado. A pobreza agudizou-se. Somos uma economia que depende, exclusivamente, da importação. Temos baixo nível de rentabilização das famílias. Mais grave do que tudo isso é que, por enquanto, tudo que se produz neste país depende também de importações", explica.

O economista aponta alguns passos que devem ser dados para se melhorar a economia angolana em 2018.

"Primeiro passo é qualidade do gasto público. É o Estado direcionar o seu gasto, a ponto de provocar um efeito multiplicador sobre as empresas prestadoras de serviço ao Estado. Segundo aspecto é o Estado desenvolver uma política protetora aos pequenos pontos de produção que existem", conclui.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Angola: Lundas prometem manifestação contra precárias condições de saúde

População diz que os dois hospitais da região estão sem condições de atendimento. Desde setembro, dezenas de crianças já morreram. O Governo classifica o caso como epidemia de malária, mas organizações locais discordam.

Os moradores da região das Lundas, no leste de Angola, estão assustados com a quantidade de crianças que têm morrido desde setembro. O Governo angolano classifica a situação como epidemia de malária, facto que as autoridades e organizações locais discordam devido aos sintomas.

De acordo com os líderes locais, pelo menos oito crianças estão a morrer por dia apenas na localidade de Cafunfo, no município de Cuango, na província da Lunda Norte. A localidade conta com cerca de 70 mil habitantes.

Os moradores decidiram realizar uma manifestação na véspera do Natal (24.12) para protestar contra a precária situação que têm enfrentado nos últimos tempos: os dois hospitais da região estão sem condições de atendimento devido à falta de higiéne e carência de medicamentos.

Até os três cemitérios da cidade estão cheios de pequenas valas prontas a receber um elevado número de vítimas diariamente, principalmente crianças. Para Enoque Jeremias, diretor da Associaçao para Promoção de Desenvolvimento Social, o número de menores com idades de 0 a 14 anos que não resistiu aos sintomas de febre alta impressiona até quem trabalha há anos na região.

"Houve um tempo em que estavam a morrer entre oito e 15 crianças por dia, assim, invariavelmente. Um dia morria cinco, em outro dia oito ou 15, sucessivamente. Essa situação se repetia, no dia-a-dia até que ficou difícil calcular quantas mortes, ninguém consegue definir o número exato de crianças que já morreram", detalha Enoque Jeremias.

Governo face à situação

População e grupos de apoio social mostram-se impotentes face ao fenómeno. A ministra da Saúde de Angola, Sílvia Lutucuta, esteve no local recentemente para a entrega de 17 ambulâncias à Administração do Cuango, facto que, para os moradores, não ajudou muito devido a condição precária das estradas.

"As ambulâncias estão aqui, mas não sabemos o que fazer, porque os carros não podem ir a longas distâncias, as estradas não suportam", sublinha Jeremias.

No periodo de uma semana de investigação, as autoridades de saúde angolanas reconheceram oito mortes na localidade que é tida como endémica em períodos como este. Para Enoque Jeremias, a situação melhorou um pouco no início do corrente mês de  dezembro, mas ainda parece longe uma resposta adequada para as crianças que ainda necessitam de tratamento.

O Governo atribui parte da gravidade da situação à forma como as famílias lidam com crenças religiosas para a cura da doença, uma posição que, segundo o  deputado da UNITA, Joaquim Nafoia, não faz grande sentido.

"Este surto foi provocado por neglicência, porque está a chover, a população está a consumir água imprópria, já que não existe aqui nesta região sistema de água canalizada. A população consome água dos três rios que aqui passam e são circundados pelas usinas, há muito lixo acumulado por todos os cantos, incluindo nos rios", pontua o deputado.

 "E a gente pode ver que há aterros sanitários nas nascentes destes rios. O lixo escorre para baixo do solo e a população vai acarretar lá a água para o consumo", descreve Nafoia, quem completa que o Hospital Regional de Cafunfo (o principal da região) não tem corrente elétrica, nem água potável e as casas de banho estão entupidas.

Situação degradante de todas as formas

O resultado  da investigação epidemiológica, promovida a este propósito, refere tratar-se de malária associada a anemia severa, por falta de saneamento do meio e constantes chuvas.

O  inquérito  sustenta  que situações de género aconteceram em períodos homólogos dos anos anteriores. Cuango e Cafunfo são importantes zonas angolanas de exploração mineira. Por isso, entre as vítimas, para além de crianças  angolanas, também estrangeiras, filhas de refugiados e imigrantes da República Democrática do Congo.

Richard Furst | Deutsche Welle

Queda de braço entre Presidente e Judiciário agrava-se em STP

Em nota, Presidência de São Tomé e Príncipe informa ter afastado presidente e relator do STJ de qualquer processo referente à criação do novo Tribunal Constitucional. Decisão é reação à anulação da lei que cria o TC.

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) são-tomense, Silva Gomes Cravid, deixou de acumular as funções de presidente do Tribunal Constitucional (TC), que teve promulgada a sua lei orgânica, indica a Presidência da República, no comunicado.

"Enquanto presidente do Tribunal Constitucional, as funções cessaram com a entrada, na ordem jurídica nacional, do Tribunal Constitucional autónomo", diz o documento da Presidência da República. A informação foi divulgada este sábado (30.12), pela agência Lusa.

No comunicado assinado pelo diretor do gabinete, o Presidente da República, Evaristo Carvalho, afasta igualmente Silva Gomes Cravid e o relator do despacho do Supremo Tribunal de Justiça de "qualquer intervenção" no processo de fiscalização preventiva de constitucionalidade que corra ainda nos tribunais.

A nota é uma resposta ao despacho do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28 de dezembro, que, na qualidade de Tribunal Constitucional, anulou a promulgação pelo chefe de Estado da lei orgânica que cria o novo TC, por considerá-la "ilegal e consequentemente inexistente".

Queixa-crime

O comunicado da Presidência adianta que corre contra Silva Cravid e o juiz relator do despacho uma queixa-crime "por suspeita de prevaricação, denegação de justiça e falsificação" e "ficam ambos imediatamente inibidos de qualquer intervenção no processo".

No despacho do passado dia 28, o STJ disse ter concluído que "o ato do Presidente da República em promulgar o diploma, sem que o Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional decidisse está ferido de inconstitucionalidade, não está imbuído de boa-fé, por isso, é ilegal e consequentemente inexistente".

Dizia ainda o despacho que o Presidente da República tinha conhecimento que decorria um processo de fiscalização preventiva de constitucionalidade da lei aprovada pela maioria parlamentar da Ação Democrática Independente (ADI), sublinhando que, mesmo que não tivesse conhecimento, devia solicitar informação ao tribunal.

"Só por equívoco, ignorância, denegação intencional de justiça e muita má-fé, ou ainda por uma vontade deliberada de inversão dos princípios e regras basilares do Direito de Processo Civil, poderá um juiz do Supremo Tribunal de Justiça afirmar que 'caberia ao Presidente da República solicitar ao tribunal informações sobre a causa", considera ainda o comunicado da Presidência.

Agência Lusa, cvt | em Deutsche Welle

Presidente são-tomense acusado de violar a Constituição

Em causa está a lei assinada por Evaristo Carvalho para a criação de um Tribunal Constitucional independente do Supremo Tribunal de Justiça. Judiciário anulou a decisão presidencial.

O Presidente de São Tomé e Príncipe, Evaristo Carvalho, rejeita a acusação de violar a Constituição ao promulgar lei orgânica do novo Tribunal Constitucional e diz ter cumprido "rigorosamente os preceitos constitucionais". A medida foi anulada, esta sexta-feira (29.12), pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Carvalho foi criticado pelo STJ, que também atua como Tribunal Constitucional do país. O STJ considerou "ilegal e consequentemente inexistente" a decisão presidencial que cria o Tribunal Constitucional, tornando-o uma instituição independente do STJ.

Num comunicado, o Presidente afirma que "a instalação de um Tribunal Constitucional nos moldes previstos nas leis promulgadas marca uma evolução qualitativa no sistema nacional de justiça, estabelecido no país desde o advento da democracia e do Estado de direito democrático".

Evaristo Carvalho sublinha também que a separação do Tribunal Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça "coloca o país em termos legislativos nos patamares mais avançados da administração da justiça constitucional".

O STJ, no entanto, entende que a medida do Presidente é "inconstitucional". "Conclui-se que o ato de promulgar o diploma em apreço, sem que o Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional decidisse sobre o pedido [de fiscalização preventiva de constitucionalidade] está ferido de inconstitucionalidade, não está imbuído de boa-fé, por isso, é ilegal e consequentemente inexistente", diz um despacho do STJ, a que a agência de notícias Lusa teve acesso.

O Supremo Tribunal de Justiça indica que vai continuar a "trabalhar os termos e tramitações processuais impostas pela Constituição da República e pela lei e dará o seu veredicto final dentro de 25 dias".

Oposição também critica o Presidente

Carvalho também foi criticado pelo Partido da Convergência Democrática (PCD), que acusou o chefe de Estado de "violar flagrantemente a Constituição” e de tê-lo feito "a mando” do primeiro-ministro Patrice Trovoada, a quem o partido acusa de "estar a arquitetar um golpe de Estado".

"O que está em marcha neste momento é todo um plano devidamente arquitetado para a usurpação do poder, seu uso de forma exclusiva pelo atual primeiro-ministro Patrice Trovoada, o partido Ação Democrática Independente (ADI) e o seu Governo", acusou o vice-presidente daquela formação política e ex-ministro da Justiça, Olegário Tiny.

Na quinta-feira (28.12), também o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD) havia divulgado um comunicado criticando Carvalho.

"O Presidente violou flagrantemente as suas funções como único garante da constituição, ao promulgar o diploma em referência, deixando os são-tomenses em situação de insegurança jurídica", lia-se na nota.

Um dia após a aprovação da lei orgânica que cria o novo Tribunal Constitucional pela maioria parlamentar da ADI, os partidos da oposição que votaram contra o projeto pediram ao STJ a sua fiscalização preventiva e apreciação de constitucionalidade.

Agência Lusa, tms | em Deutsche Welle

Militares presos em Bissau ainda não têm advogado

Alerta foi feito pela LGDH. Quatro militares foram detidos no passado dia 16, acusados de tentativa de assassínio do chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau, Biaguê Nan Tan. Organização denuncia más condições das celas.

Segundo a Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), a organição está empenhada em constituir advogados para os quatro militares que se encontram detidos na prisão da Base Aérea, em Bissau, desde o passado dia 16, mas ainda não têm representantes legais.

Trata-se de um tenente, um major, um capitão e um 2º sargento, todos pertencentes ao comando da zona leste da Guiné-Bissau.

Á DW áfrica, Augusto Mário da Silva, presidente da LGDH, disse que já foi lançado concurso público para a contratação dos advogados de defesa.

"Nós estamos em contato com a Ordem dos Advogados no sentido de poder disponibilizar os advogados para patrocinar o caso dos militares que, neste momento, estão detidos e que não têm condições financeiras para contratar um advogado," revelou.

No âmbito do projeto de acesso à Justiça financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), "a entidade já disponibilizou uma verba para o feito", informou da Silva acrescentando que "a Ordem dos Advogados já lançou o concurso para a contratação do escritório de advogados disponível e com perfil para patrocinar o caso".

Sem as "mínimas condições"

No passado sábado (23.12), na companhia do presidente do Tribunal Militar Superior, general Daba Na Walna, o presidente da Liga visitou as celas da Base Aérea, onde se encontram os quatro detidos, aos quais entregou colchões de espuma, baldes, material de higiene pessoal e mosquiteiros.

O general Na Walna, agradeceu o "contributo da Liga para a emancipação da pessoa humana", mas garantiu que todos já foram presentes ao juiz que legalizou a prisão preventiva dos quatro suspeitos.

Em declarações aos jornalistas, que não foram autorizados a visitar as celas, Augusto Mário da Silva disse que as celas "não têm as mínimas condições" e que a alimentação dos mesmo "deixa muito a desejar".

"Não haviam colchões, as casas de banhos estão entupidas, também as refeições não são regulares. Constatamos tudo isso e esperamos que o Estado Maior faça alguma coisa para melhorar a situação dessas pessoas que neste momento estão nas celas", descreveu.

O presidente da LGDH, acrescentou ainda que a organição continua a acompanhar a evolução da situação.

"Acreditamos que o Tribunal Militar vai assegurar as garantias dos direitos dos detidos, permitir que todos eles tenham advogados e que os advogados façam o seu trabalho como deve ser", afirmou.

Próximos passos do processo

"Pelas informações que nos chegam, de certo modo estão ligadas à Justiça Militar, dão conta de que já foram todos ouvidos", disse o presidente da LGDH, acrescentando que “cabe agora à Promotoria limitar neste caso - verificar de acordo com o que ouviu no inquérito, se há mataria para acusar ou não".

"Se a Promotoria da Justiça Militar chegar à conclusão de que há mataria para acusar, proferirá uma acusação provisoria e, depois dar-se-á aos suspeitos o direito de pugnarem contraditoriamente", explicou, podenrando, no entanto que, "se a impugnação contraditória não convencer, avance-se para a acusação definitiva face ao julgamento".

"E, se por contrário, chegar-se à conclusão de que não há matéria para o processo andar, mande-se arquivar o processo ilibando da responsabilidade os detidos" concluiu.

Fátima Tchumá Camará (Bissau) | Deutsche Welle

"Interesses políticos" ditaram arquivamento do caso "Nino" Vieira?

O analista político Suleimane Cassama questiona a decisão do Ministério Público da Guiné-Bissau de mandar arquivar as investigações sobre a morte do ex-Presidente guineense "Nino" Vieira, que acusa de falta de vontade.

Normalmente, os crimes públicos não prescrevem, muito menos havendo vontade do Ministério Público em avançar com as investigações. É esta a reação do analista Suleimane Cassama à decisão do Ministério Público da Guiné-Bissau, que por ordem do Tribunal Constitucional vai mandar arquivar o processo de investigações sobre o assassinato, a 2 de março de 2009, do ex-Presidente "Nino" Vieira e do ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Tagmé Na Waié. O anúncio foi feito esta quinta-feira (28.12) pelo procurador-geral da República, Bacari Biai.

Suleimane Cassama diz que o Ministério Público da Guiné-Bissau nunca se posicionou de forma clara sobre as investigações. "Surpreende-nos que o procurador-geral venha dizer que baseia a sua posição no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Um acórdão que, simplesmente, retira ao Ministério Público algumas competências e que o próprio Ministério Público não reconhece", sublinha.

Em entrevista à DW África, o analista político salienta ainda que a retirada de competências ao Ministério Público não é motivo para este arquivar o processo definitivamente.

"Interesses políticos e financeiros"

Para Suleimane Cassama, por trás da decisão de mandar arquivar as investigações existem "interesses políticos e financeiros". "Estamos a falar de crimes de sangue de pessoas com cargos públicos, nomeadamente o Presidente da República e o chefe de Estado Maior General das Forças Armadas. Portanto, aqui há interesses. No meu entendimento, alguns interesses políticos e até de origem inconfessável, até pode ser financeiro", afirma.

O analista sublinha que a morte de "Nino" Vieira e de Tagmé Na Waié deve ser esclarecida e que não se pode tomar decisões sem conhecer os autores dos crimes.

Para o especialista, a saída para o problema deveria passar por uma discussão na Assembleia Nacional Popular, mas num "contexto político normal" no país, que vive atualmente uma crise política profunda.

Suleimane Cassama questiona ainda por que motivo foram escolhidos estes dois processos, sabendo que existem muitos outros casos de crimes de sangue.

"Há processos que estão lá. Porque é que o procurador vai precisamente selecionar [estes casos]? Que nos traga uma interpretação que diga isso. Porque é que ele, do mesmo modo, não encerra outros crimes de sangue? Portanto, não se consegue compreender o porquê de posicionar-se exatamente nesta situação, com base num acórdão que não diz nada sobre o assunto. Isso é no mínimo incompreensível", questiona.

Procurador refuta críticas

O procurador-geral da República, Bacari Biai, responde às críticas, afirmando que não foi ele quem selecionou os processos, cujas investigações deverão ser suspensas. "Eu não escolhi! Isso não levanta a questão de que eu escolhi aleatoriamente estes crimes, não é nada disso", reagiu.

Em entrevista  à DW África, o procurador-geral disse ainda que não concorda com a diretriz do Tribunal Constitucional, porque acha que vai prejudicar as investigações.

Na quinta-feira (28.12), Bacari Biai afirmou aos jornalistas que o processo deve ser arquivado, porque o Tribunal Constitucional manda que seis meses depois do início de qualquer averiguação em curso no Ministério Público ou há uma acusação ou o processo é arquivado.

O procurador explicou que a investigação da morte de "Nino" Vieira não avançou por não ter sido possível ouvir a versão de Isabel Vieira, esposa do falecido Presidente, na qualidade de testemunha ocular do assassínio do marido.

Ângelo Semedo | Deutsche Welle

Foto: Tagmé Na Waié (esq.) e "Nino" Vieira foram assassinados em 2009

sábado, 30 de dezembro de 2017

FIDEL NA VANGUARDA DAS VITÓRIAS ESTRATÉGICAS


“Por todos los caminos les vamos a hacer resistência. Com estas palabras, certeras como su propira punteria, el Comandante en Jefe Fidel Castro preludia desde los dias de Abril de 1958, la ofensiva de verano que el Ejército de la dictadura lanzará contra el Primer Frente Rebelde y la tenaz defensa de esse território por las fuerzas guerrilleras, en el firme de la Sierra Maestra” – do livro “La Victoria estratégica”, de Fidel Castro Ruz (oferta dos meus camaradas e companheiros de luta José Manuel Silva e Jorge Silva, “Sapo”).

Martinho Júnior | Luanda

1- A luta armada, radicalizada contra um dos mais empedernidos e corruptos fascismos, avassalado ao poder do império, marcou desde o início a primeira campanha do Movimento 26 de Julho, inaugurada com o desembarque do Granma e a afirmação de domínio no inexpugnável baluarte guerrilheiro da Sierra Maestra e da clandestinidade urbana em Santiago de Cuba, a leste do território da maior das Antilhas.

Nas trilhas da Sierra Maestra às poucas dezenas de sobreviventes do desembarque do Granma, pouco a pouco vieram-se juntar torrentes de homens motivados, aspirando à liberdade, à independência e à soberania em Cuba, não mais apenas como uma revolta de escravos que rompiam velhas grilhetas, mas sobretudo enquanto combatentes animados por um dever patriótico revolucionário, que das veredas das guerrilhas, começaram a abrir as avenidas próprias duma longa história de resgates por fazer!

O livro detalha a primeira grande vitória estratégica, que passou por uma necessidade intrínseca de sobrevivência e vontade de vencer, um teste que foi servindo ao longo da vida dos que foram guerrilheiros vanguardistas e souberam transmitir a todo o povo cubano e outros povos, integrando-os com seu próprio exemplo nas fileiras revolucionárias, a essência duma sabedoria que numa lógica com sentido de vida se abre e transmite hoje inexoravelmente a toda a humanidade!

2- … E as vitórias estratégicas sucederam-se imparavelmente desde aí, mesmo que alguns sugiram que em muitas frentes de luta houvesse derrotas!

Assim foi por que na luta sempre houve capacidade estratégica alicerçada, inteligente e firme na observância dialéctica materialista da história e nessa via desburocratizada e ardente, esteve sempre presente a lúcida noção do que fazer e do como fazer para se alcançar um mundo mais justo, mais equilibrado e mentalmente saudável, um mundo melhor para toda a humanidade!

Ao longo dessas avenidas tornadas pujantes artérias abertas na América Latina e em África, tal como nos primórdios do Movimento 26 de Julho, o fascismo, o colonialismo, o “apartheid” e muitas das suas sequelas que davam e dão corpo à perversidade neocolonial, foram sempre identificáveis e assim como identificados foram os inimigos a vencer, pois os resgates só poderiam ter início com autodeterminação, independência e uma visão progressista para todos os deserdados da Terra!...


… Recorde-se:

Quantos Vietnames houve que multiplicar!?...
  
3- De Vietname em Vietname, balanceie-se assim em relação à América Latina, entre o tanto que há a balancear, como Fidel vive:

Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos, que o Comandante Fidel considerava de “Ministério das Colónias dos Estados Unidos” todavia, décadas depois, toda a América Latina, unanimemente, votou pelo seu regresso… Cuba renunciou dignamente ao seu retorno, por que entretanto não havia mais tempo a perder, nem viabilidade ética para esse retorno identificado com o passado: organizações livres, voltadas para um futuro de progresso dos povos e de integração, ao nível da ALBA, da CELAC, do CARICOM, da UNASUR e outras, davam garantias de não mais ser possível marcar o passo do retrocesso à era das trevas e das vassalagens!...

O Che morria fisicamente na Bolívia, esmagado pelas conexões da CIA, pelos fantoches do costume e pela perfídia de alguns traidores, mas a epopeia internacionalista do Che não morreu de tédio e levanta-se hoje com a memória fogosa dos povos, uma memória ávida de causas justas e dum amor rigoroso para com toda a humanidade… e na Bolívia ergue-se hoje um país progressista e sensível ao legado da identidade dos seus povos indígenas, emergindo das veias abertas pelo colonialismo nas Américas como outra das oxigenadas artérias!...

Semearam a Operação Condor, perante o exemplo de Cuba revolucionária e rebelde, as defesas torcionárias das fortalezas do neocolonialismo e das agenciadas oligarquias latino-americanas fantoches do império, sustentáculo então do embrião da hegemonia unipolar, emergindo dum passado de horrores nazis e da Escola das Américas… mas das entranhas das ditaduras que queriam impedir com as mãos os ventos da dignidade, da solidariedade e do internacionalismo, outra América se ergue, duzentos anos depois de suas primeiras bandeiras e enfrenta clarividente, particularmente na Venezuela Bolivariana, a segunda vaga do Condor, sem jamais se deixar intimidar!...

4- Como se pode balancear em relação a África:

Perante um Condor não declarado da internacional fascista instalado enquanto colonialismo, “apartheid” e tantas de suas sequelas, perante um corpo inerte onde cada abutre vinha depenicar o seu pedaço, de Argel ao Cabo da Boa Esperança, Cuba revolucionária ergueu-se em irmandade com o movimento de libertação em África, disposta a desencadear a Operação Carlota até aos horizontes dos imensos resgates que há a realizar... e tudo isso ocorreu no preciso sentido contrário da visão do Cabo ao Cairo do colonialismo britânico sob a égide de Cecil John Rhodes!

Dizia o Che, rigoroso, honesto, digno e exigente para consigo próprio, que a sua passagem por África teria sido “a história de um fracasso”… todavia a sua semente não caiu num estéril deserto e à internacional fascista da África Austral, tecida secretamente nas teias do Exercício ALCORA, o movimento de libertação ergueu-se em estreita aliança com a revolução cubana, levou até ao fim a sua saga de linha da frente contra o colonialismo e o “apartheid” e persiste na sua luta contra as sequelas que se acobertam do capitalismo neoliberal e de sua terapia post traumática!

África que continua a ser assolada pela doença e pela ignorância própria dos que integram a cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano, tem numa Cuba revolucionária, solidária e internacionalista, Cuba tantas décadas dirigida pela clarividência do Comandante Fidel, garantia de indefectível irmandade transatlântica, disponível para os imensos resgates que em comum há que realizar! 

5- Mas as vitórias geoestratégicas, perante as crises contemporâneas estimularam outro nível de respostas sempre na unicidade entre teoria e prática, sublimando a dialética histórica com o pensamento e a prática do próprio Fidel:

O Comandante foi dos primeiros a alertar que ao haver uma espécie em perigo, o homem, estar também a ser afectada a Mãe Terra, garante da vida tal qual a conhecemos, a nossa “casa comum”, o pequeno planeta azul!

O Comandante foi dos primeiros a, entendendo a constante necessidade de desburocratização do socialismo e para que Cuba jamais fosse uma fruta madura a cair da árvore para o banquete dos poderosos, graduar o processo cultural revolucionário, estendendo-o às artes, à investigação e às ciências, como à democracia participativa, de forma a superar todo o tipo de riscos inerentes ao bloqueio e às mais diversas agressões que sobre o povo cubano têm sido lançadas pelo actual quadro de hegemonia unipolar (como antes pelo império), o processo agenciado pela aristocracia financeira mundial desde aqueles remotos anos post IIª Guerra Mundial!

O Comandante foi ainda dos primeiros a procurar respostas clarividentes a todo o tipo de fenómenos inerentes ao capitalismo neoliberal e suas transversalidades, até por que Cuba bloqueada era um laboratório dilecto, onde tudo o que fosse tenebroso era experimentado em primeiro lugar para, ainda que as experiências não resultassem ali, fossem utilizadas com adaptações nas contínuas agressões a outras nações, estados e povos, por parte da hegemonia unipolar!... algo inerente ao actual domínio nas comunicações globais, por parte dos interesses privados da aristocracia financeira mundial!...


6- As vitórias estratégicas de toda a humanidade não se cingem hoje às vitórias estratégicas resultantes do pensamento e da acção directa do Comandante Fidel com ele em vida (e de todos aqueles que a partir da saga dos Comandantes revolucionários e dos libertadores dos continentes, deram substância à lógica com sentido de vida)!

A singularidade humana de Fidel ilumina enquanto vanguarda outras vanguardas que se disseminam, fluindo da visão do monolítico onde repousam suas cinzas!

Dessas multiplicadas vanguardas, despertam algumas das presentes gerações, como as futuras para uma capacidade de luta que expandirá as artérias oxigenadas continentes adentro, ali onde ainda medram os mais obscuros rincões da Terra, onde Fidel palpita numa latente rebeldia!

A batalha das ideias está mais acesa que nunca, apesar do domínio avassalador de 1% nas comunicações globais e é uma incontornável transversalidade para a perversidade dos termos da hegemonia unipolar nos processos correntes de globalização capitalista neoliberal, por que é dialeticamente contraditória a esses interesses dominantes e contra a vontade estruturalista e sectária dos poderosos da Terra!

O grito de “a Luta Continua”, é inerente ao processo dialético global do lado dos deserdados da Terra e isso confere uma imensa responsabilidade, individual e colectiva, à paz e a todos os progressistas e combatentes da liberdade, mais agora face às avassaladoras crises que em cadeia assolam humanidade e Mãe Terra!

Aí Fidel está bem desperto e vive!

Inspirados no pensamento e na prática vanguardista de Fidel, inspirados na pedra filosofal que é o singular túmulo onde repousam suas cinzas em Santa Efigénia, onde tantos se irão rever e buscar energia acima de suas próprias forças e capacidades, na heroica Santiago de Cuba e face a face à persistente ocupação de Guantánamo, assim como “pátria es humanidade”, há outra certeza em honra da exemplar dignidade de Fidel: A LUTA CONTINUA!

Martinho Júnior - Luanda, 25 de Novembro de 2017, 1º aniversário do desaparecimento físico do Comandante Fidel de Castro Ruz.

Ilustrações extraídas de La victoria estratégica | La victoria estratégica – http://www.granma.cu/granmad/secciones/la_victoria_estrategica/index.html

BRASIL | Política econômica ortodoxa e a nova rodada de supressão de direitos


"Apesar dos avanços recentes, detemos a 15ª pior concentração de renda do mundo", pontua o economista Eduardo Fagnani

“É preciso acabar com o Fator Previdenciário porque ele é socialmente injusto. Ele penaliza os trabalhadores mais pobres que entram mais cedo no mercado de trabalho”, defende Eduardo Fagnani à IHU On-Line. O economista explica que aqueles que ingressam no mercado de trabalho aos 15 anos de idade acabam contribuindo por 45 anos para conseguirem a aposentadoria integral, ao invés de cumprirem 35/30 anos de tempo de serviço. “Desde a implantação do fator (1999), houve sim uma redução expressiva do fluxo de novas ‘aposentadorias por tempo de contribuição’. Mas, de fato, outra parcela dos trabalhadores decide se aposentar mesmo com a incidência do fator, deixando de ter o benefício integral”, avalia.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, comenta a proposta de refazer o cálculo da aposentadoria a partir da fórmula 85/95. “Assim, por exemplo, uma mulher precisa ter no mínimo 30 anos de contribuição e, com 55 anos de idade, teria direito a se aposentar com benefícios integrais. No caso dos homens, eles precisariam ter no mínimo 35 anos de recolhimento e, com 60 anos de idade, poderiam se aposentar com o valor integral. Esta fórmula tem sido defendida pelas Centrais Sindicais e parece ser um bom ponto de partida para as negociações. Beneficia os trabalhadores mais pobres, porque, como mencionado, eles entram muito precocemente no mercado de trabalho”.

O pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho – CESIT enfatiza que na comparação internacional acerca da aposentadoria, “o Brasil, desde 1998, é um ponto fora da curva quando se analisa a combinação esperança de vida, idade para aposentadoria e tempo de contribuição. Aqui com esperança de vida de 74,9 anos exige-se 65/60 anos para se aposentar e 18 anos de contribuição (no caso da ‘Aposentadoria por tempo de serviço’), ou 35/30 de contribuição e 65/60 anos de idade (‘Aposentadoria por tempo de contribuição’)”.

Na avaliação do economista, “a questão de fundo” a ser enfrentada na agenda de desenvolvimento diz respeito “ao fato de que as elites políticas e econômicas do país jamais aceitaram os avanços na Seguridade Social obtidos na Constituição de 1988, mesmo quando se trata apenas de garantir direitos sociais básicos para a construção de uma sociedade democrática e justa. Pressionados por esses atores, desde 1989 os Poderes Executivo e Legislativo optaram por não implantar dispositivos constitucionais pétreos relativos à Seguridade Social (organização, financiamento e controle social)”.

Ele lembra ainda que a estratégia ortodoxa de ajuste macroeconômico do governo poderá não só conduzir o país para a recessão, mas terá “reflexos negativos sobre o mercado de trabalho”. O atual cenário “aponta para graves desequilíbrios financeiros nas contas da previdência. Esta será a senha para novas rodadas de reformas para suprimir direitos. Já vivemos isso nos anos 1990”, conclui.

Eduardo Fagnani é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Ciência Política e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente leciona no Instituto de Economia da Unicamp e coordena a rede Plataforma Política Social.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Pode nos explicar em que contexto e por que foi criado o Fator Previdenciário no Brasil? Ele conseguiu cumprir seus objetivos?

Eduardo Fagnani – Com base na experiência chilena, no início da década de 1990 o Banco Mundial elaborou o conhecido “modelo dos três pilares”. Ao Estado cabia somente atuar no “pilar inferior” (pobreza extrema). O setor privado atuaria nos pilares superiores. Após o Chile, nove países de América Latina privatizaram a previdência social na década de 1990.

O governo de Fernando Henrique Cardoso procurou seguir essa trilha. Em março de 1995, o Executivo encaminhou ao Congresso a PEC n. 33/95 que tratava da reforma da previdência. No final de 1998 foi concluída uma etapa importante, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 20/98. Essa Emenda implicou retrocessos na Constituição de 1988. Além de suprimir direitos, seu objetivo último era fomentar, para o setor financeiro privado, o mercado de previdência complementar do Regime Geral da Previdência Social – RGPS e do Regime Próprio da Previdência do Servidor Público – RPPSP para o setor financeiro.

O primeiro passo foi tornar restritivas as regras de acesso ao RGPS e ao RPPSP. No caso do setor público, obteve-se êxito ao conjugar idade mínima (65 anos para homens e 60 para mulheres) e tempo de contribuição (35/30 anos).

No caso do RGPS, essa regra foi freada pelo Congresso, que instituiu duas formas de aposentadoria: 1) A “aposentadoria por idade” (65/60 anos, mais 18 anos de contribuição); 2) A “aposentadoria por tempo de contribuição” (35/30 anos e idade mínima de 53/48 anos). Nesse caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos, incide o “Fator Previdenciário”, criado em 1999, que penaliza o indivíduo que cumpre o tempo de contribuição, mas não possui idade mínima para se aposentar. Ele suprime parcela do valor do benefício e incentiva a postergação da data da aposentadoria.

Além de restringir as regras para a aposentadoria, foi estipulado um teto nominal de benefícios extremamente baixo (atualmente de R$ 3.916,00). Com isso, os contribuintes (RGPS e RPPSP) que desejarem uma aposentadoria com valor acima desse teto seriam forçados a aderir aos fundos de previdência complementar geridos pelo setor financeiro.

O segundo passo foi a pronta regulamentação do Regime da Previdência Complementar – RPC, voltado para os trabalhadores do RGPS que pretendessem receber acima do teto.

O terceiro passo era fazer o mesmo com a previdência do servidor público, o que implica em transferir para o setor financeiro a gestão de parte expressiva da contribuição previdenciária de mais de seis milhões de funcionários ativos da União, dos estados e dos maiores municípios do país. A tramitação da medida foi longa e somente foi concluída em 2012 (governo Dilma Rousseff).

Ineficácia do setor previdenciário

A “eficácia” do Fator na redução das aposentadorias por “tempo de contribuição” é patente: o fluxo anual de novas aposentadorias reduziu-se pela metade a partir de 1999. É importante observar que a aposentadoria “por tempo de contribuição” é acessível para uma parcela restrita dos trabalhadores: aqueles que entraram no mercado de trabalho há cerca de 40 anos, período de crescimento econômico elevado, baixo desemprego e maior taxa de formalização do emprego. Aqueles que entraram no mercado de trabalho a partir dos anos 1990 dificilmente conseguirão comprovar 35 anos de contribuição, em decorrência das diversas modalidades de contratação flexível. Observe-se que, em 2011, 54,7% das aposentadorias concedidas foram “por idade” e apenas 28,0% por “tempo de contribuição”. As aposentadorias por “invalidez” representaram 17,2% do total.

IHU On-Line – Como o senhor está avaliando as articulações do governo Dilma com as centrais sindicais para acabar com o Fator Previdenciário? É preciso acabar com o Fator Previdenciário? Por quais razões? Quais são os prós e contras do Fator Previdenciário para o trabalhador?

Eduardo Fagnani – Aparentemente o tema não vinha sendo tratado pelo governo, a despeito das pressões do movimento sindical. Na semana passada, o Ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, recolocou a questão na pauta. É provável que o atendimento a essa antiga reivindicação das Centrais Sindicais seja uma contrapartida para aliviar as tensões acirradas em virtude das medidas provisórias que afetam os benefícios previdenciários e o seguro-desemprego, duramente criticadas pelo movimento sindical.

É preciso acabar com o Fator porque ele é socialmente injusto. Ele penaliza os trabalhadores mais pobres que entram mais cedo no mercado de trabalho (por volta dos 15 anos). Os mais abastados estudam por um período mais longo e começam a trabalhar mais tarde (por volta dos 25 anos). Quem começa a trabalhar com 15 anos de idade, pode contribuir durante 35/30 anos antes de ter 65/60 anos de idade. Para cumprir a regra do Fator, para ter a aposentadoria integral ele acaba contribuindo por mais de 45 anos. Esse fato é inédito na experiência internacional. Além disso, anualmente o IBGE revisa a expectativa de vida do brasileiro; isso também afeta a regra do Fator, exigindo mais tempo de contribuição.

IHU On-Line – O ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, declarou que “o Fator Previdenciário é ruim porque não cumpre o papel de retardar as aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que faça isso e defendo o conceito do 85/95 como base de partida”. Pode nos explicar a nova fórmula sugerida pelo governo (85/95) (mulheres/homens)? O que muda com ela? O Ministro diz que ela beneficia os mais pobres. Como?

Eduardo Fagnani – Desde a implantação do fator (1999), houve sim uma redução expressiva do fluxo de novas “aposentadorias por tempo de contribuição”. Mas, de fato, outra parcela dos trabalhadores decide se aposentar mesmo com a incidência do fator, deixando de ter o benefício integral.

A fórmula 85/95 combina a soma da idade e do tempo de serviço, respectivamente, para mulheres e homens. Assim, por exemplo, uma mulher precisa ter no mínimo 30 anos de contribuição e, com 55 anos de idade, teria direito a se aposentar com benefícios integrais. No caso dos homens, eles precisariam ter no mínimo 35 anos de recolhimento e, com 60 anos de idade, poderiam se aposentar com o valor integral.

Esta fórmula tem sido defendida pelas Centrais Sindicais e parece ser um bom ponto de partida para as negociações. Beneficia os trabalhadores mais pobres, porque, como mencionado, eles entram muito precocemente no mercado de trabalho. Mas é preciso alertar que há determinados setores que defendem a chamada fórmula 95/105 e que é uma estultice sem tamanho para a realidade socioeconômica brasileira.

IHU On-Line – O ministro sugere reavaliar a idade média de aposentadoria, alegando que o cidadão se aposenta com 54 anos e fica 30 anos recebendo aposentadoria e isso onera o sistema. Essa discussão é factível? Qual seria a idade adequada para a aposentadoria?

Eduardo Fagnani – O Ministro de refere à expectativa de vida após o primeiro ano de vida. O indivíduo que sobreviva ao primeiro ano de vida teria, em média, uma expectativa de vida de 84 anos. Para efeitos de comparação, tomando-se a expectativa de vida ao nascer, a média calculada para os brasileiros é de 74,9 anos para ambos os sexos em 2013, segundo o IBGE. Mas existem diferenciais expressivas entre unidades da federação. Santa Catarina (78,1 anos) tem indicadores muito superiores aos registrados no Maranhão (69,7) ou Alagoas (70,4), por exemplo.

Na comparação internacional, o Brasil, desde 1998, é um ponto fora da curva quando se analisa a combinação esperança de vida, idade para aposentadoria e tempo de contribuição. Aqui com esperança de vida de 74,9 anos, exige-se 65/60 anos para se aposentar e 18 anos de contribuição (no caso da “Aposentadoria por tempo de serviço”), ou 35/30 de contribuição e 65/60 anos de idade (“Aposentadoria por tempo de contribuição”).

Assim, em 1998, com a Emenda Constitucional 20, conseguiu-se transpor para o Brasil padrões semelhantes ou superiores aos existentes em países desenvolvidos. No caso da “aposentadoria por idade”, a idade mínima de 65 anos não era adotada sequer em países como a Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal (60 anos) e os EUA (62 anos) e equivale ao parâmetro seguido na Suécia, Alemanha e Áustria (65 anos), por exemplo.

No caso da “aposentadoria por tempo de contribuição”, o patamar (35/30 anos) era superior ao estabelecido na Suécia (30 anos) e se aproximava do nível vigente nos EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha (35 a 40) e França (37,5), por exemplo. Como se sabe, esses países têm renda per capita bastante superior à brasileira e a expectativa de vida ao nascer é superior a 80 anos.

De fato, o crescimento da expectativa de vida requer ajustes nas regras da previdência social. Mas esses ajustes devem levar em conta a especificidade da nossa situação de capitalismo tardio. Apesar dos avanços recentes, detemos a 15ª pior concentração de renda do mundo. Os parâmetros internacionais deveriam servir como referência para as negociações em curso.

IHU On-Line – O Ministro declarou que os ajustes anunciados pelo governo em relação ao aperto na concessão dos benefícios sociais, como as pensões por morte e auxílio-doença, não são novidade e já vinham sendo discutidos entre o governo e as centrais e que as centrais “sabem da necessidade de se manter uma Previdência equilibrada”. Como tem se dado essa discussão? Desde quando ela tem sido feita?

Eduardo Fagnani – Não saberia dizer o estágio de negociações entre governo e as Centrais sindicais. Mas propostas deste tipo têm sido recorrentemente colocadas em pauta pelas forças do mercado. Isso ocorreu, por exemplo, em 2007 no âmbito do Fórum Nacional da Previdência Social, e foram rechaçadas pelas Centrais Sindicais. Depois disso a economia cresceu, as contas da previdência melhoraram e o tema saiu da pauta. O ajuste fiscal ortodoxo em curso certamente recolocou o tema na ordem do dia.

IHU On-Line – Ainda sobre esse assunto, o Ministro informou que em 2014 o governo gastou R$ 94,8 bilhões com pensões por morte e esse dinheiro todo foi para 7,4 milhões de pensionistas, e com o auxílio-doença foram gastos R$ 25,6 bilhões para 1,7 milhão de beneficiados. Ele alega que o governo tem gasto uma fortuna com isso. O que precisa ser feito em relação a esses benefícios?

Eduardo Fagnani – Pessoalmente, não sou contrário à realização de mudanças para corrigir algumas distorções no sistema de pensões por morte. No caso do auxílio-doença, o maior problema parece relacionado ao represamento da concessão do benefício, além da reduzida participação do setor privado no seu financiamento.

O enfrentamento dessas questões deveria ter sido proposto pelo governo pela via do diálogo com o movimento social. Poderia ter proposto, por exemplo, um fórum para debater esses temas, como ocorreu em 2007. O problema foi a forma (sem qualquer negociação prévia com as centrais sindicais), o momento (imediatamente após a vitória eleitoral) e o conteúdo (na direção oposta do que foi prometido na campanha) das medidas provisórias. Essa conjugação de fatores acirrou desnecessariamente as tensões com o movimento sindical, uma das principais bases de apoio do governo democraticamente eleito.

Na ausência da busca de diálogo para o consenso prévio, joga-se a decisão para o Congresso Nacional ainda mais conservador e fisiológico. O resultado desse embate poderá ser dramático para a proteção social brasileira.

IHU On-Line – O ministro também fala na necessidade de manter a previdência equilibrada. O que isso significa?

Eduardo Fagnani – Na década passada, a questão do crescimento voltou a ser espaço na agenda nacional e a forte recuperação do mercado de trabalho potencializou a arrecadação previdenciária. O segmento urbano voltou a ser superavitário, fato que não ocorria desde 1996. A realidade derrubou o mito de que a expansão dos benefícios e a recuperação real dos seus valores (decorrentes da agressiva política de valorização do salário mínimo) “quebraria” a Previdência.

A experiência recente demonstra que o equilíbrio financeiro da previdência depende, fundamentalmente, do crescimento da economia (fator exógeno). Não se sustenta o mito de que esse equilíbrio depende tão somente do corte de despesas (fator endógeno), o que não signifique que ajustes pontuais devam ser realizados.

A recente adoção de uma estratégia ortodoxa de ajuste macroeconômico poderá conduzir o país para a recessão, com reflexos negativos sobre o mercado de trabalho e sobre as receitas governamentais. A elevação das taxas de juros ampliará o endividamento e as necessidades de superávit primário. Esse cenário aponta para graves desequilíbrios financeiros nas contas da previdência. Esta será a senha para novas rodadas de reformas para suprimir direitos. Já vivemos isso nos anos 1990.

IHU On-Line – O ministro diz que muitas forças políticas sugerem uma “grande reforma da Previdência”, mas ele é contrário. É preciso ou não uma reforma? Por que e em que consistiria?

Eduardo Fagnani – Propor uma “grande reforma da Previdência” é um despautério sem limites. Essa “grande reforma” já foi feita por FHC nos anos 1990 (EC 20/1998). Como mencionado, no caso da “aposentadoria por idade”, conseguiu-se transpor para o Brasil padrões semelhantes ou superiores aos existentes em países desenvolvidos. A exigência de 65/60 anos não era adotada sequer em países como Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal, por exemplo. A própria Organização Mundial de Saúde (FIBGE, 2002:9) estabelece clara diferença entre a população idosa nos países desenvolvidos (acima de 65 anos) e nos países em desenvolvimento (acima de 60 anos). No caso da “aposentadoria por tempo de contribuição”, além do injusto Fator Previdenciário, passou-se a exigir a comprovação de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Esse patamar era semelhante ou superior ao adotado nos países escandinavos, por exemplo.

A vigência dessas regras mostra-se paradoxal, se consideramos que não há como demarcar qualquer equivalência entre esses países e o nosso contexto socioeconômico e demográfico de capitalismo tardio. Há um enorme hiato que nos distancia dos países desenvolvidos no tocante ao PIB per capita, à concentração da renda, à desigualdade social e à expectativa de vida.

O que eles querem fazer? Elevar a idade de aposentadoria para 70 anos? Querem que o brasileiro contribua para a previdência por mais de 40 anos? Estamos perto da liderança do campeonato mundial de concentração da renda. Também seremos campeões mundiais em regras de acesso à aposentadoria?

IHU On-Line – Quais são os principais problemas da previdência hoje? Que pontos deveriam entrar em discussão?

Eduardo Fagnani – O principal problema da previdência social hoje são os impactos que o ajuste macroeconômico ortodoxo terá sobre a perda de receitas e o consequente desequilíbrio nas contas previdenciárias. Este ponto é crucial.

Outro tema central, na perspectiva progressista, é cumprir a Constituição da República de 1988. O poder público jamais organizou a Seguridade Social como rezam os artigos 165, 194, 195 e 59 (este último, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). O Executivo jamais apresentou e executou o Orçamento da Seguridade Social rigorosamente como reza o artigo 195. O Executivo jamais instituiu o Conselho Nacional da Seguridade Social, mecanismo de controle social previsto no art. 194.

Em função desses fatos, desde 1989 o MPAS não considera a previdência como parte da Seguridade Social, resultando no mito do “déficit” da previdência, pois não tem amparo constitucional. A preservação das fontes de financiamento da Previdência Social também requer o fim da Desvinculação das Receitas da União – DRU, criada em 1994 e renovada continuamente. Estudos da Anfip demonstram que, em 2012, a DRU retirou da Seguridade Social R$ 52,6 bilhões. O acumulado, apenas para o período 2005/2012, totaliza mais de R$ 286 bilhões.

Também será preciso revisar a política de desonerações fiscais para setores econômicos selecionados. Caso isso não seja feito, a sustentabilidade da Seguridade Social, principal pilar do sistema de proteção social brasileira, será comprometida no médio prazo.

IHU On-Line – O senhor tem afirmado que nas últimas décadas o campo progressista deixou de tratar dos grandes temas nacionais relacionados ao enfrentamento do subdesenvolvimento político, econômico e social do país. Acerca dessas questões, quais temas centrais ficaram fora da agenda?

Eduardo Fagnani – O desafio para o campo progressista é enfrentar a crônica desigualdade social, cujas marcas profundas não foram apagadas pelo progresso recente. Ainda vivemos graves níveis de concentração de renda e de riqueza, miséria, injustiça fiscal, problemas estruturais no mercado de trabalho e acesso precário aos bens e serviços sociais básicos.

A universalização da cidadania social depende da realização de uma série de mudanças estruturais.

O financiamento das políticas universais depende de reforma tributária que promova a justiça fiscal, taxando-se o lucro e o patrimônio, e não o consumo. Também requer a revisão do pacto federativo, o enfrentamento dos processos de mercantilização e privatização da oferta de serviços e o fortalecimento da gestão estatal, enfraquecida pelo avanço de diversos mecanismos de gestão privada que cria duplicidades, fragmentação e dificuldades para assegurar um padrão de eficiência.

Não existem perspectivas favoráveis para a superação desses problemas sem o resgate da política e da democracia. Nesta perspectiva a reforma política é a mais importante das reformas.

Também não existem perspectivas favoráveis para a superação desses problemas sem o reforço do papel do Estado, o que é fundamental para a democracia e para o desenvolvimento.

Da mesma forma, crescimento econômico baseado na indústria de transformação é condição necessária para a inclusão social e a redistribuição da renda. No entanto, os pressupostos teóricos que dão substrato ao tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit fiscal e metas de inflação) não convergem para esse objetivo. O aprofundamento da gestão ortodoxa do tripé interdita, em grande medida, o enfrentamento desta agenda.

IHU On-Line – Quais são as razões da fragmentação da luta política em torno de pautas setoriais específicas e por que elas têm prevalecido ante o debate de temas estruturais?

Eduardo Fagnani – De fato, nas últimas décadas o campo progressista deixou de tratar dos grandes temas nacionais relacionados ao enfrentamento do subdesenvolvimento político, econômico e social do país. A fragmentação da luta política em torno de pautas setoriais específicas tem prevalecido ante o debate de temas estruturais. Partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e universidade parecem viver enredados e prisioneiros de seus próprios labirintos.

Este fato está relacionado à crise da democracia liberal representativa no contexto da concorrência capitalista sob a hegemonia do capital financeiro e do pensamento neoliberal. Existe clara assimetria na representação política, em favor dos interesses do poder econômico. A esfera pública foi esvaziada ante os valores do individualismo e da meritocracia. Os Estados Nacionais foram enfraquecidos e perderam a capacidade de coordenar projetos de transformação. No caso brasileiro, também é preciso levar em conta a “secular capacidade das elites, para preservarem o status quo social”, como ressaltada por Celso Furtado.

Esse quadro mais geral tem influenciado a ação dos movimentos sociais, partidos políticos e sindicatos do campo progressista. O papel que se espera dos partidos políticos progressistas como instituições articuladoras das demandas da sociedade numa perspectiva de transformação foi esvaziado nas últimas décadas. Os partidos e o sistema político como um todo estão submetidos à mercantilização do voto, tornando-se dependentes das bancadas particularistas de toda espécie. Infelizmente não temos unidade da esquerda no Brasil. E as possibilidades disso ocorrer são cada vez mais remotas.

IHU On-Line – Em artigo recente o senhor assinala que o atual “momento requer que se questionem as desonerações fiscais que estão corroendo as bases de financiamento da Previdência, Saúde, Assistência Social e do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. É hora de pressionar por mudanças na contabilização inconstitucional praticada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) desde 1989, que não considera a previdência como parte da Seguridade Social e que não contabiliza as renúncias fiscais como fonte de receitas da Previdência Social”. Pode desenvolver essa ideia? O que sugere?

Eduardo Fagnani – A questão de fundo que deve ser enfrentada na perspectiva da agenda de desenvolvimento diz respeito ao fato de que as elites políticas e econômicas do país jamais aceitaram os avanços na Seguridade Social obtidos na Constituição de 1988, mesmo quando se trata apenas de garantir direitos sociais básicos para a construção de uma sociedade democrática e justa. Pressionados por esses atores, desde 1989 os Poderes Executivo e Legislativo optaram por não implantar dispositivos constitucionais pétreos relativos à Seguridade Social (organização, financiamento e controle social).

Essa recorrente recusa em não reconhecer o que reza a Constituição Federal alimenta continuamente a campanha para “demonizar” a previdência social. Um dos mecanismos utilizados nesse sentido é a difusão do mito que existe “déficit” sempre que a contribuição dos empregados e empregadores para a previdência social urbana for insuficiente para bancar os gastos com o INSS Urbano e o INSS Rural. O suposto “rombo” decorre da Previdência Rural, um benefício típico da Seguridade Social que, pelo texto constitucional, deve ser financiado pelas demais fontes de recursos que integram o Orçamento da Seguridade Social (artigo 195). Portanto, essa leitura desconsidera que a previdência é parte da Seguridade Social.

Esse mito é alimentado por setores do mercado e, paradoxalmente, pela forma como os dados da Previdência Social têm sido contabilizados pelos órgãos do governo federal (MPAS, MPOG, MF e BC) desde 1989. Estudos da ANFIP demonstram que o Orçamento da Seguridade Social sempre foi superavitário. Em 2012, por exemplo, ela apresentou saldo positivo de R$ 78,1 bilhões. Portanto sobram recursos que são desviados para finalidades não previstas pela Constituição.

Superávit da Seguridade Social

O superávit da Seguridade Social tem sido obtido mesmo com a vigência da DRU e da política de desonerações fiscais para setores econômicos selecionados, adotada nos anos 1990 e revigorada na década seguinte. Segundo a ANFIP, em 2012, as isenções tributárias concedidas sobre as fontes da Seguridade Social (CSLL, PIS/PASEP, COFINS e Folha de Pagamento) totalizaram R$ 77 bilhões (1,7% do PIB). A previsão para 2014 é que elas atinjam R$ 123,2 bilhões (2,7% do PIB).

Essa política de desoneração foi intensificada a partir de 2011. O governo editou diversas medidas que desoneram a contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários para a Previdência Social. Atualmente a desoneração da folha atinge mais de 60 setores. Para 2014, estima-se que essas renúncias atinjam R$ 25 bilhões.

O problema é que as renúncias concedidas pela a área econômica não são compensadas contabilmente pelo MPAS. Ao lançar a política de desoneração da contribuição patronal em 2011, o Ministro da Fazenda afirmou que “a União compensará qualquer perda de arrecadação previdenciária com recursos do Tesouro”. Todavia, isso não tem ocorrido na prática. Nesse sentido, propõe-se a promulgação de legislação específica que inclua a rubrica “transferências da União para compensação de renúncias previdenciárias” como fonte de receita da Previdência Social. O ponto de partida é recuperar a iniciativa impulsionada pelo próprio MPAS em 2007, que reconhecia a referida manipulação contábil e pretendia alterar a legislação mudando as regras de contabilidade das renúncias previdenciárias no sentido aqui proposto. Na época, essa orientação contava com o apoio das centrais sindicais. Mas esse debate foi abandonado, enquanto a política de isenções foi reforçada.

IHU On-Line – O senhor está entre aqueles que evidenciam uma virada neoliberal no segundo governo Dilma ou entre aqueles que veem uma continuidade do primeiro mandato? O que o segundo mandato sinaliza nesse sentido e como se difere do primeiro?

Eduardo Fagnani – O que de fato existe é um reforço do ajuste macroeconômico ortodoxo, o que distancia a presidente da República das promessas da campanha e a aproxima das promessas da oposição, assentadas no aprofundamento da gestão ortodoxa do “tripé” macroeconômico. Em parte, esse recuo está relacionado ao preocupante agravamento do cenário político-institucional, percebido pelo conservadorismo da composição do Congresso Nacional, pelas consequências imprevisíveis do escândalo da Petrobras e pela irresponsável campanha golpista orquestrada pela oposição. De toda forma, as perspectivas são sombrias, pois o reforço da ortodoxia interdita a agenda de transformações necessárias para a superação do nosso subdesenvolvimento político, econômico, social e cultural.

IHU On-Line – Quais tendem a ser os impactos e os reflexos da austeridade econômica na área social?

Eduardo Fagnani – Num cenário internacional adverso, a ortodoxia tende a levar o país para a recessão. A continuidade do ciclo de aumento da taxa de juros agravará o endividamento, exigindo mais superávit primário para pagar parte dos juros. Esse “enxugamento de gelo” restringirá o gasto social, o investimento e o papel dos bancos públicos no financiamento da infraestrutura.

O mercado de trabalho já dá os primeiros sinais de desaceleração em 2015 (redução de 86 mil postos de trabalho e aumento da taxa de desemprego). Essa tendência tenderá a se agravar nos próximos meses. Corre-se o risco de retrocesso da inclusão obtida nos últimos anos (movimento já observado desde 2013). O endividamento das famílias será ampliado e colocará dificuldades para as camadas sociais despolitizadas recém-incorporadas ao consumo manterem esse status.

A ortodoxia econômica interdita a agenda de transformações que o país necessita para superar o seu subdesenvolvimento. Políticas de “austeridade” abrem um ciclo perverso de desfinanciamento do Estado, o que exige novos cortes nos gastos públicos e agravamento da recessão. O exemplo da Europa é emblemático.

O aprofundamento da gestão ortodoxa do tripé econômico caminha na direção oposta até mesmo da visão de instituições que representam o establishment da ordem ideológica, econômica e política globais. A autocrítica dos erros da ortodoxia foi recentemente exposta pelo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional – FMI. A ficha caiu até para o editor econômico do “Financial Times”. Para Martin Wolf “esse é um modelo maravilhoso para banqueiros. Mas, e para o resto do mundo?”, pergunta. Joseph Stiglitz afirma que o grande problema em 2015 não é econômico. “O problema são nossas políticas estúpidas”, sentencia. No Brasil, a gestão do “tripé” macroeconômico tornou-se ideia fixa. Qualquer visão crítica é considerada herética.

IHU On-Line – Que medidas deveriam ter sido implantadas nos últimos 12 anos para que as mudanças sociais fossem sustentáveis? Onde o governo errou?

Eduardo Fagnani – A partir de 2006, o projeto “social-desenvolvimentista”, formulado antes da eleição de 2002, foi parcialmente resgatado. Impulsionado pelo comércio internacional favorável, o crescimento voltou a ser contemplado na agenda. O governo optou por políticas fiscais e monetárias menos restritivas. A economia voltou a crescer e teve repercussões positivas sobre mercado de trabalho, transferências de renda da Seguridade Social e gasto social. Essa melhor articulação das políticas econômicas e sociais contribuiu para a melhora dos indicadores de distribuição da renda do trabalho, mobilidade social, consumo das famílias e redução da miséria extrema.

Não obstante, um conjunto de problemas estruturais não foi enfrentado. Em grande medida, como aponta André Singer, esse fato decorre do “modelo de transformação lenta e dentro da ordem” que tem pautado a atuação dos governos do Partido dos Trabalhadores. Essa opção pelo “gradualismo extremo” explica, em grande medida, o fato de que muitos retrocessos nos direitos sociais, implantados nos anos 1990, não tenham sido enfrentados nesta quadra.

Reformismo fraco


Neste sentido, destaca-se, por exemplo, que, apesar de breves impulsos de afastamento, manteve-se a gestão macroeconômica por meio do ortodoxo “tripé” (meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante) introduzido em 1999 por FHC. Também se destaca a ambiguidade com relação ao processo de desregulamentação dos direitos trabalhistas e sindicais, tendência predominante desde os anos 1990. O “reformismo fraco” também se revela no esvaziamento da proposta de Reforma Agrária “estrutural e massiva” elaborada em 2001 por um grupo de especialistas do partido. A grave questão da injustiça fiscal também não foi enfrentada nesta quadra. A consolidação da Seguridade Social de acordo com os princípios estabelecidos pela Constituição também não foi objeto dos governos petistas. Da mesma forma, também não foi revertida a recorrente captura das fontes de financiamento da Seguridade Social. A forma inconstitucional de contabilização dos dados da Previdência Social permaneceu inalterada. A Desvinculação das Receitas da União – DRU foi mantida – exceto para o setor da educação.

Os governos petistas aprofundaram a política de concessão de isenções fiscais para setores econômicos selecionados que vinha sendo praticada desde 1990, restringindo as receitas do governo, comprometendo o superávit primário e a expansão do gasto social. O esvaziamento do pacto federativo observado nos anos 1990 também não foi enfrentado. A mercantilização da oferta de serviços sociais foi mantida e incentivada em diversas frentes da política social.

Esses são alguns exemplos emblemáticos do não enfrentamento – e, em alguns casos, do aprofundamento – dos diversos mecanismos adotados nos anos 1990 que tinham por finalidade impor contramarchas à cidadania social consagrada pela Constituição da República.

No campo econômico, também se destaca a errática política econômica adotada: forte ajuste (2011); tentativa de retomar o crescimento com a adoção de política monetária menos restritiva (2012); recuo em função do “terrorismo econômico” difundido pelo mercado, visando às eleições presidenciais (2013 e 2014).

Apesar de tudo, os fundamentos macroeconômicos do Brasil são relativamente mais confortáveis do que foi observado nos países desenvolvidos e da América Latina. Era necessário corrigir os erros do passado? Sim. Mas, a terapia não exige remédios tão amargos que, dependendo da dose, poderão matar o paciente.

IHU On-Line – Quais alternativas existem para se atingir a meta do superávit primário sem cortar gasto social?

Eduardo Fagnani – A primeira é o crescimento que tem efeitos positivos na arrecadação governamental. Em contextos de crise são necessárias políticas anticíclicas. O que está sendo feito caminha na direção contrária: políticas pró-cíclicas que irão aprofundar a recessão. Superávit primário se faz quando a economia cresce.

A segunda é enfrentar o conflito de classes entre capital e trabalho na estrutura imposta. A dita “austeridade” é seletiva. Ela não atinge os detentores da riqueza. Quem paga o pato são os trabalhadores. A ampliação das receitas do governo poderia vir da revisão seletiva da política de isenções fiscais para setores econômicos, iniciada na década de 1990 e reforçada posteriormente. Estima-se que, em 2014, essas renúncias totalizarão R$ 193 bilhões (4,5% do PIB); somente as renúncias sobre a contribuição patronal para a previdência devem atingir R$ 25 bilhões. O equilíbrio orçamentário também pode vir da Reforma tributária.

Não basta taxar as grandes fortunas. Será preciso revisar o sistema tributário, cujos núcleos vigoram desde meados da década de 1960. Os tributos indiretos (incidentes sobre consumo), que atingem proporcionalmente os mais pobres, representaram 49,2% da arrecadação tributária total. Os tributos diretos, que incidem sobre a renda e o patrimônio, corresponderam a 19,0% e 3,7% da arrecadação, respectivamente. Nos países-membros da OCDE, o peso da tributação direta representa 33% da arrecadação total.

É verdade que não existe correlação política favorável para se enfrentar estes temas. A mudança desse quadro exige uma nova postura da esquerda no sentido da unificação da luta política em torno de um projeto nacional de transformação social. Também exige a mudança da postura do governo no sentido de disputar a hegemonia em torno dessas ideias. Ele precisa sair das cordas, superar a inação e travar a batalha pelo desenvolvimento. Isso passa pela questão da comunicação.

Não dá para entender o masoquismo oficial em transferir fortunas para a grande imprensa impulsionar o golpe institucional. Por que a meta do “superávit” primário não atinge essas verbas bilionárias? O que ocorreria se, em nome da “austeridade” fiscal, fosse decidido um corte linear de 50% nas verbas da propaganda oficial?

* – Eduardo Fagnani é Economista e professor do IE-Unicamp e coordenador da rede Plataforma Política Social.


Por Plataforma Política Social | em Carta Maior

Mais lidas da semana