quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

UMA LONGA LUTA EM ÁFRICA – III


Comemorações dos 60 anos do MPLA
TENACIDADE E AUDÁCIA FACE A INDESCRITÍVEIS RISCOS EM MÚLTIPLAS FRENTES

Martinho Júnior, Luanda 

5 – Depois de se transferir para Brazzaville e lançado o laboratório de Cabinda, IIª Região Político Militar, foi possível ao MPLA organizar esforços em socorro da Iª Região Político Militar, tirando partido ainda da ajuda cubana tendo como principais referências “Humberto”, que é hoje Herói Nacional da República de Cuba, o General Rafael Moracén Limonta e “Silva”, o então capitão Kodjo Tshikata, que chegou a Vice-Presidente do Gana num dos governos de Jerry Rawlings.

Nos campos de treino do Congo instruíram-se e organizaram-se esquadrões que iriam ter um longo deslocamento em três colunas distintas, ao nível de agrupamentos de cerca de 100 homens, que se moveriam sucessivamente, uma após outra, até aos Dembos, próximo da capital Luanda.

Para o efeito esses esquadrões e outros movimentos que foram feitos na ligação entre a República do Congo e a Iª Região Político Militar, haveriam de encontrar múltiplos riscos e provas de fogo, para além das dificuldades inerentes aos próprios percursos a percorrer.

A travessia de rios caudalosos e a época das chuvas inviabilizavam muitas questões inerentes à logística alimentar (as colunas levavam alimentos em quantidade tão exígua que a fome era um risco corrente devido ao prolongar do tempo gasto nos percursos e em função dos obstáculos naturais), à praticabilidade das travessias (nas travessias de rios caudalosos, eram raras as canoas, pelo que muitas travessias eram feitas a nado, ou a vau, ou sobre troncos de árvores) e à saúde dos combatentes (afetados sobretudo por doenças tropicais).

O camarada Kolokié, é citado como um dos guias conhecedores dos percursos, que foi optando por fazê-los na época do cacimbo, tornando as deslocações muito mais rápidas, mais saudáveis e mais seguras, evitando a caça de forças inimigas sempre à procura de deter ou matar os combatentes e apreender as armas, dentro do Zaíre, como dentro de Angola, procurando a todo o transe neutralizar o trânsito dos esquadrões.

Os esquadrões enfrentavam efetivos inimigos que trabalhavam tacitamente em coordenação: militares das Forces Armées Zairoises e Polícia Zairense, o Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), da UPA/FNLA, ao serviço do GRAE, as Forças Armadas Portuguesas e a PIDE/DGS.

Os riscos podiam ser desde a sua detecção, à sua prisão, à penetração de agentes contrários nas fileiras, ou ao aniquilamento, em três países distintos: no Congo Brazzaville (em menor intensidade), no Congo Léopoldville (em forte intensidade) e dentro de Angola colonizada (risco maior).

Esses dispositivos implicavam também e por conseguinte por parte do MPLA, contra medidas que procurassem inviabilizar que serviços de inteligência instalados sobretudo no Zaíre e dentro de Angola, levassem a cabo seus objectivos de neutralização:

- Em Brazzaville actuavam serviços de inteligência afectos à NATO, capazes de produzir informação em benefício do colonialismo português e os homens de Alexandre Tati, orientados pela PIDE/DGS, com o rótulo da FLEC, para a localização de bases e efectivos do MPLA;

- Em Léopoldville operaram contra o MPLA a CIA, o CND zairense, a PIDE/DGS por dentro dos serviços diplomáticos portugueses presentes e os sistemas de informação do GRAE no terreno;

- Em Angola, o ELNA, o sistema de pesquisa de informação no terreno por parte da UPA/FNLA, organizada em centrais operativas, as Forças Armadas Portuguesas e a PIDE/DGS que montou contra a Iª Região Político Militar um autêntico “triângulo das Bermudas” no terreno da acção (Delegações no Caxito, em Kibaxe e em Catete), em reforço dos seus dispositivos em Luanda, explorando as redes locais de comerciantes, de fazendeiros e duma parte da implantação da Igreja Católica.

O MPLA era obrigado a severas medidas de clandestinidade em toda a linha de desdobramento e, apesar dos reveses, isso foi dando a dimensão da conexão entre os expedientes coloniais e os expedientes neocoloniais em curso, que integravam a prática corrente do imperialismo em África!

Na sua própria carne, o MPLA sentia que o imperialismo não era teoria alguma de conspiração, antes uma prática permanente, hostil e intempestiva, que só com rigorosas contra medidas de clandestinidade se podia vencer.

Esse era um processo materialista dialético de natureza antropológica e marxista-leninista face ao tipo das contradições que estavam em campo, pelo que a sobrevivência só podia ser garantida pelos mais conhecedores, mais mobilizados, mais organizados, mais disciplinados e mais consequentes dos processos de luta de libertação, que davam de caras com os cruéis desafios que se apresentavam, pelo que a ideologia era por si uma arma inteligente que mobilizava como nenhuma outra as capacidades humanas do MPLA e ajudava a vencer as inaptidões técnicas, a falta de experiência, ou todo o tipo de fragilidades que se colocavam no âmbito duma árdua luta nacionalista e libertária!

Também em relação a essa arma foram importantes os instrutores que deram a sua contribuição inestimável para a mobilização, formação, organização e disciplina dos combatentes.


De entre os heroicos combatentes clandestinos do MPLA no Congo Léopoldville, destacam-se a camarada Jovita Nunes, havendo comités clandestinos em Léopoldville, em Mbanza Ngungu, Matadi, Boma, Moanda, Lubumbashi e Dilolo…

Dos esquadrões, apenas o Camilo Cienfuegos chegou quase intato à Iª Região Político Militar em 1966, tendo no seu comando os camaradas Jacob João Caetano, “Monstro Imortal” e Joaquim Domingos, “Valódia”…

O esquadrão Kamy (comandado pelo camarada Benigno Vieira Lopes, “Ingo”) foi detectado e só 19 dos seus componentes conseguiram chegar à Iª Região Política-Militar do MPLA, tendo os que tentaram regressar sido presos, já sem alimentação, exaustos ou quase inanimados, pela FNLA…

6 – A introdução da arma ideológica em função dos desafios que se apresentavam no terreno (nos dois Congos e na Angola colonizada) foi um resultado natural face às vicissitudes, sob os auspícios do Presidente Agostinho Neto e dum núcleo de quadros cuja linha de pensamento e acção era materialista dialética e não podia deixar de o ser, face aos objectivos do Programa Mínimo e do Programa Maior.

Os quadros instrutores colocados ao serviço do MPLA em função da IIª coluna do Che, mais o camarada “Silva”, por seu turno, estavam perfeitamente adaptados a esse tipo de convicções, que permitiam enfrentar o colonialismo e os esbirros neocoloniais do império.

O MPLA teve essa forja escaldante de luta e pôde avaliar, quando se era derrotado no terreno, que isso poderia significar entre outros riscos, prisão, tortura, ou mesmo morte.

Essa experiência foi sensível, valiosa e jamais foi abandonada até nossos dias, apesar das transformações por que o MPLA foi passando desde o fim da República Popular de Angola, inclusive na sua última trilha social-democrata!

O MPLA enquanto partido de massas e de quadros, não pode deixar de reflectir sobre si próprio e, no âmbito dessas reflexões muitos recorrem à história e à arma ideológica das horas mais decisivas, elaborada a partir do materialismo dialético, por razões imperativas da afirmação de independência, de soberania nacional, de paz, de harmonia, de constitucionalidade e de luta contra o subdesenvolvimento, conferindo os melhores alicerces para se continuar a definir o rumo do MPLA e do estado angolano.

Essa capacidade é portanto também imprescindível em termos de análise da evolução da situação global, continental, regional e nacional, correspondendo à tarimba de cada membro, em especial aqueles vivenciados no mais aceso da luta, reflectir sobre o capitalismo neoliberal, sobre seus impactos e incidências antropológicas e históricas, sobre a economia de mercado que se apresenta, sobre as questões sócio-políticas que se levantam e sobre as opções de escolha face aos desafios…

Mais de trinta anos depois do desaparecimento do Partido do Trabalho, das capacidades mais vigorosas da Segurança do Estado e das gloriosas FAPLA em defesa da independência e soberania, a história absolverá aqueles que, com base no materialismo dialético, levaram (e levam) a luta a escalões cujo nível foi (e é) impossível por outros de superar!...

… e para o MPLA, a Luta Continua!... 

Do anterior: 
- De Argel… ao Cabo da Boa Esperança! – http://paginaglobal.blogspot.com/2016/12/de-argel.html

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