segunda-feira, 6 de março de 2017

A RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA É INDISPENSÁVEL


Octávio Teixeira

Os últimos 16 anos foram para Portugal de estagnação, em grande parte devido aos constrangimentos decorrentes da adesão à zona Euro. Ao longo deste período, em consequência do fraco crescimento da economia e dos sucessivos défices, a dívida pública foi aumentando permanentemente, em particular a partir de 2011 com as políticas de austeridade que levaram ao aprofundamento da recessão e ao aumento acelerado da dívida.

Entre 2011 e 2015, o objetivo declarado da política governamental foi o da redução da dívida pública e serviu de justificação para a pesada austeridade que tudo sacrificou: o crescimento económico, o emprego, os direitos laborais, as empresas estratégicas que deviam e devem integrar o sector público, as funções sociais do Estado, o nível de vida dos cidadãos, o futuro das novas gerações.

A verdade é que nem assim esse objetivo foi atingido. Antes pelo contrário, a dívida pública aumentou aceleradamente mostrando, para além do erro das políticas seguidas, que a dimensão que a dívida atingiu a torna insustentável. E em 2016 a dívida continuou a aumentar fortemente (até Novembro, mais 10 mil milhões).

Os juros da dívida representam um fardo cada vez maior, quase 5% do PIB. Se a isto somarmos as amortizações da dívida de médio e longo prazo, o encargo anual duplica. E como 60% desta dívida pública é dívida externa, significa que nos consomem anualmente cerca de 16% das exportações de bens, serviços e turismo.

São recursos financeiros incomportáveis que bloqueiam o investimento e crescimento económico. Recursos essenciais para promover o investimento público e para reduzir a carga fiscal visando o aumento da procura interna.
Para além do mais, esses volumosos encargos sustentam a permanente dinâmica autofágica da dívida: os juros pagos de 2011 a 2015 são responsáveis por 79% do aumento da dívida que ocorreu no mesmo período.

E entre os bloqueios que as políticas decorrentes do garrote da dívida representam para a economia é de realçar o que se passa com o investimento: nos últimos cinco anos a FBCF recuou, em valor nominal, para o nível de 1997, não sendo sequer suficiente para manter o stock de capital preexistente, reduzindo gravemente o potencial de crescimento.

Mas a dívida pública também é incomportável do ponto de vista social.

Repare-se desde logo que só os juros da dívida montam este ano a 8.500 milhões de euros, valor superior aos encargos com o SNS ou com a Educação. E se a prioridade continuar a ser a de satisfazer em primeiro lugar e a todo o custo, como o dinheiro não chega para tudo, as responsabilidades com os credores serão as funções do Estado que continuarão a ser sacrificadas.

Os bloqueios resultantes da dívida incidem igualmente sobre a democracia politica e a soberania nacional porque a sua subsistência conduziria a que não pudesse haver alternativa às políticas de recessão ou estagnação. Tal significaria a negação da democracia política e do poder soberano do povo de optar por outras vias.

Só será possível implementar políticas alternativas às que têm vindo a ser implementadas se houver uma ruptura com os bloqueios decorrentes da dívida pública a que o País está sujeito.

A reestruturação da dívida pública é essencial para reduzir a pressão orçamental e, por conseguinte, a viabilização de políticas económicas e sociais não austeritárias, e para gerar condições favoráveis à resolução dos problemas do endividamento externo e do das empresas e famílias. E sem a reestruturação da dívida pública não será possível libertar e canalizar os recursos suficientes que permitam o crescimento económico necessário.

Sem a reestruturação da dívida é a própria sustentabilidade da sociedade portuguesa que está em causa, com os mais jovens a emigrar, os salários a convergirem cada vez mais para os limiares da indigência, o empobrecimento a alastrar e a depauperação dos pilares essenciais de um Estado social.

E não é admissível que a subserviência aos credores promova um efectivo confisco da soberania popular no país. Não há nenhuma razão para que o imperativo do pagamento aos credores seja considerado de natureza superior a outros compromissos igualmente assumidos pelo Estado, designadamente na saúde, na justiça, na educação, na protecção social, nos direitos dos trabalhadores.

Antes pelo contrário, as responsabilidades do Estado para com os cidadãos estão inequivocamente acima das obrigações para com os credores. Portugal não será o primeiro país, nem o último, a ter de reestruturar a dívida (até a Alemanha já o fez).

A renegociação da dívida pública é inevitável. Será feita mais cedo ou mais tarde (e quanto mais tarde pior) nos termos que os credores institucionais imponham ou nos termos definidos por Portugal. Ou seja, determinada pelos interesses dos credores ou pelos interesses do país e dos portugueses. Por isso deve ser assumida por iniciativa do Estado português salvaguardando os interesses nacionais e assente num serviço da dívida compatível com o crescimento económico, a promoção do emprego e o desenvolvimento social.


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