Após
a sua confirmação como cabeça de lista do MPLA, o general tem um desafio
enorme: recheado de dilemas, urgências várias e desígnios internos e externos
que continuam por atingir.
O
actual ministro da Defesa foi confirmado como número 1 da lista de candidatos a
deputado pelo MPLA. As eleições gerais ainda não foram marcadas mas João
Lourenço é, desde já, o favorito para o cargo de primeiro presidente da
República da era pós-José Eduardo dos Santos. É um desafio enorme: recheado de
dilemas, urgências várias e desígnios internos e externos que continuam por
atingir.
O
perfil político de João Lourenço é marcado por uma longa carreira ao serviço do
MPLA e do governo, seja como secretário-geral, comissário político ou como
governador do Moxico (de 1983 a 1986) e Benguela (de 1986 a 1989),
vice-presidente da Assembleia Nacional (entre 2003 e 2014) e ministro da Defesa
(desde 2014 até ao momento).
É
um histórico daquele partido, sob qualquer perspectiva. Mesmo ideologicamente,
apesar das participações empresariais que possui, continua a ser descrito como
um crítico das teorias capitalistas mais radicais (as que defendem a continua
desregulação da actividade económica para que o mercado funcione sem
constrangimentos).
Em
2003, João Lourenço cometeu um erro que lhe custou uma lição de 11 anos sentado
na Assembleia Nacional. Depois de JES ter afirmado publicamente que já não
seria o candidato às próximas eleições, Lourenço apressou-se a afirmar que sim
senhor, que o “presidente é um homem de palavra e de honra” e que o anúncio era
para ser levado a sério.
Esqueceu-se,
há cerca de 14 anos, que a política interna tem sido uma belíssima corrida de
fundo: óptima para especialistas em longas maratonas e demorados tirocínios; um
terror para os sprinters de passada larga. Quem corre rápido demais
tem a enorme, quase certa, possibilidade de escorregar numa qualquer
casca-de-banana para se despistar sem apelo, nem agravo.
João
Lourenço compreendeu a dinâmica da pior forma mas, se era uma pessoa
publicamente reservada, a partir dessa altura as suas aparições tornaram-se
esporádicas. Mesmo como ministro da Defesa e general na reserva. O que também é
um dilema, nesta altura: se não são conhecidas as suas ideias para o país,
significa que a sua imagem também não é do total conhecimento da população.
Talvez
seja por isso que o candidato a deputado e a presidente da República tenha
alertado, no dia 13 de Fevereiro, durante uma actividade partidária, que “na
realidade”, o MPLA “tem de trabalhar junto do povo, porque só ele nos levará à
vitória”.
“Vamos
trabalhar nos bairros, nas aldeias e nas cidades, com o povo e no seio do povo,
esclarecendo-os sobre a necessidade do registo eleitoral, sobre a importância
do seu voto para a estabilidade do País, para a consolidação da paz e da
reconciliação nacional. Vamos falar das perspectivas de resolução dos problemas
sociais, que ainda afectam as populações, vamos falar da esperança que se
renova”, alertou João Lourenço.
Para
um membro de um partido na oposição ouvido pelo Rede Angola, este é mesmo
um dos principais problemas que o histórico do MPLA enfrenta.
“Para
além do MPLA ser, actualmente, um partido cheio de divisões – facto que pode
ser um obstáculo para João Lourenço – nós sabemos que a sua imagem ainda
precisa de ser divulgada junto da população. Ele tem pouco apoio das bases do
partido e, ao mesmo tempo, precisa de trabalhar fortemente nas zonas
peri-urbanas e rurais porque as pessoas não o conhecem bem”, recorda.
O
seu passado como militar e enquanto general na reserva é outro dos dilemas que
resistem ao passar do tempo. Se, por um lado, é quase pública a consideração
que as estruturas castrenses têm por João Lourenço, a experiência militar terá
endurecido a sua capacidade de ouvir críticas e de aceitar opiniões diferentes.
Em alguns círculos, é descrito como um homem de poucos amigos.
“O
que o torna diferente dos outros militares é o facto de ter passado pela
administração do Estado como governador. Primeiro no Moxico, depois em
Benguela. Penso que mesmo se tratando de uma experiência feita no contexto da
guerra, deu-lhe conhecimento sobre os meandros da actuação política, o que faz
com que não seja mais um militar entre vários”, conta um jornalista em conversa
com o Rede Angola.
A
descrição, a lealdade e o não envolvimento, que se saiba, em escândalos de
favorecimento pessoal e de corrupção jogam a seu favor. Mesmo assim, algumas
correntes julgam que 2017 será a maior oportunidade de sempre para oferecer um
estágio ao MPLA, mas agora na bancada da oposição.
Família
ajuda
João
Lourenço é casado e pai de seis filhos, gosta de xadrez e de equitação. Domina
o português, inglês, russo e espanhol, segundo a sua biografia oficial no
Ministério da Defesa. Tem formação em artilharia pesada e viveu, entre 1978 e
1982, na antiga União Soviética, onde também se formou em Ciências Históricas.
É
casado com a antiga ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço, que até Outubro
de 2016 ocupou um lugar no Banco Mundial, em Washington (capital política dos
EUA). Diversas fontes contactadas pelo Rede Angola acreditam que Ana
Dias Lourenço pode ser uma ajuda importante, caso o marido seja eleito para o
cargo de presidente da República.
Depois
de também ter sido apanhada pela violência que envolveu os acontecimentos de 27
de Maio de 1977, onde acabou detida, Ana Dias Lourenço (formada em Economia
pela Universidade Agostinho Neto) subiu na hierarquia do partido. Foi ministra
do Planeamento durante muitos anos, o que lhe garante um profundo conhecimento
de como funciona a acção governativa.
Também
no plano externo apresenta credenciais: a já referida passagem pelo Banco
Mundial e o forte envolvimento nas questões da SADC, por exemplo, o bloco
regional onde Angola se insere. Ana Dias Lourenço transmite uma ideia moderna
sobre a mulher angolana, algo que pode se tornar um trunfo eleitoral.
Mas
para lá das questões pessoais e do perfil familiar, que pode ser importante
para compreender a pessoa, os enigmas estão centrados na actividade política e
nas ideias que poderão ser implementadas no próximo governo.
A
saída de JES começou a ser ventilada há algum tempo, sobretudo através de fugas
cirúrgicas de informação que trouxeram o assunto para as capas dos jornais
privados. Depois, alguns membros do MPLA foram utilizando a sua visibilidade
mediática para analisar e deixar várias pistas sobre o que estaria a acontecer no
seio do partido.
A
sociedade em geral reagiu sempre com desconfiança e o jogo acabou por ser
pessoalizado, longe das disputas ideológicas ou de grandes propostas de
mudança.
João
Melo, jornalista, escritor e militante do MPLA, foi um dos que foram abordando
esta questão no espaço público. No ano passado, citado pelo Expresso (um
semanário português), explicou o que pensa sobre Lourenço.
“Não
há nada de novo nem surpreendente [na altura, em Setembro de 2016, tinha sido
indicado como vice-presidente do partido, um sinal do que viria a suceder em
Dezembro]. Dentro do MPLA ele sempre foi cogitado e falado como um dos três ou
quatro nomes que podem suceder a José Eduardo dos Santos”, explicou Melo.
Questões
como o combate à pobreza, a melhoria dos serviços públicos em geral, o combate
ao clientelismo, à corrupção e ao enriquecimento ilícito, passando pela
definitiva abertura dos meios de comunicação social públicos a todos os
angolanos, estão no topo das preocupações dos eleitores.
Mas
às doenças crónicas soma-se agora uma intempérie sem fim à vista: a profunda
crise económica que afecta o país e a sua principal fonte de receitas, a
Sonangol. O desafio é grande e o exercício do poder tem sempre a capacidade de
provocar grandes mudanças a nível pessoal.
João
Lourenço será pressionado a seguir o seu próprio caminho, ao mesmo tempo que
continuará a ter um governo-sombra nos olhos de JES.
Miguel
Gomes. – Rede Angola – Foto: Ampe
Rogério/RA – em 17/02/2017
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