A
DERROTA DE MANDUME, 100 ANOS DEPOIS DO DIA DE SUA MORTE A 6 DE FEVEREIRO DE
1917
Martinho Júnior | Luanda
1-
Poucos anos separaram as resistências e revoltas que procuraram a todo o transe
impedir os portugueses de ocupar território em toda a extensão do país e o
início da Luta Armada de Libertação Nacional em Angola.
As
resistências e as revoltas à progressão do colonialismo português para o
interior do espaço nacional definido em Berlim entre 15 de Novembro de 1884 e
26 de Fevereiro de 1885. procuraram que as linhas do colonialismo português não
se pudessem consumar, mas ocorreram de forma desordenada, sem qualquer hipótese
de homogeneidade, apesar de sua cadência e potência ser superior,
comparativamente a outros acontecimentos análogos noutras partes de África.
O
historiador René Pélissier dá conta que foi o ramo herero dos cuvales, no
sudoeste e entre 1940 e 1941, a encerrar o período das resistências e revoltas,
que durante os três primeiros decénios do século XX foram bastante intensas e
desgastantes, pelo que assim considerando, foram apenas 20 anos que mediaram
até à eclosão do início da Luta Armada de Libertação Nacional no âmbito do
Movimento de Libertação em África, em Fevereiro de 1961, se considerarmos que a
revolta da Baixa de Cassange ainda se pudesse considerar não abrangida por esse
esforço moderno, integrador e unificador.
Os
angolanos não ganharam no imediato a consciência da necessidade de se juntarem
e juntar esforços para derrotar o colonialismo português, por que estavam longe
de assumir os termos duma identidade nacional unificadora e integradora,
impossibilitados de perceber o todo, quando eram os reinos, os dembados e os
sobados que estavam no horizonte dos seus ambientes sócio-políticos e
económicos de então e dos seus interesses vitais (de sobrevivência sobretudo),
que os levavam quantas vezes, estimulados pelas autoridades coloniais, a
guerrearem-se, a dividirem-se entre si, ou entrando em negócios subservientes
com os portugueses.
É
previsível que os termos da Conferência de Berlim se tivessem mantido secretos
para os africanos, tanto quanto foi possível às potências coloniais: quanto
mais tarde eles acordassem, mais tempo de domínio ficava garantido.
Foi
esse o fundo humano que impossibilitou uma geoestratégia elaborada em todo o
território por parte dos autóctones, pelo que pouco a pouco, face ao avanço da
ocupação, o colonialismo foi dominando espaço vital e preponderância no acesso
à água interior, sem remissão, deixando para a intervenção o imenso leste e
sudeste “além Cunene”.
As
transformações globais operadas ao longo do século XX e particularmente as duas
Guerras Mundiais, foram muito importantes para que os angolanos começassem a
elaborar a sua legítima plataforma de Luta de Libertação Nacional, face à
teimosia do fascismo-colonialismo do Estado Novo.
2-
De entre as resistências mais formidáveis que o colonialismo português
experimentou na sua fase de expansão (segunda metade do século XIX e as duas
primeiras décadas do século XX), está a série de acontecimentos que se
sucederam, obstruindo a passagem para o “além Cunene”, progredindo desde a
margem esquerda até ao canto sudeste do território.
Primeiro
foram os povos humbes, ainda na margem esquerda, que obrigaram o colonialismo
ao“pântano” do sudoeste (aquém Cunene”), depois foram os cuamatos e os
cuanhamas que ofereceram as resistências mais difíceis de transpor, em especial
os cuanhamas, amparados pelo jogo comum com os cuamatos (a ocidente) e os
ovambos (a sul).
Só
depois de vencidos os cuanhamas o colonialismo português conseguiu chegar de
forma consolidada às “terras do fim do mundo”, Cuando Cubango adentro (no
que entre 1967 e 1975 viria a ser a parte angolana do “território ALCORA”).
A
campanha na região dos cuanhamas por parte do expansionismo colonial português,
tornou-se decisiva entre 1915 e 1917, depois das forças sul-africanas do
general Louis Botha terem derrotado os alemães de von Trotta e do general
Victor Franke, acabando com a ameaça deles aos portugueses… antes disso os
alemães haviam derrotado os portugueses em Naulila e no Cuangar, ou seja,
precisamente entre o Cunene e o Cubango, regiões que envolviam o cuanhama, o
que lhes facilitou a implantação e o fortalecimento.
Essa
derrota portuguesa face aos alemães retardou a progressão “além Cunene” e
só a tomada do Sudoeste Africano pelos sul-africanos comandados pelo general
bóer Louis Botha, deu hipótese aos portugueses de aumentar a tensão sobre o
cuanhama-ovambo, de forma sincronizada com os sul-africanos e assim derrotar o
rei Mandume em Môngua, entre 17 e 20 de Agosto de 1915, com um novo contingente
sob as ordens do general Pereira d’Eça.
No
dia 22 de Agosto o rei Mandume retirou-se para a Ovambolândia, no outro lado da
fronteira, mas a pressão sul-africana obrigou-o a regressar a solo de Angola
quando teve de abandonar Ehole, na zona neutra, depois duma emboscada vitoriosa
a 30 de Outubro de 1916, apressando o seu fim, consumado a 6 de Fevereiro de
1917 no seu “kraal” em Ehole, próximo de Namacunde.
Uma
conjugação desses factores, de ordem estratégica uns, de ordem táctica outros,
provocou a derrota do rei Mandume: a seca, a fome, a tropa do general Pereira
d´Éça e a tropa sul-africana do general Louis Botha, foram os elementos
tácticos influentes na pressão exercida sobre ele, que se adensou com sua
derrota em Môngua, aproximando-o do fim!...
Pela
primeira vez os portugueses dispunham de camiões para a logística numa campanha
de conquista em Angola e, entre outros erros, os camiões não foram alguma vez
atacados nos seus trajectos, reabastecendo directamente e sem percalços as
forças empenhadas em Môngua!...
Por
seu turno em Môngua as forças do rei perderam as cacimbas e sofreram
imediatamente as contingências disso, quando a seca já se fazia sentir por todo
o sul, pelo que a 5 de Setembro de 1915 os efectivos portugueses ocuparam
N’Giva, onde o general Pereira d’Eça considerou:
“Atacar
três dias seguidos um destacamento constituído por duas baterias de artilharia
de campanha, quatro baterias de metralhadoras, dois batalhões de infantaria e
dois esquadrões de cavalaria, estando estas forças em quadrado e aproximando-se
delas com uma insistência que no último combate durou dez horas a uma distância
que chegou a ser de 50 metros, revela um moral e uma instrução de tiro e de
aproveitamento dos abrigos que fariam honra às melhores tropas brancas”…
3-
O fim do rei Mandume marca não só a expansão colonial em Angola e no Sudoeste
Africano, mas também a aproximação inicial dos portugueses aos sul-africanos no
sul de Angola e norte de Namíbia (Ovambolândia).
Até
naqueles tempos haviam Bothas nos caminhos dos angolanos!
Agora
que eles deixaram de haver, os angolanos de Cabinda ao Cunene, do mar ao leste,
têm em paz todo um país com futuro por construir; em NGiva, capital da
província do Cunene e cidade mártir da Linha da Frente contra o “apartheid”,
as estruturas vão-se disseminando e tornando a vida consentânea com o século
XXI.
Figuras
e fotos: O rei Mandume segundo uma imagem referente à época; Croqui sobre a
batalha de Môngua e o avanço das forças do general Pereira d’Eça sobre N’Giva;
Túmulo do rei Mandume, na sua embala em Ehole, a sudeste de N’Giva; A nova gare
do aeroporto 11 de Novembro em N’Giva.
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