Entrevista
a M. Azancot de Menezes no Jornal Tornado, que inclui notas de semelhança sobre a
ocupação de Timor-Leste pela Indonésia e a ocupação do Sahara Ocidental por
Marrocos. (PG)
O
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou no dia 28
de Abril de 2017 (mais) uma resolução sobre a ocupação ilegal do Sahara
Ocidental, tendo prorrogado a Missão das Nações Unidas para o Referendo no
Sahara Ocidental (MINURSO) pelo período de mais um ano e apelado à
reactivação da negociação entre Marrocos e a «Frente Popular de Liberación de
Sagui el Hamra y Rio de Oro», mais conhecida por Frente POLISÁRIO.
Por
outro lado, na altura em que foi aprovada esta nova Resolução do Conselho
de Segurança das Nações Unidas, Marrocos, com o apoio de França, apresentou uma
proposta que preconiza a autonomia do Sahara Ocidental sob a soberania
Marroquina.
O
arrastar do referendo no Sahara Ocidental, invadido e anexado ilegalmente há
mais de 40 anos é similar ao drama que se viveu em Timor-Leste porque são
sistematicamente ignoradas as sucessivas resoluções das Nações Unidas mesmo
sabendo-se que há uma forte repressão do regime marroquino contra a população
saharui, comprovada por imagens que circulam por todo o mundo, registadas, em
segredo, por telemóveis e vídeos de jornalistas não afectos ao reino de Marrocos.
Atendendo
ao paralelismo existente entre o Sahara Ocidental e Timor-Leste, o Jornal
Tornado entendeu pertinente auscultar a opinião de M. Azancot de Menezes,
Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST), em virtude de ter sido
na década de 90 um dos dirigentes da resistência timorense que mais contestou e
repudiou a proposta de autonomia de Timor-Leste sob a soberania Indonésia e
defendeu de forma indefectível a autodeterminação e independência do território.
Resolução
do Conselho de Segurança
Jornal
Tornado: Qual é a sua opinião sobre a Resolução do Conselho de Segurança
das Nações Unidas de Abril de 2017 sobre o Sahara Ocidental?
Azancot
de Menezes: O Reino de Marrocos, graças ao apoio de alguns países com
influência nas Nações Unidas, com esta nova Resolução do Conselho de Segurança
da ONU consolidou a ocupação do território não autónomo do Sahara Ocidental,
garantindo diversos fins políticos e económicos.
Com
esta Resolução do Conselho de Segurança Marrocos conseguiu que a Frente POLISÁRIO
se retirasse da área de Guergarat, adiou-se a data do referendo mais uma vez e
vai-se continuar a comercializar produtos originários do Sahara Ocidental, um
verdadeiro escândalo, porquanto, a população saharaui continua a viver sem
alimentos, com saneamento básico precário e com problemas terríveis ao nível do
apoio hospitalar e medicamentoso.
Sahara
Ocidental e Timor-Leste
Quer
concretizar o que está a afirmar sobre o sofrimento do povo saharui? Na sua
opinião há paralelismos com a situação vivida durante a ocupação de Timor-Leste
pela Indonésia?
O
que se está a passar no Sahara Ocidental ocupado ilegalmente por Marrocos é um
verdadeiro escândalo, uma inqualificável violação dos direitos humanos muito
idêntica à barbárie ocorrida em Timor-Leste.
Segundo
informações a que tive acesso, de fonte fidedigna, os partos nos hospitais do
território do Sahara Ocidental são atrasados para que os bebés tenham paralisia
cerebral, retiram-se os úteros às mulheres e receitam-se medicamentos
inadequados. Também tomei conhecimento de que um dos inúmeros presos políticos
que está a ser julgado foi submetido a 33 técnicas de torturas diferentes (!),
ou seja, há um conjunto de práticas abomináveis, autenticamente hitlerianas, e
paralelamente adia-se o referendo, com o aumento da entrada de marroquinos para
o território.
O
não cumprimento das Resoluções das Nações Unidas, com o beneplácito dos
próprios países que aprovaram as mesmas Resoluções, resulta do poderosíssimo
tráfico de influências do Reino de Marrocos a trabalhar nos corredores das
Nações Unidas em Nova Iorque junto de determinados países, entre os quais a
França, e que em troca exploram as riquezas do povo saharaui.
Esta
situação inqualificável, como já referi, faz recordar-me o drama vivido em
Timor-Leste. Efectivamente, anualmente, em passado recente, muitos de nós,
timorenses, e representantes de organizações de solidariedade internacional,
apresentávamos petições no Conselho Económico e Social das Nações Unidas em
Nova Iorque para denunciar a brutal violação dos direitos humanos contra o
nosso povo e para denunciar o sistemático incumprimento das Resoluções das
Nações Unidas em relação à invasão e anexação de Timor-Leste.
O
papel da Espanha
Até
à colonização espanhola o povo saharui, nómada, ocupava um território com uma
extensão de 240 mil km2. Foi colonizado por Espanha desde o final do séc. XIX
até Fevereiro de 1976, mês e ano em que a «Frente de Popular de Liberación de
Sagui el Hamra y Rio de Oro», mais conhecida por «Frente POLISÁRIO», proclamou
a República Árabe Saharaui Democrática (RASDT).
Em
1975, o Sahara Ocidental foi invadido por Marrocos. Em que medida é que pode
traçar algum paralelismo com a invasão de Timor-Leste?
Efectivamente,
tal como Timor-Leste foi invadido pela Indonésia, em Dezembro de 1975, em
contexto de descolonização (portuguesa), o Sahara Ocidental foi invadido por
Marrocos, em Novembro de 1975, com a célebre “Marcha Verde”, no âmbito de um
plano engendrado pelo Reino de Marrocos, depois dos “Acordos de Madrid”,
ilegais, formalizados entre Espanha, Marrocos e Mauritânia, sobre o destino do
martirizado povo Saharaui, e à revelia do que é defendido na ONU em relação ao
futuro dos “territórios não autónomos”.
É
bom não esquecer, como de resto foi revelado em 2013 por Juan Justo da
Universidade de Pablo Olavide, a “Marcha Verde”, foi uma estratégia de pressão
usada por Marrocos, com a presença de 350.000 civis e 20.000 soldados, todos
marroquinos, com a intenção de recuperar as províncias do Sul para que nunca se
chegasse a realizar um referendo de autodeterminação.
Após
alguns meses à invasão do Sahara Ocidental por Marrocos, deu-se início à
chacina e brutal repressão do povo saharui, provocando a fuga de milhares de
refugiados para a Argélia. A este respeito, tal como foi retratado pela
jornalista Yolanda Sobero, um ano mais tarde foram vítimas entre 45 a 70 mil
pessoas, a maior parte deles sobreviventes de bombardeios com napalm e outras
bombas incendiárias, exactamente como se viveu em Timor-Leste na década de 70.
Aliás,
tanto quanto se sabe, também a Amnistia Internacional denunciou essa situação…
Exactamente!
A Federação Internacional dos Direitos Humanos, em Fevereiro de 1976, acusou
Marrocos de uma verdadeira acção de genocídio. Tomás Bárbulo, baseado em
relatórios da Amnistia Internacional e da Cruz Vermelha do Sahara, denunciou
que cerca de 40 mil civis saharauis foram bombardeados no interior do deserto
com napalm e fósforo branco, e que o exército marroquino tinha como objectivo
único o extermínio brutal, em que famílias foram completamente assassinadas,
vítimas de violações, torturas, todo o tipo de selvajarias para impedir que o
povo apoiasse os guerrilheiros, tal como aconteceu em Timor-Leste.
Marrocos
e a Frente POLISÁRIO
Depois
de uma guerra sangrenta entre entre Marrocos e a Frente POLISÁRIO, e a retirada
da Mauritânia, em 1991, assinou-se um cessar-fogo patrocinado pela Organização
das Nações Unidas, sob a promessa da realização de um referendo, mas estamos
agora em 2017 e o referendo ainda não foi realizado, a situação vai-se
arrastando, uma conjuntura semelhante ao que se passou com Timor-Leste. Quer
comentar?
O
arrastar da resolução do problema do Sahara Ocidental por mais de quatro
décadas, em quase tudo análogo ao que se viveu em Timor-Leste, ignorando
as sucessivas resoluções das Nações Unidas, é um escândalo internacional,
criminoso, porque acontece com o silêncio do mundo, enquanto se tortura e
exploram as riquezas do povo saharaui, pelo que, é legítimo e um imperativo
questionar, afinal, para quando o referendo no Sahara Ocidental?
O
ex-Subsecretário-Geral de Assuntos Jurídicos e Conselheiro Jurídico da
Organização das Nações Unidas, o sueco Hans Corell, em Abril passado, referiu
que o Conselho de Segurança da ONU deve agir com autoridade e determinação para
lidar com a questão do Sahara Ocidental e garantir a realização de um referendo
sobre a autodeterminação do território ocupado por Marrocos desde 1975.
Enquanto
Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST), profundamente solidário
com causas nobres, subscrevo na íntegra as posições assumidas por Hans Corell,
publicadas em Washington pela Academia Internacional de Justiça.
Desde
logo, deve rejeitar-se toda e qualquer proposta de autonomia para o Sahara
Ocidental sob a soberania de Marrocos, o plano maquiavélico de Marrocos
proposto nas Nações Unidas.
A
proposta de autonomia do Sahara Ocidental sob a soberania de Marrocos foi
aplaudida por França e Senegal, entre outros países…
A
autonomia do Sahara Ocidental em Marrocos é um eufemismo para a oficialização
da integração do território e a inviabilização da independência. Claro, esta
“solução” seria óptima para estes dois países porque para além de continuarem a
explorar as riquezas do povo saharaui ganharia força a tese de uma autonomia
para a região de Casamansa (Sul do Senegal) e o aniquilamento do MFDC –
Movimento das Forças Democráticas de Casamansa.
A
tentativa de uma autonomia de Timor-Leste sob a soberania Indonésia também foi
planeada pelo regime indonésio, lembro-me como se fosse hoje, mas o Partido
Socialista de Timor rejeitou categoricamente e prosseguiu-se a luta rumo à
autodeterminação.
Solução
para o Sahara Ocidental
Na
sua opinião, tendo por referência o caso da libertação de Timor-Leste, qual é a
solução para o Sahara Ocidental?
Toda
e qualquer solução para o Sahara Ocidental deve estar em conformidade com o
direito internacional, portanto, na linha de pensamento de Corell, só há três
soluções razoáveis a seleccionar.
Uma
solução é a realização do referendo para que o povo saharaui possa exercer o
seu direito à autodeterminação, com a participação exclusiva da população
autóctone, transformando-se a MINURSO (Missão das Nações Unidas para o
Referendo no Sahara Ocidental) numa espécie de UNTAET (Administração
Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste) para exercer em conjunto com a
Frente POLISÁRIO a autoridade legislativa e executiva, incluindo a
administração da justiça.
Outra
opção, tal como nós o fizemos com Timor-Leste exigindo que Portugal assumisse
as suas responsabilidades enquanto potência administrante do território, é
exigir que Espanha assuma, também ela, as suas responsabilidades como potência
administrante do Sahara Ocidental, conducente ao referendo, em exclusivo com o
voto da população autóctone, em busca da autodeterminação.
Uma
última solução, aquela que me parece mais justa e drástica, é simplesmente o
Conselho de Segurança das Nações Unidas reconhecer o Sahara Ocidental como
Estado soberano, e obrigar Marrocos à saída imediata do território, com o
reconhecimento do Sahara Ocidental como país membro das Nações Unidas.
“Exigir
que a ONU realize o referendo”
Estimado
Dr. Azancot de Menezes, agradecemos muito o seu testemunho em defesa da
libertação total do Sahara Ocidental.
Enquanto
timorense e cidadão do mundo tenho essa obrigação moral e ética. Todos nós
devemos denunciar a situação de repressão criminosa vivida no Sahara Ocidental
e exigir que a ONU realize o referendo conducente à autodeterminação e
independência do povo saharaui.
SEMELHANÇAS
A
situação do Sahara Ocidental tem muitas semelhanças com o caso de Timor-Leste
TIMOR-LESTE
1
- Timor-Leste era uma colónia portuguesa.
2
- As Nações Unidas incluíram Timor-Leste no programa internacional, em 1960, na
lista dos territórios não autónomos, em que Portugal era a potência
administrante do território.
3
- Portugal iniciou o processo de descolonização que foi interrompido com a
invasão e anexação por parte da indonésia.
4
- As Nações Unidas nunca reconheceram a integração de Timor-Leste na Indonésia.
5
- O Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas solicitaram a
retirada da Indonésia.
6
- Iniciou-se um processo de negociação supervisionado pelas Nações Unidas.
7
- A Indonésia propôs um plano de autonomia de Timor-Leste sob a soberania
Indonésia.
8
- O plano de autonomia Indonésio era suportado pelos países com interesse em
explorar o petróleo e outras riquezas de Timor-Leste.
SAHARA
OCIDENTAL
1 - O Sahara Ocidental era uma colónia espanhola.
2
- As Nações Unidas incluíram o Sahara Ocidental no programa internacional, em
1963, na lista dos territórios não autónomos, em que Espanha era a potência
administrante do território.
3
- Espanha iniciou o processo de descolonização que foi interrompido pela
invasão e anexação por parte de Marrocos.
4
- As Nações Unidas nunca reconheceram a integração do Sahara Ocidental em
Marrocos.
5
- O Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas solicitaram a
retirada de Marrocos.
6
- Iniciou-se um processo de negociação supervisionado pelas Nações Unidas.
7
- Marrocos propôs um plano de autonomia do Shara Ocidental sob a soberania de
Marrocos.
8
- O plano de autonomia Marroquino é suportado pelos países com interesse em
explorar o fosfato e outras riquezas do Sahara Ocidental.
* M. Azancot de Menezes, Díli, é professor universitário e
Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST). Também colabora no Página Global.
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