Parto
de um caso concreto tentando sintetizar uma história com vários actos em poucas
penadas.
Tiago
Mota Saraiva | jornal i | opinião
Um
trabalhador no desemprego decide recorrer a um dos “apoios do Estado” ao
“empreendedorismo” antecipando o recebimento das prestações de subsídio para
construir o seu negócio. Depois de passar por um périplo de meses de formações
e condicionamentos, idas e vindas ao centro de emprego e decisões de quem pouco
mais sabe do que exercer o seu poder sobre outrem, chega o contrato e o
dinheiro – faz-me confusão tratar o adiantamento de um subsídio do desemprego
para o qual o trabalhador já contribuiu durante anos de salário como apoio.
Nesta
contratação, o Estado procura garantir que o posto de trabalho se mantenha e
que a empresa não seja apenas um fogacho – o que me parece muito bem – mas, num
pequeno artigo entre vários de legislação cruzada, retira ao trabalhador o
direito de poder ter, cumulativamente, outro contrato de trabalho.
Neste
caso concreto, quando se deu o cruzamento de dados através da duplicação de
pagamentos da segurança social, não demorou um mês a chegar o despacho do
centro de emprego (que não alertou o trabalhador para a nuance) exigindo a
devolução do valor integral do financiamento – inclusivamente dos anos em que
esteve apenas com o primeiro contrato. Passamos à segunda fase: justificação,
contestação e recursos a que, alegadamente, o trabalhador tem direito. As
primeiras respostas começam por repetir diplomas legais sem, de facto, atender
aos argumentos e responder às perguntas.
Quanto
mais alto se sobe na cadeia hierárquica do recurso, mais genérico, até atingir
o nível do director que não está para responder. Acabou a história? Não. O
director que não dá resposta manda o processo para execução fiscal de dívida na
certeza que poucos serão os trabalhadores com capacidade financeira para o
chamar a tribunal e que não temem perder o processo e, consequentemente, pagar
custas e juros. Mas infelizmente este não é caso único, nem se restringe à
cadeia hierárquica da Segurança Social.
Descreve
um país subterrâneo de práticas feudais enraizadas, em que o trabalhador
desempregado perde direitos e uma parte da estrutura do Estado é treinada para
tratá-lo como estando a cumprir uma pena. Mais, descreve um país em que, de
facto, a maioria dos trabalhadores não tem todos os direitos de recurso
reconhecidos na lei.
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