Em
entrevista exclusiva à DW, Mário Machungo diz que a má gestão da economia
moçambicana é a principal responsável pelo sobreendividamento do país.
Quem
sustenta a acusação é o antigo primeiro-ministro de Moçambique, Mário da Graça
Machungo, doze anos depois do perdão
da dívida externa pela iniciativa HIPC (em inglês: "Heavily
Indebted Poor Countries"), que beneficiou os países pobres altamente
endividados.
Em
Lisboa, onde participaou até quarta-feira (31.05.) nas conferências do Estoril,
o atual administrador bancário e perito em políticas monetárias opina que a
solução da crise da dívida escondida passará pela negociação com o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial. Ele duvida que seja através do
recurso ao Clube de Paris. Entre 2012 e 2015, a dívida escondida de Moçambique
rondava 2, 2 mil milhões de dólares.
Mário
Machungo foi primeiro-ministro entre 1986 e 1994. Em entrevista exclusiva à DW,
afirma que houve descuido para que o país voltasse a sobreendividar-se.
Sem
apontar culpados, o economista moçambicano admite que houve má gestão da
economia do país, o que levou à situação atual. Segundo ele, "não havia
razão para essa situação”. Confira a entrevista:
DW
África: Seria o perdão a solução para a nova crise da dívida de Moçambique?
Mário
Machungo (MM): Não sei se haverá perdão da dívida como nós gozamos no
passado. Já tivemos perdão porque saímos de uma situação em que houve,
evidentemente, uma agressão aberta ao Estado moçambicano por parte do regime do
apartheid [da África do Sul]. Isso levou à destruição completa da economia
moçambicana, que não podia pagar as suas dívidas. A comunidade internacional
compreendeu que Moçambique merecia, de facto, um apoio no perdão da sua dívida
para poder sair da crise em que se encontrava, provocada do exterior, para poder
trilhar novos caminhos. Agora, com o anúncio de um "boom” de
investimentos, etc., não sei se a solução de perdão da dívida vai
funcionar ou se será outra em que a dívida terá de ser paga noutras ocasiões.
DW
África: Considera que o país devia recorrer ao Clube de Paris, a associação
informal dos países credores?
MM: Não
sei se vai ser discutida no âmbito do Clube de Paris. Penso que vai ser
discutida no âmbito do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.
DW
África: Mas, não seria legítimo Moçambique recusar o pagamento da dívida
escondida das duas empresas estatais MAM – Mozambique Asset Management – e
ProIndicus, já que esta dívida nunca foi autorizada pelo Parlamento?
MM: Ainda
bem que lhe chama de duas dívidas de empresas estatais que estão envolvidas
nisto. É um processo muito complexo. O relatório
da empresa Kroll ainda não é conhecido. Não sabemos também qual será a
posição da Procuradoria Geral da República perante este relatório. Só depois
disso é que poderemos nos posicionar sobre o que será.
DW
África: Por uma questão de justiça e de transparência, não acha que os
verdadeiros culpados deveriam ser punidos pelo aumento da dívida, que triplicou
de 40 por cento do PIB em 2012 para cerca de 130 por cento em 2016?
MM: Eu
tenho dificuldades de dizer quais são. Às vezes, nós em África, alguns
responsáveis pensam que podem tomar certas medidas e andar para a frente, ainda
que não sejam de todo condenáveis. Entretanto, esquecem-se das instituições
existentes. Têm que ouvir essa instituição, ter autorização, etc. (…). Este é
um fenómeno que infelizmente acontece em muitos países africanos. Chegou a
acontecer no nosso país. De modo que, depende da posição que tomar a
Procuradoria Geral da República (PGR). E depois, se quiser a PGR tomar uma
posição favorável no sentido de que o Estado moçambicano tem de assumir, apesar
de tudo, essas dívidas, a Assembleia da República terá de ratificar ou não.
DW
África: Certamente que esta crise da dívida tem efeitos perversos na economia
moçambicana?
MM: Tem.
Sobretudo no Orçamento Geral do Estado, na dívida pública relativamente ao PIB;
tem efeitos e encargos muito grandes que vão impedir a realização de muitos
projetos de desenvolvimento, sobretudo sociais, com impacto na vida dos
moçambicanos.
DW
África: Para lá das consequências ou efeitos negativos da dívida oculta na
economia moçambicana, em respeito à situação política, acredita que existe
vontade de ambas as partes em conflito, o Governo e a RENAMO, em trazer a paz
para Moçambique?
MM: O
que eu sinto é que há uma vontade política dos dois lados em conflito de trazer
a paz para Moçambique, porque os donos do mundo também querem essa paz para
poderem trabalhar melhor e extrair melhor os recursos que existem.
João
Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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