domingo, 9 de julho de 2017

PRESTIDIGITAÇÃO | Contas da Sonangol são "mágicas", diz analista



Para Rui Verde, os resultados positivos apresentados, recentemente, pela Sonangol são apenas um golpe de marketing. Os resultados líquidos da empresa estatal angolana diminuíram 360% de 2015 para 2016, diz.

A petrolífera estatal angolana Sonangol apresentou, esta semana, os resultados referentes a 2016. Segundo a presidente do Conselho de Administração da empresa, Isabel dos Santos, a petrolífera cresceu 36% no ano passado, apesar da crise. Mas, em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde, afirma que as conclusões apresentadas são apenas um golpe de marketing.

DW África: Porque é que diz que estas contas da Sonangol são contas mágicas?

Rui Verde (RV): São mágicas na forma em que foram apresentadas: como um grande sucesso quando, na realidade, os únicos números positivos estão nos resultados operacionais. Os resultados líquidos que, ao fim do dia, é o que o Estado leva para casa, são extremamente negativos em relação ao ano anterior. Há uma espécie de marketing a querer transmitir que as contas são muito boas quando, na realidade, não são.

DW África: Num artigo no portal Maka Angola, fala em falta de transparência e em algumas reservas dos auditores quanto às relações entre o Estado e a Sonangol. O que é que está aqui em causa?

RV: Os auditores são muito cautelosos e as contas têm algumas reservas importantes. São aspectos que os auditores não confirmam. Um dos temas mais importantes é a transferência de dinheiro entre o Estado e a Sonangol. Há muitos e muitos milhões de dólares que andam do Estado para a Sonangol e vice-versa e ninguém sabe explicar porque é que andam, não há documentos justificativos, não há certezas dos montantes, não há nada.

DW África: Por um lado, a Sonangol apresenta contas positivas, mas, ao mesmo tempo, diz, por exemplo, que a  construção da refinaria do Lobito, em Benguela, vai continuar parada em 2017, devido à quebra do preço do petróleo no mercado internacional. Em que é que ficamos?

RV: Pois, esse é o grande problema. De facto, as contas são negativas e a Sonangol não tem dinheiro para fazer investimentos. Basicamente é isto: há falta de dinheiro. Apesar das habilidades contabilísticas e do marketing, no final, a questão é esta. Não há dinheiro e a Sonangol não está a gerar os proventos que deveria gerar. Os resultados líquidos – o dinheiro que a empresa tem no fim para investir, para fazer o que quiser – diminuíram 360% de 2015 para 2016.

DW África: Pode exemplificar estas "habilidades contabilísticas” que menciona?

RV: O que tivemos foi o aumento do perímetro de consolidação das contas. Basicamente, puseram mais ativos para se considerar na contabilidade da Sonangol. Mas o essencial nem é bem uma habilidade contabilística. O essencial é que os resultados de uma empresa têm vários itens: os resultados operacionais, os resultados financeiros e os resultados líquidos que, no fim, são aqueles que interessam. Quando se fez a divulgação das contas da Sonangol foram apresentados apenas os resultados operacionais - que estão melhores, devido à ligeira subida do preço do petróleo no segundo semestre de 2016 – e esqueceram-se de falar dos resultados líquidos, que estão muito piores. As coisas até estão lá nas contas, é preciso é saber lê-las e ver que a situação está a deteriorar-se. As eventuais melhorias resultam diretamente das oscilações do preço do petróleo.

DW África: Diz também que as contas da Sonangol são uma encenação para efeitos de propaganda eleitoral.

RV: Não são bem as contas, é a forma como as contas são apresentadas.

DW África: E depois das eleições? O que é que se espera?

RV: Temos um problema. Temos um problema muito grande. Obviamente, a Sonangol é quem dá ou não dinheiro ao Estado. Depois das eleições, o Estado vai continuar a não ter dinheiro. Podem agora, como se sabe, aumentar os ordenados, estão a fazer promessas, mas, na realidade, depois de agosto, não vai haver dinheiro. Em setembro, os cofres de Angola vão estar vazios. Portanto, aí, acaba-se o marketing.

Maria João Pinto | Deutsche Welle

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