Republicanos
e democratas recusam comparar supremacistas brancos a contra-manifestantes. Conselho industrial da Casa Branca é desmantelado após vaga de demissões.
João
Ruela Ribeiro | Público
O
ciclo parece repetir-se ao sabor de cada controvérsia que envolve Donald Trump
desde que chegou à Casa Branca. Rebenta um acontecimento, o Presidente faz
comentários (chocantes para uns, politicamente incorrectos para outros),
republicanos e democratas unem-se na condenação a Trump e, pelo meio, há gente
a bater com a porta na Casa Branca. No fim do dia, a poeira assenta, as redes
sociais encontram uma nova indignação, e o magnata nova-iorquino mantém-se e
prepara o próximo tweet incendiário.
Nos
últimos dias o ciclo repetiu-se, com a violência protagonizada por elementos
ligados a movimentos de extrema-direita, neo-nazis e supremacistas brancos em
Charlottesville (Virgínia), que acabou por matar uma mulher de 32 anos. Os
principais protagonistas da política americana invadiram em peso as televisões,
as páginas dos jornais, as ondas da rádio, os sites noticiosos e as
redes sociais em geral, para transmitir uma mensagem que poucos pensavam ser
necessário repetir em 2017: não se pode comparar o comportamento de racistas e
neo-nazis com as acções de quem os combate.
“A
América deve rejeitar sempre a intolerância racial, o anti-semitismo, e o ódio
em todas as suas formas”, afirmaram os dois últimos Presidentes republicanos,
George Bush e George W. Bush. Antes, o filho e irmão dos dois antigos
Presidentes, Jeb Bush, foi um dos que criticou abertamente a “ambivalência” de
Trump. “Peço ao Presidente Trump que una o país, e não que divida a culpa pelos
acontecimentos em Charlottesville”, disse o ex-candidato presidencial.
O
senador republicano John McCain, habitual crítico de Trump, disse que “não deve
haver equivalência moral entre racistas e americanos que se levantam para
combater o ódio e a intolerância. O Presidente dos Estados Unidos deve
dizê-lo.” As críticas ao discurso de Donald Trump estenderam-se até à cúpula do
partido que apoiou a sua candidatura. O speakerdo Congresso, Paul Ryan,
afirmou que “não pode haver ambiguidade moral” e o líder da maioria
republicana, Steve Scalise, apelou ao combate contra “a supremacia branca e
todas as formas de ódio”.
Entre
os democratas, a crítica foi obviamente ainda mais directa. “Quando [o ex-líder
do Ku Klux Klan] David Duke e os supremacistas brancos festejam os seus
comentários é porque está a fazer algo de muito, muito errado”, disse o líder
da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer.
Há
muitas formas de expressar o mesmo sentimento, mas Donald Trump não escolheu
nenhuma delas. Na terça-feira, uma conferência de imprensa na Trump Tower, em
Nova Iorque, convocada para apresentar o seu projecto de construção de infraestruturas, transformou-se numa azeda troca de
palavras entre o Presidente dos Estados Unidos e vários jornalistas,
que pareciam não acreditar no que ouviam.
“Penso
que há culpas em ambos os lados”, disse Trump, repetindo a expressão que
utilizou na primeira ocasião em
que reagiu publicamente aos confrontos violentos de Charlottesville no
sábado. Seguiram-se várias tentativas até ser emitida uma condenação
considerada “presidencial”. Pressionado a condenar expressamente os actos de
violência perpetrados por membros de grupos neo-nazis e supremacistas brancos,
a Casa Branca divulgou um curto
comunicado não atribuído a Trump, com uma gralha na primeira versão.
Quase 48 horas depois da morte de Heather Heye, atropelada de forma intencional
por um defensor da supremacia
branca, Trump denunciou
finalmente o “KKK, supremacistas brancos e outros grupos de ódio”.
Mas
esta quarta-feira, tudo voltou à estaca zero, gerando uma onda de condenação
que varreu a América. Trump comparou a violência exercida pelos grupos racistas
e neo-nazis aos actos dos contra-manifestantes, que apelidou de “alt-left”
(“esquerda alternativa”) adaptando a auto-denominação que os militantes da
extrema-direita americana dão ao seu movimento – e que apoiou activamente Trump
durante a campanha presidencial.
Confrontado
com os comportamentos violentos dos homens – eram sobretudo do sexo masculino –
que marcharam pelas ruas de Charlottesville com metralhadoras, bandeiras com
suásticas e da Confederação, Trump respondeu com uma condenação dos
contra-manifestantes. “Então e o facto de eles terem avançado, de terem atacado
com bastões nas mãos, agitando bastões? Há algum problema com eles? Eu acho que
há”, afirmou.
A
reacção de Trump foi rapidamente elogiada por David Duke, que lhe agradeceu
pela “honestidade e coragem” e por ter “condenado os terroristas de esquerda”.
Não há muitos exemplos de Presidentes com uma proximidade tão declarada e
assumida de grupos que sempre existiram na sociedade norte-americana, mas que
sempre viram vedado o acesso ao centro nevrálgico do poder político. O New
York Times lembrava as palavras de George Bush, quando em 1991, Duke
tentou candidatar-se a governador do Louisiana. “É inconcebível que alguém que
recentemente apoiou o nazismo possa aspirar a um cargo de liderança numa
sociedade livre.”
A
recusa de Trump em condenar abertamente a violência dos supremacistas brancos
gerou um êxodo acelerado no grupo de conselheiros para a indústria da Casa
Branca, obrigando o Presidente norte-americano a anunciar a sua dissolução. Em menos
de uma semana, foram oito os empresários a apresentar demissão do conselho que
juntava directores de algumas das principais multinacionais norte-americanas.
“Em vez de pôr sob pressão os empresários do Conselho de Indústria e Estratégia
e do Fórum de Políticas Económicas, vou acabar com ambos”, justificou Trump,
através do Twitter.
Foto: Reuters / AMR Alfiky
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