Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Não
é difícil adivinhar que o debate em torno do Orçamento do Estado será bastante
constrangido pelo peso da dívida e pelo espartilho das regras orçamentais da
União Europeia (UE), que restringem a capacidade de recuperação do investimento
e a implementação de serviços públicos de qualidade. Tal constatação desafia o
Governo a procurar argumentos e propostas que se distanciem dos
fundamentalismos da UE. Por outro lado, confirma a necessidade de tornar a
questão da dívida num tema constante da agenda política. Em Portugal ele deve
ser persistentemente estudado e polemizado de forma dinâmica e ativa.
Há,
entretanto, neste tempo de debate orçamental, outras sombras preocupantes a
necessitarem de mais exposição e debate.
Congratulamo-nos
com os números do crescimento económico e do emprego, mas interrogamo-nos pouco
acerca do tipo de crescimento e de emprego criado. Tudo indica que a
recuperação da atividade económica e do emprego está a ser acompanhada por uma
significativa alteração da estrutura da economia. O peso de setores de baixa
produtividade e baixos salários (agricultura, serviços às empresas, alojamento,
restauração, etc.) no emprego e no produto está a reforçar-se. Em consequência,
não obstante o aumento da produtividade noutros setores, nomeadamente na
indústria, a produtividade agregada, ou seja, a produtividade média observada
no conjunto dos setores de atividade privada estagnou. Este facto ajuda a
perceber a razão pela qual o ritmo de crescimento do emprego é superior ao
ritmo de crescimento do produto e porque os salários, em média, se mantêm
estagnados.
Este
padrão de crescimento intensivo em trabalho mal remunerado é alimentado, fundamentalmente:
i) pelo desemprego que se mantém elevado; ii) pela reconfiguração regressiva
das instituições que enquadram as relações de trabalho, desde logo a imposição
de um quadro legislativo que fragilizou os trabalhadores e diminuiu e
empobreceu a negociação coletiva; iii) por impactos decorrentes de manipulações
e práticas perversas presentes nos processos migratórios.
A promoção de políticas económicas que assentam o seu êxito na desvalorização salarial - opção muito implementada com a troika - é um rumo desastroso e os seus frutos aí estão: a economia portuguesa com uma estrutura que reforça o emprego mal remunerado e acentua a sua especialização em atividades de baixo valor acrescentado.
A promoção de políticas económicas que assentam o seu êxito na desvalorização salarial - opção muito implementada com a troika - é um rumo desastroso e os seus frutos aí estão: a economia portuguesa com uma estrutura que reforça o emprego mal remunerado e acentua a sua especialização em atividades de baixo valor acrescentado.
Um
país que emprega apenas quem não tem alternativa senão aceitar um salário de
subsistência, ou até menos, é um país destinado a expulsar os cidadãos com
qualificações internacionalmente valorizadas e a substituí-los por "mão de
obra importada" de países onde as pessoas vivem em pobreza absoluta.
Portugal precisa dos seus trabalhadores qualificados e vai precisar de acolher
com trabalho digno os seus imigrantes. Portugal tem de ir dispensando os
"empresários de êxito" que vivem da exploração desenfreada de quem
trabalha.
Se
a baixa produtividade é um grave problema para o país, e sem dúvida é, então
haja objetividade e seriedade, desde logo por parte dos empresários, na
abordagem do problema. Não se pode defender a desvalorização salarial em nome
do aumento da competitividade, sabendo que se está a agravar a baixa produtividade
e depois invocar essa baixa produtividade para atacar os direitos dos
trabalhadores e impedir a melhoria de salários. Está provado até à exaustão que
o desemprego e o emprego mal remunerado são os maiores inimigos da inovação, no
plano tecnológico, na organização do trabalho e nas práticas de gestão.
Portugal
precisa de valorização do trabalho, envolvendo não só o salário, mas também
outras condições de trabalho. Diz-se que as empresas fogem e provocam
destruição de emprego se não tiverem apoios e incentivos. Pois bem, o mesmo
acontece com as pessoas, a começar pelos mais qualificados, se não lhe
reconhecermos direitos, valorização profissional e remuneração digna.
O
aumento da produtividade, crucial para tornar sustentável o crescimento,
depende hoje, em grande medida, de políticas que valorizem os salários, na
certeza que a sua implementação irá desencadear polémicos, mas indispensáveis,
debates sobre problemas que lhes estão a montante e a jusante.
*Investigador
e professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário