Pedro Tadeu | Diário de Notícias
| opinião
Não se põe uma criança a chorar
frente a um milhão de pessoas. Não se disciplina uma criança frente a um milhão
de pessoas. Não se ralha a uma criança frente a um milhão de pessoas. Não se
discute a educação de uma criança frente a um milhão de pessoas.
Não se discute o amor dos pais de
uma criança para uma plateia de um milhão de pessoas. Não se faz de um quarto
de uma criança o palco de um espetáculo ridículo para um milhão de pessoas. Não
se faz de uma criança um ator amacacado da sua própria personalidade, só para
conseguir entreter um milhão de pessoas.
Não se inculca, condiciona,
manipula, negoceia, chantageia, castiga, premeia ou envergonha uma criança
frente a um milhão de pessoas. Não se explora, para gozo de um milhão de
pessoas, a imaturidade, a inocência, a infantilidade de crianças inconscientes,
inconstantes, incoerentes, irresponsáveis e, por tudo isso, indefesas.
Não se faz negócio, comércio,
tráfico de emoções com crianças que nunca podem estar preparadas, precisamente
por serem crianças, para decidir, por si só, em consciência, se realmente é do
seu interesse aceitar vender o riso ou a lágri- ma a um milhão de pessoas.
Não se mostra a um milhão de
pessoas uma criança, aos berros, descontrolada, de raiva. Não se mostra a um
milhão de pessoas uma briga, estúpida, de crianças irmãs.
Não se revelam os erros de uma
criança a um milhão de pessoas. Não se divulgam os erros dos pais de uma
criança a um milhão de pessoas.
Uma criança numa família
disfuncional não é exemplo pedagógico para um milhão de pessoas.
Uma criança com pais
incompetentes, doentes, amargos, deprimidos, gananciosos, egocêntricos,
incautos, distraídos, enganados, esmagados ou pouco inteligentes não pode ser
usada como modelo comportamental para um milhão de pessoas.
Uma criança com dificuldades de
aprendizagem, de socialização, de agressividade, de timidez, de obediência ou
de afirmação não pode ser exibida a um milhão de pessoas como exemplo sintético
do mal psiquiátrico ou analítico do desvio psicológico.
Uma criança com problemas
pessoais ou familiares deve ser ajudada, sim, mas não deve ver o seu problema
íntimo, intransmissível, único, ser transformado num anátema eternizado para o
resto da vida através da exposição a um milhão de pessoas das suas dores, sejam
superficiais, sejam profundas.
A alegria, a tristeza, o êxito, o
fracasso, a angústia, a candura, a malícia, a perversidade, o carácter de uma
criança não é assunto para ser debatido por um milhão de pessoas como quem
discute o enredo de uma telenovela.
O problema da Supernanny,
com o seu casaquinho vermelho, as sobrancelhas arrebitadas e os maneirismos
queques, qual diabinho simpático, não são as múltiplas ideias que ela tem sobre
a educação das crianças e das suas famílias. O problema da Supernanny é
ela não ter recebido educação essencial para reter uma única ideia ética sobre
a era mediática.
Sendo assim, usando pedagogia
antiga, proponho que para educar a Supernanny a obriguem a escrever, num quadro
de ardósia, um milhão de vezes, tantos quantos os espectadores do seu programa,
a seguinte frase: "A intimidade de uma criança não é um espetáculo giro. A
intimidade de uma criança não é um espetáculo giro. A intimidade de uma criança
não é um espetáculo giro. A intimidade de uma criança não é um espetáculo giro.
A intimidade de uma criança não é um espetáculo giro. A intimidade de uma
criança não é um espetáculo giro..."
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