No dia 1º de Fevereiro o
Secretário de Estados dos EUA, Rex Tillerson, realizou um
discurso na Universidade do Texas, no qual abordou as relações
diplomáticas com os países da América Latina. Sua fala não foi casual, mas
introduziu a visão do país sobre o tema e precedeu o início de uma viagem
oficial de sete dias pela região, incluindo visitas ao México, Panamá,
Colômbia, Peru, Argentina e Jamaica. Na ocasião, Tillerson ressaltou a
convergência de valores no continente americano e a importância da região na
estratégia internacional estadunidense.
Livia Milani*
Além disso, expressou o objetivo
de seu país em promover a liberdade política e as reformas econômicas
pró-mercado, assim como fortalecer a governança democrática, as medidas
anticorrupção e a luta contra o crime organizado transnacional.
Contudo, como destacado pelos
periódicos El
País e New
York Times, o que mais chamou atenção foi a ênfase atribuída por Tillerson
ao aumento da presença chinesa nas Américas. O Secretário ressaltou que o
investimento e o comércio chinês com a região vêm aumentado, sendo que tal país
se tornou o principal parceiro comercial de Argentina, Brasil, Chile e Peru, e alertou
que a parceria com a potência asiática sempre vem com um custo. Segundo o
representante estadunidense, o modelo de desenvolvimento e a atuação
internacional chinesa têm como consequências benefícios no curto prazo e
dependência no longo prazo. Além disso, em sua visão, trata-se de um modelo
extrativo e predatório, que beneficia apenas a população chinesa e atua na
contramão da promoção dos direitos humanos ou da democracia. Nas palavras de
Tillerson, “a
América Latina não precisa de novos poderes imperiais que buscam beneficiar
apenas sua própria população”.
Segundo
noticiado pela Reuters, o discurso do Secretário de Estado foi seguido de
um comunicado do Ministério de Relações Exteriores chinês. O documento afirmava
que o discurso de Tillerson era desrespeitoso em relação aos países
latino-americanos e que a cooperação entre a China e a América Latina baseia-se
na igualdade, liberdade e em ganhos mútuos. O comunicado destacava ainda que o
comércio chinês com a região não afeta nenhuma terceira parte e não deve ser
visto como um jogo de soma zero.
Cabe ressaltar que o discurso de
Tillerson ocorreu pouco tempo depois de a uma reunião que congregou a China e
os trinta e três países da Comunidade dos Estados Latinos Americanos e
Caribenhos (CELAC). Durante a reunião ocorrida em 22 de janeiro, o ministro das
Relações Exteriores chinês, Wang Yi, ressaltou que a China tem praticado na
América Latina uma diplomacia
de benefícios e ganhos conjuntos. Na oportunidade, Yi buscouaproximar e
incluir a região na principal iniciativa diplomática contemporânea
chinesa, a chamada Nova Rota da Seda.
Interessante notar a semelhança
dos discursos dos representantes de ambas as potências, que argumentam que as
suas relações com a região trazem benefícios para ambas as partes. Yi ressalta
que a atuação chinesa tem como resultado o desenvolvimento conjunto e baseia-se
em valores comuns, especialmente o multilateralismo. Apesar de afirmar que não
atinge terceiras partes, a diplomacia chinesa tem consciência de que sua
aproximação com a América Latina, tradicional área de influência
norte-americana, pode gerar reações por parte desta potência mundial.
Tillerson, por sua vez, argumenta
que os Estados Unidos são um ator que se preocupa com a prosperidade regional,
com a promoção da liberdade e segurança na América Latina, atuando em favor do
hemisfério e com base em valores comuns, especialmente a democracia e os
direitos humanos. Contudo, ironicamente, essa narrativa contradiz o slogan America
First sustentado pelo presidente Donald Trump desde o início de sua
campanha eleitoral. O Mandatário defende a necessidade de atribuir maior ênfase
aos interesses nacionais estadunidenses e colocá-los em primeiro lugar. Nesse
sentido, a crítica estadunidense sobre a China priorizar as necessidades de
seus nacionais também poderia ser aplicada aos Estados Unidos, conforme o
próprio discurso sustentado por Donald Trump.
O discurso de Tillerson, por
outro lado, reconhece um cenário que se desenha desde o início dos anos 2000,
marcado pelo aumento da presença chinesa e a relativa diminuição da presença
econômica dos Estados Unidos na região. A China tornou-se o primeiro parceiro
comercial de países da região em detrimento da potência norte-americana. Os
investimentos e empréstimos chineses ocupam um espaço que anteriormente era
dominado pelos Estados Unidos. Nesse contexto, configura-se um cenário de
aumento da competição entre a potência estabelecida e a emergente sobre a
influência na América do Sul. Há que se ressaltar que se trata de uma
rivalidade de baixa intensidade e baixo perfil, essencialmente econômica. Embora
tenha um fundo geopolítico, trata-se de uma dinâmica essencialmente diferente
daquela que existe atualmente na Ásia, onde os traços de competição militar
apresentam-se de forma cada vez mais ressaltada.
* Livia
Milani - Colaboradora Voluntária do CEIRI | 7 de Fevereiro de 2018
Imagem: “Tillerson participa em
conferência de imprensa conjunta com o Ministro de Relações Exteriores Argentino, Jorge
Faurie” (Fonte: Departamento de Estado):
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