O relatório anual da Amnistia
Internacional aponta violações que continuam a acontecer nos países africanos,
apesar de haver alguns sinais de mudança. Angola e Moçambique são destaques no
caso dos PALOP.
O último ano em África foi
marcado por violentas medidas contra manifestações pacíficas, opositores
políticos, defensores dos direitos humanos e organizações da sociedade civil.
Isto é o que destaca o relatório "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo
2017/2018", divulgado pela Amnistia Internacional (AI) esta quinta-feira
(22.02).
No âmbito dos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa (PALOP), situações de repressão contra os cidadãos
também foram registadas, como, por exemplo, durante o período eleitoral em
Angola.
Em entrevista à DW África, o
diretor da organização em Portugal, Pedro Neto, diz que, no caso angolano, é
possível notar mudanças favoráveis aos direitos humanos, principalmente no
cenário político, com a mudança do chefe de Estado. Entretanto, a liberdade de
expressão ainda é limitada.
Pedro Neto sublinhou também que é
preciso, em Moçambique, uma legislação eficaz, que consiga "punir e
desincentivar" a cultura da violência contras as mulheres e os
albinos.
DW África: Qual é a situação
atual dos direitos humanos nos PALOP? Há melhorias em relação ao ano passado?
Pedro Neto (PN): Alguns
problemas continuam os mesmos, noutros verificamos algumas melhorias. Por
exemplo, no caso de Angola, tivemos o processo eleitoral que levou à
substituição do Presidente da República e isso é uma melhoria.
Mas dou-lhe um exemplo da questão
da liberdade de expressão: houve um evento que foi uma novidade em Angola, que
foi uma conferência de imprensa aberta por parte do Presidente angolano, João
Lourenço. Essa conferência não tinha perguntas pré-acordadas. Portanto, os
jornalistas puderam colocar as questões que entenderam. No entanto, alguns
jornalistas – e alguns até que trabalham para os órgãos de comunicação social
com ligação ao Estado – foram intimados devido às questões que fizeram.
DW África: Em Angola, houve
várias violações dos direitos humanos durante as eleições gerais do ano
passado. Para além de acompanhar estes casos, a AI questionou as
autoridades angolanas?
PN: Nós verificamos os
acontecimentos. Mas também não era o Governo que tinha que esclarecer, quando
muito a Comissão Nacional Eleitoral. No entanto, foram episódios que fomos
verificando e testemunhando, portanto, eles são factuais e não necessitam de
outra verificação. Não há aqui perguntas a se fazer. De facto, em relação aos
últimos anos, aquilo que temos estado a verificar é que existe uma cultura de
impunidade.
DW África: Em Moçambique, a
violência contra as mulheres e os albinos está em destaque no relatório. O que
é preciso para garantir proteção a essas pessoas?
PN: A primeira parte para a
mudança é legislar contra a discriminação de género e contra a violência para
as pessoas albinas. Esta é a primeira questão: punir e desincentivar através da
lei. Em segundo lugar, acompanhar esta mudança de mentalidade que é todos nós
temos de olhar para o outro como tão humano quanto eu, e não considerá-lo menos
ou mais.
DW África: Por que motivo um país
como a Guiné-Bissau, por exemplo, que está numa profunda crise
político-institucional, não aparece no relatório?
PN: A AI, infelizmente, é
limitada na capacidade dos seus recursos e por isso não fazemos entrada
para todos os países do mundo. Não quer dizer que não estamos a acompanhar o
caso da Guiné-Bissau e que não façamos investigação também em relação ao
que acontece naquele país.
DW África: São Tomé e Príncipe e
Cabo Verde também estão ausentes. Porquê?
PN: É a mesma situação.
Contudo, parece-me que, comparativamente, a situação na Guiné-Bissau é bastante
pior que em Cabo Verde, por exemplo, ou em São Tomé e Príncipe. No entanto,
ainda que existem muitos desafios nesses dois países também.
DW África: Também em outros
países, como o Quénia e o Ruanda, por exemplo, ocorreram violações dos direitos
humanos durante o período eleitoral. Há por parte das autoridades africanas
algum esforço para pôr fim a estes episódios?
PN: Oxalá que o trabalho que
a AI faz, e também a denúncia e o alarme que demonstra sobre a forma como estas
coisas se procedem, que isso venha a influenciar a mudança de comportamento das
autoridades. Tivemos uma mudança na liderança política na Gâmbia, tivemos
agora também na África do Sul, já em 2018, e que ocorreu de forma pacífica. As
pessoas estão a mobilizar-se e a exigir que haja transparência política, que haja
eleições justas. E já tivemos alguns casos em alguns países onde, se calhar, há
20 anos isto era impensável poder acontecer.
Thiago Melo | Deutsche Welle
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