Jacques Sapir
Pela primeira vez em mais de três
anos, o preço do petróleo ultrapassou os 65 dólares por barril (no índice de
WTI) e 70 dólares no índice de Brent. Estes picos são simbólicos. Expressam o
constante aumento do preço do petróleo desde a conclusão dos acordos entre os
países da OPEP e países do grupo "não-OPEP" no final de 2016 [1] .
Estes acordos, que se anunciavam frágeis demonstraram-se estáveis. Deram origem
a uma queda significativa nos stocks de petróleo, o que por sua vez, resultou
num aumento do preço. Esta evolução deve levar a uma estabilização nos próximos
seis meses. Assim é preciso ser prudente perante os anúncios feitos por alguns
fundos de investimento que pensam que o petróleo poderia atingir ou superar os
80 dólares por barril [2] .
Devemos, portanto, reflectir no histórico deste fenómeno para compreender a
natureza dos problemas. Este histórico revela uma das grandes mudanças nos
últimos anos: o incontornável papel de charneira neste mercado de agora em
diante ocupado pela Rússia.
1. Especulação, política e superprodução: a parte escondida da baixa de preços em 2014-2015
Quando olhamos para a evolução dos preços nos últimos anos, fica-se em primeiro lugar admirado pela estabilidade destes preços depois de terem atingido níveis muito altos até o início de 2014. Se tomarmos o índice Brent, os preços são substancialmente superiores a 100 dólares por barril até Julho de 2014. Depois caem rapidamente até aos 50 dólares do fim de Julho de 2014 a Janeiro de 2015, recuperando provisoriamente em torno de 60 dólares de Janeiro a Março de 2015, voltando a alcançar o ponto mais baixo (32,18 dólares por barril) em Janeiro de 2016. Subirão para 40-45 dólares no decorrer do ano e, em seguida, começará uma fase altista em 2017, em resultado dos acordos de redução de produção assinado pelos países da OPEP e os países do grupo "não – OPEP”. Esta fase altista levou o preço de 45 dólares em Junho de 2017 para cerca de 70 dólares actualmente, um aumento de mais de 55%.
Vemos que a evolução é idêntica
quer seja medida a partir do índice do Brent ou do WTI.
Certos comentadores quiseram ver no declínio muito rápido em meados de 2014, a mão dos EUA que desejavam, através de uma queda muito acentuada nos preços, “punir” a Rússia no rescaldo da Ucrânia e da Crimeia. Mas, na realidade, a explicação do declínio dos preços é em grande medida económica.
1. A oferta de petróleo era amplamente superior à procura no final de 2012. O período de preços altos, induzido pelas consequências a longo prazo da crise financeira de 2007-2009 havia levado a um crescimento muito forte da exploração de óleo de xisto. Os preços altos tornavam-na rentável, mesmo para pequenas empresas operando em condições de exploração que podem ser qualificadas como marginais.
2. A ascensão dos EUA na produção global foi acompanhada de uma importante concorrência nos mercados, na medida em que a Arábia Saudita e países do Golfo mantiveram elevados níveis de produção.
3. O desequilíbrio entre a oferta e a procura, que teria de causar uma queda nos preços no início de 2013 foi compensado pelo armazenamento de grandes quantidades de petróleo comprado por empresas financeiras que o utilizavam como garantia de empréstimos. Estas compras inflacionaram artificialmente a procura. Enquanto os preços foram estáveis, ou mesmo em ascensão, estas empresas financeiras tiveram interesse em não revender as quantidades de petróleo que detinham.
O ponto de viragem chegou em 2014 e está essencialmente ligado à venda dos stocks por estas empresas financeiras. Mas o movimento descendente iniciado desencadeou uma especulação para preços mais baixos. Estas empresas financeiras, verificando que a diminuição dos preços se prolongava liquidaram brutalmente as quantidades detidas na esperança de limitar as perdas (em comparação com os empréstimos contraídos). Mas, esta liquidação acelerou o desequilíbrio entre oferta e procura e portanto a baixa de preços.
Os países produtores, a Arábia Saudita em particular, concederam descontos importantes "por baixo da mesa" aos seus principais clientes a fim de limitar a entrada no mercado de produtores dos EUA. O petróleo saudita foi vendido na realidade a preços bem mais baixos do que os preços a que o petróleo estava a ser negociando oficialmente. A combinação de uma especulação puramente financeira e concorrência significativa, onde alguns produtores procuravam a todo custo manter as suas "quotas de mercado" explica tanto a amplitude desta baixa (de 114 dólares em 20 de Junho de 2014, para 32,18 dólares em 22 de Janeiro de 2015) como a sua velocidade, ou até mesmo a sua violência.
2. A estabilização e as bases dos acordos do fim de 2016
Esse processo levou os seus intervenientes muito para lá do que queriam. A crise foi brutal para os produtores de óleo de xisto e o número de poços instalados entrou em colapso no final de 2015. Este sector conheceu então as angústias da consolidação financeira, muitas pequenas empresas tiveram de fechar sem conseguirem pagar os empréstimos contraídos. Um certo número delas foi comprado por "grandes empresas", cujos meios técnicos e financeiros permitem extrair petróleo de xisto a preços entre 40 e 55 dólares, ao passo que para as "pequenas" empresas, se se incluir as despesas bancárias e de investimento, o ponto de equilíbrio está acima dos 70 dólares. Vemos hoje que a natureza deste sector mudou largamente em comparação a 2013/2014.
Produtores convencionais também enfrentaram problemas significativos. A Arábia Saudita sofreu muito com esta queda. Além disso, o esgotamento de algumas das jazidas tradicionais (onde a extracção do petróleo custava entre 1,5 e 5 dólares) forçou o país a investimentos importantes. A Arábia Saudita gradualmente pôs fim à sua política de "descontos" e alinhou os preços reais pelos preços oficiais. Em geral, a indústria do petróleo foi muito duramente atingidas pelo colapso dos preços de 2014-2015 e os investimentos caíram, o que deve também reflectir-se nos próximos anos por uma menor produção devido à colocação em serviço de menos campos "novos" enquanto os campos considerados "maduros" verão sua produção diminuir. É preciso entender o papel que a mecânica dos investimentos desempenha a médio e a longo prazo. A queda acentuada no investimento em 2015 e 2016 terá consequências que serão sentidas na produção, para além de 2020.
Outros factores intervieram entre 2015 e 2016, como a instabilidade política na Líbia ou o Oriente Médio, levando a uma redução de facto no abastecimento. Isto explica a fase de estabilização à volta dos 45 dólares por barril (no índice Brent) que se verificou no segundo semestre de 2015 e no início de 2016. Mas esta fase de estabilização não foi satisfatória para os produtores, dando origem aos acordos alcançados no segundo semestre de 2016.
Esses acordos estavam dependentes de um acordo político entre a Rússia (trazendo consigo o grupo de países dito "não-OPEP") e da Arábia Saudita. Sejam quais forem os atritos que existiam, e que ainda existem, entre estes dois países, o realismo prevaleceu. Também é evidente que a intervenção da Rússia na Síria, mudou a relação de forças. Isso foi observado nas capitais dos países do Golfo, mesmo que isso não tenha sido totalmente compreendido pelos países ocidentais. Assim, podemos estimar que mesmo que a necessidade de um acordo antecedesse a intervenção russa, esta alicerçou a credibilidade de Moscovo.
A determinação do governo russo foi saudada de certa forma pelo reforço dos laços diplomáticos entre os países do Golfo e a Rússia. O papel das autoridades russas na conclusão do acordo e o cálculo das quotas de produção foi importante, o que contrasta com os anteriores acordos em que a Arábia Saudita desempenhou um papel central. Este acordo de redução de produção aparece portanto como uma necessidade para todos e em resultado de um consenso real, mas também como uma vitória especial para Vladimir Putin que colocou a Rússia no centro das negociações do petróleo e faz do seu país um parceiro absolutamente incontornável. As ligações da Rússia com o Irão e a Venezuela permitiram-lhe constituir uma massa de manobra que pesou nas negociações. Em certo sentido, a Rússia emerge como dominante da crise no mercado do petróleo de 2014 a 2016, Enquanto a Arábia Saudita se debate com crescentes problemas internos e se aferra a um afrontamento estéril com o Irão (confronto no qual a Rússia poderia desempenhar o papel de mediador).
3. Estabilidade dos acordos de 2016?
Estes acordos permitiram o aumento dos preços nos últimos meses. Mas este aumento não irá minar estes acordos? É isto que pensam um certo número de observadores [3] .
É de facto evidente que, com preços entre 65 dólares (índice WTI) e 70 dólares (índice Brent) por barril, o sector de xisto betuminoso, mas também o das explorações ditas “não convencionais” (como no Árctico ou a exploração no offshore profundo) têm um interesse renovado. Embora isto permita excluir uma alta de preços que os levasse de forma duradoura acima dos 80 dólares o barril, as condições para uma estabilização gradual nos níveis actuais parecem estar reunidas.
Com efeito, o actual nível ou níveis ainda mais baixos (60-65 dólares) são suficientes para países como a Rússia ou a Arábia Saudita. Para a Rússia em particular, se nos lembrarmos que os custos de extracção são em rublos e os preços de venda em dólares, a receita para os produtores russos é superior àquela de 2014: então com uma combinação de preço/taxa de câmbio, de 100 dólares e 30 rublos por dólar e agora com 65 dólares por barril e 56 rublos por um dólar,
Este nível de preços deve permitir às grandes empresas que investiram no mercado do petróleo de xisto fazerem lucros confortáveis, evitando ao mesmo tempo a proliferação de pequenos produtores. Na verdade, o número de poços de petróleo de xisto betuminoso permanece abaixo de seu pico de 2014.
É possível que, na sua dinâmica actual, o preço do petróleo continue a subir por algumas semanas, é no entanto muito improvável que vá até aos 90 dólares por barril, ou que se estabilize à volta dos 80 dólares. As forças económicas de referência são hoje potencialmente muito fortes. Mas podemos tomar por garantido que o preço deve estar compreendido em média, durante 2018, entre 63 e 68 dólares (índice Brent). Este nível também permitiria que os investimentos neste sector retornassem a um nível mais aceitável do que o dos anos 2015-2016. É claro que agora há um consenso entre Moscovo e Riade para estabilizar os preços.
A indústria do petróleo atravessou uma grande crise nos anos 2014-2016. Esta crise foi o produto de uma combinação de factores técnicos e económicos e da especulação de agentes financeiros. Mas a crise resultou em mudanças significativas nesta indústria. A primeira dessas mudanças é o surgimento dos Estados Unidos como um interveniente importante na produção (com a ascensão do petróleo de xistos e a reestruturação desta indústria) e exportação e não mais apenas como interveniente geoestratégico. Mas, a segunda e provavelmente a mais importante dessas mudanças é a emergência da Rússia como país charneira através da combinação da sua capacidade de produção, da sua rede diplomática e do seu peso geoestratégico. O apagamento parcial da Arábia Saudita, que já não está em condições de ser o país central no seio dos países produtores é a contrapartida da ascensão do poder da Rússia.
O que surpreende é portanto quer o papel assumido a partir de agora pela Rússia quer a mudança no seio da economia russa do peso dos hidrocarbonetos, um ponto sobre o qual remetemos os nossos leitores para a intervenção do Sr. Shirov no seminário franco-russo de Junho de 2017 [4] .
[1] Ver Sapir J
., "Pétrole et diplomatie russe", billet posté sur RussEurope, le 13
décembre 2016, russeurope.hypotheses.org/5508
[2] www.worldoil.com/...
[3] www.worldoil.com/...
[4] russeurope.hypotheses.org/6120
[2] www.worldoil.com/...
[3] www.worldoil.com/...
[4] russeurope.hypotheses.org/6120
26/Janeiro/2018
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