O número
de armas nucleares no mundo diminuiu significativamente desde a Guerra
Fria: de um pico de aproximadamente 70.300, em 1986, para uma estimativa de
14.550 no final de 2017. Os governos muitas vezes retratam essa conquista como
resultado dos acordos bilaterais de desarmamento firmados entre EUA e Rússia,
mas essa redução majoritariamente ocorreu na década de 1990. O ritmo de redução
diminuiu significativamente desde então. Além disso, comparar o inventário de
hoje com o dos anos 50 é inadequado. As forças de hoje são muito mais capazes,
especialmente em termos de precisão. Um número menor de armas mais precisas tem
efeito militar equivalente ou mesmo superior a uma quantidade maior de armas de
menor precisão. Ao invés de planejar o desarmamento nuclear, conforme
compromisso assumido junto ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), os
Estados com armas nucleares planejam a retenção de grandes arsenais de
equipamentos modernizados para o futuro.
Os
Estados Unidos têm as forças nucleares mais diversificadas e potentes do
planeta. Entretanto, o recente lançamento da Nuclear
Posture Review (NPR) do governo Trump não acredita que o arsenal atual
seja suficiente. Indo além do programa de modernização que atualiza e mantém a
força existente, o documento propõe uma variedade ampliada de capacidades e
missões para as forças nucleares norte-americanas. Especificamente, o documento
coloca uma ênfase renovada na expansão do papel e do tamanho das armas
nucleares de baixo yield (potência
explosiva). Na verdade, o que chamam de “baixa potência” inclui armas nucleares
de 20 quilotons, equivalentes às lançadas em Hiroshima e Nagasaki.
As capacidades de baixo yield mais
notáveis incluem mísseis balísticos lançados por submarinos (SLBMs)
e mísseis de cruzeiro lançados do mar (SLCMs),
que podem ser baseados em navios de superfície ou submarinos.
“Além disso, no curto prazo, os
Estados Unidos modificarão um pequeno número de ogivas de SLBM existentes para
fornecer uma opção de baixo rendimento e, a mais longo prazo, perseguir um
míssil de cruzeiro moderno lançado por mar com armas nucleares (SLCM). Ao
contrário do DCA, uma ogiva SLBM de baixo rendimento e SLCM não exigem ou
dependem do suporte do país anfitrião para fornecer efeito dissuasivo. Eles
fornecerão diversidade adicional em plataformas, alcance e capacidade de
sobrevivência, e uma cobertura valiosa contra futuros cenários de ‘ruptura’ nuclear.
(Tradução Livre)
“Additionally, in the near-term,
the United States will modify a small number of existing SLBM warheads to
provide a low-yield option, and in the longer term, pursue a modern
nuclear-armed sea-launched cruise missile (SLCM). Unlike DCA, a low-yield SLBM
warhead and SLCM will not require or rely on host nation support to provide
deterrent effect. They will provide additional diversity in platforms, range,
and survivability, and a valuable hedge against future nuclear ‘break out’
scenarios”.(NPR
2018, Executive Summary, pg 8)
A nova NPR desdobra as armas
nucleares de baixa potência nesses vetores para alcançar a missão final: gerar
respostas nucleares mais flexíveis e adaptadas a um amplo espectro de ataques
nucleares e não-nucleares contra os Estados Unidos e seus aliados. A incorporação
de mais armas nucleares de baixo yield às forças nucleares daria aos
EUA a capacidade de responder a várias formas de agressão com ataques nucleares
limitados sem uma escalada para o nível nuclear estratégico. Em outras
palavras, uma guerra nuclear poderia ser vencida sem uma “mútua destruição
assegurada” (Mutual
Assured Destruction).
Essas novas armas nucleares
táticas de baixo yield não seriam as primeiras no inventário norte-americano.
Já existem quatro
tipos de armas nucleares táticas lançadas por aeronave nas forças
nucleares dos EUA (três variantes da bomba gravitacional B-61 e um míssil de
cruzeiro lançados por ar). Então, por que a NPR 2018 exige opções adicionais de
baixa potência? Em uma palavra: Rússia. A preocupação básica dos EUA é que a
Rússia possa tentar usar uma arma nuclear de baixoyield sobre forças
americanas ou aliadas sem que os Estados Unidos possam responder imediatamente.
Isso forçaria ao dilema entre não responder ou escalar diretamente ao nível
termonuclear estratégico, com retaliação contra as cidades do adversário (ou
contra todas as suas forças nucleares diretamente).
A lacuna percebida nas
capacidades americanas decorre do fato de que as atuais armas nucleares táticas
americanas lançadas por aeronave são vulneráveis às defesas aéreas russas,
limitadas pelo alcance da aeronave em que são embarcadas e não podem dar um golpe
de retaliação tão rapidamente quanto os mísseis balísticos. Portanto, os
Estados Unidos precisariam de uma nova capacidade que possa penetrar nas
defesas russas e levar uma arma nuclear de baixo yield em qualquer
lugar em minutos. O modo de conseguir isso, sem usar
o território de uma nação aliada, está no mar. No curto prazo, isso
envolveria a modificação de SLBMs existentes para transportar uma variante de
baixa potência de uma ogiva existente até ser desenvolvido e estar operacional
um SLCM nuclear, de
forma semelhante à Israel.
A teoria é que esta capacidade
impediria a Rússia de empregar sua estratégia nuclear chamada “escalar
para desescalar”, que se baseia na premissa de que o uso de armas nucleares
no início de um conflito, mas de forma limitada, levaria os Estados Unidos a
recuarem. Se a dissuasão falhar, as opções nucleares de baixoyield oferecidas
pelos submarinos americanos permitiriam uma opção de resposta flexível e
adaptada para vencer uma agressão russa.
Atualmente, os EUA operam o SLBM Trident II D5 nos
seus 14 submarinos lançadores de mísseis balísticos da classe Ohio. Cada
míssil Trident pode transportar até 8 ogivas independentes (MIRV),
uma combinação da ogiva termonuclearW76 (100
kilotons) ou da ogiva termonuclear W88 (455
kilotons). Se um adversário detectar o lançamento de um míssil Trident de
um submarino classeOhio, não há nenhuma dúvida sobre o que estaria acontecendo:
um lançamento nuclear estratégico de pelo menos cerca de um megaton de
potência, talvez 3,6 megatons. Ao reservar o SLBM para o emprego estratégico
não há ambiguidade quanto ao que um lançamento de um Trident por um
submarino americano classe Ohio, ou de um RSM-56 Bulava por um submarino russo classe
Borei, significa tanto para os Estados Unidos como para a Rússia: uma
guerra nuclear total.
Mas se os Estados Unidos dotarem
alguns Tridents com uma única ogiva de baixo yield e outros
com oito ogivas termonucleares, todos no mesmo submarino, como o adversário
saberá o que estaria a caminho? Não há, literalmente, nenhuma maneira de saber
qual a potência da ogiva na cabeça de combate do míssil, pois nenhum sistema de
alerta antecipado pode discriminar entre a ogiva de baixa potência e as ogivas
nucleares estratégicas, nem no lançamento, nem no voo. O que isto significa? Se
o adversário detecta, mesmo que seja um único lançamento de míssil, não tem
escolha senão reagir como se o adversário tivesse decidido escalar para o nível
nuclear estratégico.
Além disso, a mistura de armas
nucleares de baixo e alto yield nos mísseis Trident coloca
um problema particular, caso o adversário esteja preocupado com a capacidade de
sobrevivência de seu arsenal, que passa a enfrentar o dilema “use
them or loose them” à vista de um único lançamento, pois dúvidas sobre seu
sistema de alerta antecipado podem levá-lo a acreditar que muitos mais estariam
a caminho. Um adversário que teme que os Estados Unidos estejam prestes a
destruí-lo com seu arsenal pode não ter outra escolha do que lançar tudo o que
tem antes mesmo de saber o que realmente está acontecendo. Este é certamente o
caso se o adversário for a Coreia do Norte, pode ser o caso da China, e poderia
ser plausível até mesmo para a Rússia.
Esse problema
de discriminação aplica-se muito especificamente à mistura de armas
nucleares estratégicas de baixo yield no mesmo míssil e no mesmo
sistema de armas existentes na mesma plataforma (neste caso, submarinos
nucleares lançadores de mísseis balísticos). A mesma preocupação se aplicaria
igualmente a uma proposta de carregar armas nucleares de baixo yield em
mísseis balísticos intercontinentais (ICBM)
lançados por terra. O SLCM com cabeça de combate nuclear de baixoyield pode
ser uma opção menos arriscada quanto a esse problema, uma vez que os mísseis de
cruzeiro têm diferentes perfis de voo e apenas carregam uma única ogiva
nuclear. Um adversário teria menor probabilidade de confundir um único lançamento
de míssil de cruzeiro com uma retaliação estratégica total.
O desenvolvimento de SLCM vem
preencher aquilo que os EUA consideram como um gapestratégico, pois suas
armas nucleares de baixo yield atualmente operacionais são lançadas
por aeronaves que, por sua vez, necessitam de bases aéreas localizadas em
países aliados. O uso dessas bases é condicionado por aspectos políticos
relacionados aos países onde estão localizadas e poderiam ser destruídas por
ataques convencionais de adversários antes que pudessem ser efetivamente
usadas. O lançamento do mar, seja por submarinos ou por navios de superfície,
contornaria eventuais indisponibilidades dessas bases aéreas em território
estrangeiro.
Note-se que a Marinha dos EUA já
operou uma variante nuclear do míssil de cruzeiro Tomahawk (BGM-109A Tomahawk Land
Attack Missile – Nuclear TLAM-N) dotado de uma ogiva nuclear W80 cuja
potência seria variável de 5 a 150 quilotons, ou seja, de baixo yield.
Esse míssil, entretanto, foi retirado de serviço
entre 2010 e 2013. Notícias recentes, posteriores à divulgação da NPR 2018,
afirmam que a Marinha dos EUA está considerando (re)introduzir um novo tipo de
míssil de cruzeiro com cabeça de combate nuclear nas suas unidades
operativas.
Note-se ainda que foi
desenvolvida uma versão SLCM do míssil Popeye,
originalmente um míssil AR-SUP. Essa versão pode
ser lançada a partir dos tubos de torpedo dos submarinos de projeto e
construção alemã da classe Dolphin,
adquiridos pela Marinha Israelense. Esse míssil seria atualmente a principal
arma de dissuasão
estratégica nuclear de Israel.
Ao ampliar o espectro de
dissuasão, a NPR 2018 reintroduziu o conceito de uma “escalada
calibrada”, ou seja, em dado um conflito, os Estados Unidos e o adversário
poderiam ter “degraus” de ataques nucleares muito precisos e controlados, de
intensidades limitadas, sem que haja uma escalada involuntária para a guerra
total. Embora a ideia de um SLBM de baixo yield possa ser atraente,
em um verdadeiro conflito, com tomadores de decisão reais, aumentaria em muito
a probabilidade de uma escalada nuclear incontrolável.
Fontes das Imagens:
Imagem 1 “Capa do Documento”
(Fonte):
Imagem 2 “Um UGM–133 Trident
II, lançado de submarino submerso” (Fonte):
Imagem 3 “Submarino da
Classe Ohio, o USS Michigan (SSBN–727) em novembro de 2002 ”
(Fonte):
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