quarta-feira, 28 de março de 2018

PORTUGAL | Foi você que pediu um hospital?

Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

A cadência com que as notícias são apresentadas pode induzir-nos a estabelecer relações de proximidade entre os factos que, noutras circunstâncias, não seriam tão claras. Aconteceu assim: "Bastonário dos médicos fala em cenário de guerra no Hospital de Gaia". E depois: "Ajudas à Banca já custaram mais de 17 mil milhões de euros". Admito que a tensão dramática atingia um patamar olímpico se a estas revelações se seguisse, por exemplo, isto: "Mário Centeno volta a lembrar que alcançou o défice mais baixo da democracia". Mas vamos deter-nos nos dois primeiros títulos, que são de uma enorme utilidade porque permitem ser comparados no tempo.

Há dez anos, data a partir da qual os portugueses se iniciaram nesse desporto não federado chamado "vamos salvar a Banca com os nossos impostos", o mesmo Hospital de Gaia que hoje vive um cenário de guerra, nas palavras duras do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, já parecia o "set" improvisado de um filme de Spielberg sobre o conflito armado na ex-Jugoslávia. Tudo, aliás, piorou desde 2007, ano em que, com o encerramento das urgências de Espinho, os utentes daquele concelho passaram a recorrer ao já saturado centro hospitalar vizinho.

Uma década volvida, continuamos a resgatar bancos (o mais recente foi a Caixa Geral de Depósitos, com uma injeção de capital de 3,9 mil milhões de euros, à qual o Governo prefere chamar investimento) e o mesmíssimo Hospital de Gaia não abandonou os cuidados intensivos. Na verdade, já faltou mais para alguém poder dizer: "Ainda sou do tempo em que prometeram pela primeira vez um novo hospital para Gaia". Aliás, se houvesse um campeonato de compromissos não assumidos pelos sucessivos governos, a construção de uma unidade hospitalar que sirva de uma forma digna mais de 300 mil pessoas figuraria seguramente no top cinco.

Tem razão, por isso, Miguel Guimarães quando diz que as condições deploráveis deste hospital merecem ter um destaque diário. Haver duas casas de banho ("não inteiramente funcionais") numa enfermaria com 36 doentes, 22 pacientes internados em macas quando 19 camas de internamento estão fechadas, cirurgias adiadas e equipamentos fora do prazo é do Terceiro Mundo. Envergonha-nos.

Mas Gaia não é, infelizmente, uma vergonha isolada. As queixas sobre a galopante degradação dos serviços públicos de saúde sucedem-se, à mesma velocidade das cativações e das boas novas sobre o desempenho da economia e do défice. E tudo tende a piorar. Ora, talvez tenha chegado a hora de - à imagem do que fez com os demonizados colégios privados - o Governo começar a pensar em fechar a torneira do financiamento público aos hospitais privados, aos quais paga 51% dos gastos. Temo, porém, que seja mais fácil construírem primeiro um novo hospital em Gaia.

* Subdiretor do JN

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