quinta-feira, 19 de abril de 2018

Cuba elege primeiro presidente após 60 anos de governo dos irmãos Castro


O novo líder será o primeiro, desde a Revolução Cubana, com outro sobrenome e representando uma geração mais jovem do que aquela que pegou em armas para derrubar a ditadura de Fulgencio Batista (1952-1959) e desafiar os Estados Unidos (EUA), estabelecendo um regime socialista a 150 quilômetros de sua costa

A Assembleia Nacional de Cuba se reuniu nesta quarta-feira para escolher o próximo presidente da ilha caribenha que, nas últimas seis décadas, foi governada pelos irmãos Castro: Fidel, que morreu aos 90 anos, e Raúl, que prometeu se aposentar aos 86. O novo líder será o primeiro, desde a Revolução Cubana, com outro sobrenome e representando uma geração mais jovem do que aquela que pegou em armas para derrubar a ditadura de Fulgencio Batista (1952-1959) e desafiar os Estados Unidos (EUA), estabelecendo um regime socialista a 150 quilômetros de sua costa.

O novo presidente de Cuba assume em um momento delicado. A Venezuela, que fornece petróleo e sustentava o regime cubano; hoje enfrenta grave crise econômica, marcada pela hiperinflação, o desabastecimento e o isolamento internacional.

Com a mudança de governo em 2017, os Estados Unidos recuaram no processo de reaproximação; primeiro passo para o fim do bloqueio econômico; comercial e financeiro que continua impondo à ilha. O presidente norte-americano, Donald Trump, (eleito também com o voto dos cubanos; que imigraram para os EUA e que exigem a derrubada do comunismo na ilha); limitou viagens e investimentos (dos norte-americanos) em Cuba.

Raúl Castro

Raúl Castro diz que foi eleito presidente para “defender, manter e continuar aperfeiçoando o socialismo cubano, e não para destruí-lo”.

A eleição representa o fim de uma era, mas muitos observadores acham que; na prática, pouca coisa mudará na vida dos 11,5 milhões de cubanos: o Partido Comunista de Cuba (PCC); continua sendo o único e Raúl Castro seu chefe.

– O Partido Comunista é o órgão máximo de decisão política; de acordo com a Constituição cubana. Raúl Castro deixa a presidência do país; mas não o cenário politico – disse à Agência Brasil Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional; uma organização de defesa dos direitos humanos. “Lamentavelmente, Cuba continua sendo um país que violenta, de forma massiva, as liberdades civis, políticas e de expressão.” Cuba é o único país do continente que não permite acesso oficial à Anistia Internacional. 

A expectativa é de que o cargo seja ocupado pelo atual vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, que nasceu depois da revolução, não usa farda, mas defende os ideais do Partido Comunista Cubano (PCC), onde atua desde jovem. “Sou como muitos neste país”, disse Díaz-Canel. “Formamos parte de uma geração que nasceu nos anos 60 e agradecemos muito toda a formação e as possibilidades brindadas pela revolução. Tivemos a oportunidade de participar dos processos de decisão nas organizações de base estudantis e da juventude”.

Reformas

Só houve uma sucessão presidencial na Cuba revolucionária e ela foi programada. Em 2006, Fidel Castro entregou o comando do país ao irmão caçula; primeiro interinamente, depois oficialmente. Fidel estava doente e morreu 10 anos depois. Nos últimos 12 anos, Raúl Castro adotou algumas medidas de abertura. Meio milhão de cubanos hoje trabalham no setor privado.

Desde 2013, quem quiser pode deixar o país, sem precisar de autorização para viajar ou ter que fugir de barco, numa perigosa travessia para a costa da Flórida. A compra e venda de imóveis e carros, mesmo limitada, foi permitida. E a Internet chegou à ilha, onde existem mais de 600 áreas publicas com conexão wifi.

Cenário internacional

No cenário internacional, Cuba participou da 7ª Cúpula das Américas em 2015. Foi a primeira reunião de líderes dos 35 países do Continente Americano com a participação do governo cubano; que até então tinha sido vetada pelos Estados Unidos. A notícia foi o histórico aperto de mão entre Raúl Castro e o então presidente norte-americano, Barak Obama; marcando a reaproximação dos dois países, depois de mais de meio século de guerra fria.

Apontada como responsável por disseminar revoluções comunistas na região; Cuba patrocinou o acordo de paz entre o governo colombiano de centro-direita, do presidente Juan Manuel Santos, e os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Sete mil rebeldes entregaram as armas; depois de 50 anos de conflito, para formar um partido político, que este ano disputou as primeiras eleições legislativas.

Com a morte de Fidel em 2016, a pergunta era sobre o futuro do país. Raúl Castro propôs ao partido limitar a idade (70 anos) e o mandato (dois períodos de cinco anos) dos dirigentes do PCC; além de uma reforma constitucional. E anunciou que deixaria a presidência, por decisão própria, em abril deste ano.

Renovação

Para ex-combatentes da revolução, o sucessor de Raúl Castro representa a renovação da cúpula do regime comunista cubano, mas a continuidade de seus ideais. Alejandro Ferras Pellicer, de 94 anos, aposta nesta nova geração que, ao contrário da anterior, nasceu com direito à educação e que, segundo ele, estará mais preparada – intelectualmente e tecnologicamente – para lutar por uma sociedade mais igualitária.

Raúl Castro sinalizou, em mais de uma ocasião, que a ideologia não está em jogo – não importa quem seja o novo presidente de Cuba ou que pressões ele terá de enfrentar. “O substituto de Fidel só pode ser o Partido Comunista”, disse, quando os cubanos tentavam imaginar o futuro sem o pai da revolução.

O analista politico cubano Rafael Hernández acredita que o novo governo enfrentará pressões internas por mudanças, porque as expectativas de melhores condições de vida vêm de longa data e cresceram com o tempo. Segundo ele, apesar de Cuba enfrentar hoje uma conjuntura internacional menos favorável, a ilha não está na mesma encruzilhada dos anos 90, quando a União Soviética (principal fornecedora de petróleo a Cuba e financiadora de partidos comunistas no hemisfério internacional) se dissolveu em 15 repúblicas separadas – entre elas, a Rússia.  

– Nesses 60 anos, Cuba demonstrou ser capaz de sobreviver a várias crises; até à pior delas, nos anos 90, quando muitos pensavam que ficaria isolada e seria obrigada a mudar – disse, em entrevista à Agência Brasil, o analista político argentino Rosendo Fraga. “Com a saída de Castro, uma nova geração subirá ao poder. Mas a renovação será feita para manter o mesmo sistema em vigor”.

Correio do Brasil, com ABr – de Havana

Na foto: O novo líder será o primeiro, desde a Revolução Cubana

Sem comentários:

Mais lidas da semana