Há na nossa História, enquanto
seres vivos, inúmeras madrugadas consoante os anos de vida de cada um, todos os
dias.
Umas boas, outras menos boas e
outras muito más.
Uma quantidade certa de
madrugadas que a memória simplesmente não registou no seu patamar de
recordações vivas salvo quando exercitada por motivo que julgue pertinente ou
com interesse.
Mas, há na nossa Historia
contemporânea, uma madrugada que marcou indelevelmente a vida das pessoas e por
consequência toda a estrutura da sua organização.
Madrugada essa de que importa
dissecar os motivos a montante, e as consequências, a jusante.
Sendo que, uma parte
significativa daqueles que hoje usufruem dos direitos adquiridos posteriormente
à data em que ocorreu essa madrugada nada tiveram a ver com o acontecimento.
Usufruíram simplesmente desse acontecimento.
Facto pelo qual só tem registo
mental da madrugada que lhes é incutida no meio de que são originários, mas
também e, de superior relevância, o meio em que se inserem.
A madrugada em causa reporta à
madrugada do dia 25 de Abril do ano de 1974.
Madrugada em que um conjunto de
militares apostados em derrubar o regime político existente no tempo: um regime
de ditadura e de perseguição política, policial e social em todos os domínios;
que espezinhava os mais elementares direitos cívicos e de vida das populações
tanto no Continente como nas Colónias que detinha; que não permitia aos seus
cidadãos o simples exercício de reunião fora da sua alçada; que impunha e se
impunha por todos os meios de que dispunha e que eram a totalidade dos
existentes; entre um vasto conjunto de atrocidades impossíveis de enumerar;
Movimento militar conhecido por
movimento dos capitães que dava corpo a um projeto político e militar em torno
de uma organização clandestina que se foi cimentando após alguns desaires de
circunstancia e designado por MFA – Movimento das Forças Armadas, que tinha por
objetivo central depor o poder político vigente e, através de um golpe
revolucionário de cariz militar, implementar um conjunto de medidas estruturais
rompendo de forma unilateral com um ciclo político que durava há já meio
século, para que se desse inicio a um outro ciclo em que:
Democratizar o regime;
Descolonizar as Colónias
Ultramarinas;
Desenvolver o País;
Foram este três D’s que fizeram
soar o “toque a rebate” mobilizador para uma aventura que ainda hoje vivemos e
com a qual, maioritariamente enquanto sociedade, nos identificamos.
Os seus protagonistas de destaque
como o foram: Vasco Gonçalves; Otelo Saraiva de Carvalho; Salgueiro Maia; Costa
Gomes; António de Spínola; Mário Soares; Álvaro Cunhal; Francisco Sá Carneiro;
Adelino Amaro da Costa; entre muitos outros que foram a nata do pensamento
político e da ação militar já não estão entre nós, mas constam na História de
Portugal contemporânea como sendo obreiros de um novo olhar Portugal, a Europa
e o mundo!
Importa por isso deixar registo
para o futuro daquilo que a memória de cada uma armazena porque a memória
coletiva assenta nesse conhecimento.
Na parte que me toca, poetar a
prosa é uma arte que me fascina e de que deixo o meu testemunho em rima.
Abril, Sempre
Abril. Sem poesia, não é abril.
Abril, sem pessoas, não é abril. Abril, sem ti, não é abril! Porque abril não é
imaginário de uma geração de costumes brandos, de rendeiros e operários
famintos, ou militares cansados da guerra.
Abril foi um grito de guerra de
todos aqueles que desavindos se juntaram nos socalcos dos campos para forjar um
golpe revolucionário!
Do Algarve para turistas ao
Alentejo das searas, a margem do Tejo industrial e a outra margem da burguesia,
mandava então o capital e a aristocracia sob o atento olhar Coimbrão
intelectual mais o Douro das castas raras e o Minho de castas mistas.
Havia então o domínio agrário, o
capataz, o encarregado, o patrão, no campo ou na oficina, o operário, tudo
fazia por um minguo salário com que havia de comprar o pão. Sem eira nem beira.
Um calvário!
Mas quando abril floriu no cano
de uma espingarda e a tropa invadiu a rua, cada criança seminua de
bandeira desfraldada em Liberdade correu!
Correu praças e avenidas, correu
carreiros e socalcos, sem se importar com as feridas que trazia nos pés
descalços.
E, eis-nos aqui chegados quase
meio século passado com a chama da esperança meio apagada, meio acesa, nesta
nossa incerteza de que uma qualquer bonança nos trará um só recado:
– Sonhos despedaçados!
Bocados feitos momentos anos a
fio, sem vacilar, com abril sempre presente.
Todos os dias. Todos os anos.
Pela liberdade! Contra os
tiranos!
Éramos um mar de gente. Um povo
unido. Sem quebrar!
Que não escondia os seus
silêncios.
O que não soubemos fazer foi
passar o testemunho do antes quebrar, que torcer!
Lutar e cerrar o punho!
Porque abril sem poesia não
desponta qualquer virtude. Não tem Sol. Não tem dia. Não tem ponta de alegria,
nem o fulgor da juventude.
Somente… Uma concha vazia… para
na areia despejar o mar, sem perceber que não é possível fazer o mundo avançar
sem a marca d’água indelével dos homens e das mulheres que fizeram a história
de que é feita a memória em que para cada passo dar, a liberdade é urgente
conquistar!
Por opção do autor, este artigo
respeita o AO90
- Jornal Tornado, opinião
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