quinta-feira, 5 de abril de 2018

PORTUGAL | É a Cultura, estúpido!


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Traçar a política cultural de máquina calculadora em riste é uma fatalidade de que não nos livramos, mas é uma necessidade de que não podemos abdicar. Do justo equilíbrio destes conceitos devia nascer uma estratégia nacional de longo prazo. Infelizmente, o debate da Cultura em Portugal está inquinado há demasiado tempo pelo peso orçamental que uns acham que ela devia ter e pelo peso orçamental e político que ela efetivamente tem. Como no teatro, ora trágico, ora cómico.

O que se passou, então, para que um Governo de esquerda que prometera abrir de novo as portas do Olimpo à Cultura esteja na linha de tiro dos agentes do setor, alguns chocados, outros indignados, alguns - muitos - desesperados como nem nos tempos de magreza da troika os víramos? Olhando para as múltiplas sensibilidades (de género artístico, de geografia e de empatia e proximidade políticas), eu diria que estamos, sobretudo, perante um problema de inabilidade política num contexto de alargada contenção orçamental.

A criação de regras mais apertadas no acesso aos subsídios públicos não deve ser diabolizada pelos agentes culturais nem impeditiva dos seus projetos. O Estado não pode abdicar do zelo a que está obrigado na gestão do dinheiro dos contribuintes apenas porque em causa está a criação artística. Mas não deve, por outro lado, querer que a subjetividade e incerteza naturais à programação cultural possam estar sujeitas à mesma lógica da construção de uma ponte ou de uma estrada.

Lamentavelmente, o país que resulta deste debate é o mesmo que nos assalta a consciência em tantas outras películas de série B. Para Lisboa tudo, para o resto do país o que for possível. Fez muito bem, por isso, Rui Moreira em chamar os bois pelos nomes e unir a região no mesmo palco da contestação, onde avultam, entre outros, alguns dos "esquecidos" pelo desvelo da capital, como o TEP, a Seiva Trupe e o FITEI. Se a solução passa pelo lançamento de um novo concurso ou pela criação de júris regionais não sei, mas as aberrações denunciadas pelo autarca do Porto certamente que merecem reflexão, por estarem a ser colocadas no mesmo patamar de concorrência estruturas de programação, unidades de criação e festivais, e por se permitir que projetos municipais, "sob a capa de associações e cooperativas, concorram com as entidades independentes".

Neste tricô orçamental há que discriminar ainda mais positivamente os territórios sem microfone. Não é aceitável, por exemplo, que as companhias de teatro de Évora e Coimbra estejam quatro anos sem apoios públicos. Porque em muitas destas latitudes do abandono, a Cultura, seja no teatro, na dança ou na música, é uma das bases fundamentais da ideia de comunidade. É aqui, fundamentalmente, que o Estado tem de estar em palco. De livro de cheques na mão.

* Subdiretor do JN

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