Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
Traçar a política cultural de
máquina calculadora em riste é uma fatalidade de que não nos livramos, mas é
uma necessidade de que não podemos abdicar. Do justo equilíbrio destes
conceitos devia nascer uma estratégia nacional de longo prazo. Infelizmente, o
debate da Cultura em Portugal está inquinado há demasiado tempo pelo peso
orçamental que uns acham que ela devia ter e pelo peso orçamental e político
que ela efetivamente tem. Como no teatro, ora trágico, ora cómico.
O que se passou, então, para que
um Governo de esquerda que prometera abrir de novo as portas do Olimpo à
Cultura esteja na linha de tiro dos agentes do setor, alguns chocados, outros
indignados, alguns - muitos - desesperados como nem nos tempos de magreza da
troika os víramos? Olhando para as múltiplas sensibilidades (de género
artístico, de geografia e de empatia e proximidade políticas), eu diria que
estamos, sobretudo, perante um problema de inabilidade política num contexto de
alargada contenção orçamental.
A criação de regras mais apertadas
no acesso aos subsídios públicos não deve ser diabolizada pelos agentes
culturais nem impeditiva dos seus projetos. O Estado não pode abdicar do zelo a
que está obrigado na gestão do dinheiro dos contribuintes apenas porque em
causa está a criação artística. Mas não deve, por outro lado, querer que a
subjetividade e incerteza naturais à programação cultural possam estar sujeitas
à mesma lógica da construção de uma ponte ou de uma estrada.
Lamentavelmente, o país que
resulta deste debate é o mesmo que nos assalta a consciência em tantas outras
películas de série B. Para Lisboa tudo, para o resto do país o que for
possível. Fez muito bem, por isso, Rui Moreira em chamar os bois pelos nomes e
unir a região no mesmo palco da contestação, onde avultam, entre outros, alguns
dos "esquecidos" pelo desvelo da capital, como o TEP, a Seiva Trupe e
o FITEI. Se a solução passa pelo lançamento de um novo concurso ou pela criação
de júris regionais não sei, mas as aberrações denunciadas pelo autarca do Porto
certamente que merecem reflexão, por estarem a ser colocadas no mesmo patamar
de concorrência estruturas de programação, unidades de criação e festivais, e
por se permitir que projetos municipais, "sob a capa de associações e cooperativas,
concorram com as entidades independentes".
Neste tricô orçamental há que
discriminar ainda mais positivamente os territórios sem microfone. Não é
aceitável, por exemplo, que as companhias de teatro de Évora e Coimbra estejam
quatro anos sem apoios públicos. Porque em muitas destas latitudes do abandono,
a Cultura, seja no teatro, na dança ou na música, é uma das bases fundamentais
da ideia de comunidade. É aqui, fundamentalmente, que o Estado tem de estar em
palco. De livro de cheques na mão.
* Subdiretor do JN
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