Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
No próximo dia 29 de Maio, o
direito à vida discute-se na Assembleia da República à boleia do direito à
morte assistida. Quando os quatro projectos de lei do PAN, BE, PS e PEV
estiverem em debate, impende sobre os deputados eleitos com a liberdade do voto,
o juízo de devolver essa mesma liberdade de escolha à vida de cada um de nós.
Um livro de Kant em cada bancada na próxima terça-feira, imperativo categórico:
o dever de todos agirmos de acordo com os princípios que consideramos benéficos
caso fossem seguidos por todos. Nenhum deputado vai decidir sobre o que de mais
íntimo possuímos na hora de escolhermos o fim, querendo. Até agora, essa
liberdade de opção não existe, tendo em conta que a eutanásia é punível como
crime e com pena de prisão até 3 anos. Vamos assim, grades meias e cerco
completo, convocados à morte pelo destino, suicídio ou clandestinidade do fim.
O destino pode ser cruel e, por vezes, ninguém o merece. A eutanásia não se
impõe mas impõe-se que seja uma escolha.
Estamos sempre a falar de um sofrimento
inatacável. Que não se combate, não se desloca para sinais intermitentes ou
zonas de maior conforto. Está para além da bondade caridosa ou da complacência.
Estamos a falar de amor. Direito em vida para terminar com ela perante um
sofrimento atroz. A dignidade não pode estar na mão de ditames de fé ou de
má-fé, nem de ímpios da consciência alheia que sistematicamente agitam a
bandeira da liberalização da morte para diabolizar a eutanásia. Evitar a agonia
é propriedade íntima, intransmissível, exaltação maior do mais fundamental
princípio da democracia: decidir em liberdade, nomeadamente quando só nós
estamos em causa. Falhamos com estrondo a nossa vocação primordial se não nos
derem o direito de sobreviver a nós mesmos.
Como, quando e onde queremos morrer
em caso de sofrimento inútil. "A quem pertence a minha vida?",
pergunta o "Movimento cívico para a despenalização da morte
assistida". Compete a cada parlamentar, com ou sem liberdade de voto,
rotinar intimamente a questão, decidir pela amplitude e acordar sem o mandato
para se substituir à liberdade na vida dos outros mesmo quando a liberdade
rondar a hora da morte. Não despenalizar a eutanásia com a ajuda de um
profissional de saúde, não permitir libertar quem sofre em calvário indigno ou
no inferno em vida, seria um crime em democracia que só uma casa sem espíritos
poderia perpetrar.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
*Músico e jurista
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