Em meio à crise, oposição poderia
até ganhar a Presidência neste domingo. Mas o plano dos EUA, e de seus aliados
locais, pode ser inviabilizar o país — onde estão as maiores reservas de
petróleo do planeta
Alexander Main, em Nacla | Outras Palavras | Tradução: Inês
Castilho
Costumava ser censurável apelar
abertamente para golpes militares e intervenção dos EUA na América Latina. Não
mais. Ao menos quando se trata da Venezuela, um país onde – de acordo com
a narrativa dominante
na mídia – um ditador brutal está deixando a população faminta e
aniquilando qualquer oposição.
Em agosto passado, o president
Trump casualmente mencionou uma
“opção militar” para a Venezuela em seu campo de golfe em Nova Jersey,
provocando um alvoroço na América Latina, mas nem um pio em Washington.
Paralelamente, Rex Tillerson, então Secretário de Estado, manifestou-se favoravelmente
a uma possível deposição militar do presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Recentemente, artigos de opinião
sugerindo que um golpe um uma intervenção militar estrangeira na Venezuela pode
ser uma boa coisa pontilharam o terreno da mídia: do Washington
Post ao Project
Syndicate ao The
New York Times. Ocasionalmente um especialista argumenta que um golpe de
Estado poderia ter consequências indesejáveis, por exemplo se o regime do golpe
decidisse aprofundar as
relações com Rússia e China.
Raramente alguém aponta que esse
debate é insano, em especial com relação a um país onde as eleições ocorrem
frequentemente e são, com poucas exceções, consideradas competitivas e
transparentes. No domingo, 20 de maio, Maduro será candidato à reeleição.
Pesquisas sugerem que, se o comparecimento for alto, ele poderá ser retirado do
posto.
O fato de que golpe, não
eleições, são o tema quente é um triste reflexo do rumo distorcido que a
discussão mainstream sobre a Venezuela tomou. Durante vários anos, a
maior parte das análises e reportagens sobre a nação, rica em petróleo mas
conturbada economicamente, tem apresentado uma representação em preto e branco,
sensacionalista, de uma situação interna complexa e cheia de nuances. Além
disso, tem havido pouca discussão séria sobre as políticas dos governo Trump em
relação à Venezuela, mesmo quando estas causam mais danos à economia do país,
agravando a carência de alimentos e remédios que salvam vidas, e minando a paz
e a democracia.
Lados radicalizados
Não nos esqueçamos, Maduro – frequentemente descrito por especialistas e políticos dos EUA como um ditador – foi eleito democraticamente em eleições relâmpago realizadas um mês após a morte de seu predecessor, Hugo Chávez, no início de 2013. Como o período presidencial na Venezuela é de seis anos, seu mandato constitucional atual terminará no início de 2019.
Não nos esqueçamos, Maduro – frequentemente descrito por especialistas e políticos dos EUA como um ditador – foi eleito democraticamente em eleições relâmpago realizadas um mês após a morte de seu predecessor, Hugo Chávez, no início de 2013. Como o período presidencial na Venezuela é de seis anos, seu mandato constitucional atual terminará no início de 2019.
Desde o início, alguns setores da
oposição venezuelana rejeitaram a legitimidade de Maduro e exigiram sua saída
imediata do governo. Em 2014 e novamente em 2017, endossaram movimentos de
protesto explicitamente voltados a gerar grandes tumultos em áreas urbanas
chave, para tentar forçar a queda do governo — por exemplo, exacerbando a
pressão popular ou pela intervenção militar interna ou externa.
Embora muitos desses protestos
fossem pacíficos, alguns tornaram-se violentos e resultaram em dezenas de
mortes, algumas atribuíveis a forças de segurança do Estado e outras a membros
do movimento de protesto, de acordo com relatórios confiáveis
e provas documentais. Centenas de manifestantes foram detidos e algumas figuras
da oposição, incluindo o ex-prefeito de Chacao, Leopoldo López, foram
condenados à prisão por supostamente incitar á violência. López atualmente está
em prisão domiciliar, depois de cumprir três anos de pena.
Apoiadores da oposição acreditam
que os direitos processuais de López e outros envolvidos com os protestos foram
violados, e certamente há motivos para esse argumento. Entretanto, alguns
adeptos do governo acreditam que esses indivíduos mereceram penas mais pesadas
pela tentativa de usurpar o poder popular por meio da desestabilização e da
violência, de uma forma que lembra a preparação para o golpe militar de curta
duração em 2002 contra Chávez — em que López e outros líderes da oposição
estavam envolvidos.
No final de 2015, a oposição da
Venezuela conquistou uma grande maioria de cadeiras nas eleições para a
Assembleia Nacional. Mas o Executivo e Legislativo do país ficaram logo em
desacordo sobre supostos casos de fraude eleitoral que levaram a Suprema Corte
da Venezuela, um órgão amplamente visto como leal ao governo, a desqualificar
três legisladores da oposição. A remoção desses legisladores significou a perda
da maioria de dois terços da aliança de oposição, que lhe dava amplos poderes
para intervir no nível executivo.
A oposição gritou e recusou-se a
cumprir a decisão do tribunal. Em resposta, a corte recusou-se a reconhecer a
legitimidade do parlamento. As instituições da Venezuela deixaram de interagir
de acordo com o manual constitucional e os dois lados adotaram táticas cada vez
mais radicais para
tentar obter superioridade.
Líderes da oposição apoiaram uma
nova série de protestos, que foram ficando cada vez mais violentos, paralisando
vias públicas em Caracas e outras cidades durante vários dias, a cada vez.
Grupos de manifestantes confrontaram-se frequentemente com as forças de
segurança e dezenas de pessoas foram mortas, incluindo manifestantes, agentes
de segurança do Estado e transeuntes.
O governo Maduro respondeu ao
crescente caos nas ruas chamando eleições para uma Assembleia Nacional
Constituinte que iria desenhar uma nova Constituição e, de acordo com
Maduro, trazer “ordem,
justiça, paz” à Venezuela.
A oposição, denunciando a
iniciativa como uma manobra destinada a mudar a Assembleia Nacional, boicotou
as eleições. Desse modo, o novo órgão é quase inteiramente pró-governo e os EUA
e governos aliados recusam-se a reconhecê-lo. Em seguida às eleições para a
Assembleia Constituinte, o movimento de protesto desentendeu-se e a oposição
tornou-se mais dividida, com radicais chamando outro boicote eleições
seguintes, regionais e municipais. Como resultado desse e de outros fatores, os
eleitores da oposição fracassaram na mobilização e o governo venceu a maioria
das disputas, tanto regionais quanto municipais, no final de 2017.
A economia
O pano de fundo da prolongada
crise política da Venezuela foi, é claro, o atoleiro econômico do país, que se
agrava cada vez mais. Embora a queda dos preços do petróleo tenha certamente
desempenhado um papel, Maduro sem dúvida tem parte da responsabilidade pela
profunda depressão e hiperinflação que levou centenas de milhares de
venezuelanos a emigrar e causaram sua queda nas pesquisas.
Enquanto muitos ideólogos culpam
o “socialismo” pelos problemas econômicos do país, a maioria dos economistas
aponta uma série de erros políticos que têm pouco ou
nada a ver com socialismo. Mais devastador tem sido o
disfuncional sistema de taxa de câmbio, que levou a uma espiral de
“inflação-depreciação” cada vez pior no decorrer dos últimos quatro anos, e
agora à hiperinflação. A gasolina quase gratuita e um controle de preços que
não funcionou também contribuíram para a crise. As sanções financeiras do
governo Trump – mais do que todos os esforços de desestabilização anteriores,
que foram significativos – tornaram praticamente impossível para o governo sair
da confusão sem ajuda externa.
Como se essa situação
profundamente agônica não fosse suficiente, a mídia publicou com frequência
relatos exagerados sobre as condições na Venezuela, apontando por exemplo fome
generalizada. Para ser claro, a escalada de preço dos alimentos aumentou a
subnutrição no país, mas isso é bem distante de uma fome em
larga escala.
Mais importante, tem havido
escassas reportagens na mídia dos EUA sobre os danos econômicos adicionais
provocados pelas sanções financeiras do governo Trump, anunciadas em agosto do
ano passado (logo depois da declaração sobre uma “opção militar” para a
Venezuela).
Como meu colega Mark
Weisbrot explicou,
o embargo unilateral e ilegal – que exclui a Venezuela da maioria dos mercados
financeiros – tem tido duas consequências principais, ambas implicando aumento
das dificuldades econômicas para o povo venezuelano. Primeiro, porque causa uma
escassez ainda maior de bens essenciais, incluindo alimentos e remédios.
Segundo, porque torna a recuperação da economia quase impossível, uma vez que o
governo não pode tomar empréstimos ou reestruturar sua dívida externa, e em
alguns casos até mesmo realizar transações normais de importação, inclusive
para medicamentos.
Além de fomentar maior devastação
econômica na Venezuela, Trump e sua corte de conselheiros sobre a Venezuela,
incluindo o senador republicano Marco Rubio, têm apoiado opositores de linha
dura em seus esforços para impedir tentativas de diálogo e minar as eleições,
mesmo quando estas oferecem a possibilidade de uma transição política pacífica.
No caso em questão: as eleições
presidenciais deste domingo. O líder da oposição Henri Falcón – um
ex-governador e organizador de campanha para o candidato da oposição nas
eleições presidenciais de 2013, Henrique Capriles – concorre como candidato
independente contra Maduro e outros três candidatos. Vários grandes partidos de
oposição estão boicotando as eleições, entre outras razões porque fazem objeção
à data próxima do pleito, que segundo eles não lhes dá tempo suficiente para
organizar uma campanha forte. Contudo, a autoridade eleitoral concordou com o
adiamento por um mês da data inicial. Dois partidos de oposição, Primeiro
Justiça e Vontade Popular, também não conseguiram registrar candidatos porque,
alega-se, não alcançaram os requisitos formais para fazê-lo.
Contudo, pesquisas eleitorais
realizadas pelo Datanalysis, instituto mais frequentemente citado na
Venezuela, indicam que
Falcón pode vencer, se houver um grande comparecimento às urnas. Antes de
confirmar sua candidatura, Falcón obteve fortes garantias junto à autoridade
eleitoral do país, garantindo transparência, acessibilidade eleitoral e votação
secreta, como houve em todas as contestadas eleições anteriores, desde que
Chávez assumiu o poder em 1999.
Mas o governo Trump, depois
de ameaçar Falcón
com sanções financeiras individuais se não desistisse de sua candidatura,
apoiou a o boicote eleitoral promovido por setores mais linha dura da
oposição. Eles veem o candidato, que era aliado de Chávez até 2010, como
alguém que, se eleito, estaria disposto a entrar em acordo com os chavistas.
O governo dos EUA ameaçou até
mesmo aumentar sanções contra o petróleo venezuelano, se as eleições forem
realizadas. Fontes indicam que quando ambos, Falcón e o governo venezuelano,
solicitaram que a ONU enviasse uma equipe observadora internacional para
monitorar as eleições, funcionários dos EUA intervieram para garantir que esse
esforço de monitoramento não acontecesse.
Com o governo norte-americano e a
oposição da Venezuela fazendo todo o possível para reforçar a campanha dos
linhas-duras pelo boicote, há uma grande possibilidade de que seja baixo o
comparecimento às urnas no campo da oposição, e que Maduro vença as eleições
por uma larga margem. Pode-se esperar que o governo Trump faça a imediata
denúncia de um processo “fraudulento” e “ilegítimo”, tomando atitudes que
tornarão a vida dos venezuelanos comuns ainda mais difícil.
Mudança de regime: uma política
norte-americana permanente
Vale notar que a política de Trump para a Venezuela é principalmente uma continuação da política de Obama para o país, embora o embargo financeiro e apelo a um golpe militar sejam particularmente ultrajantes e desprezem o direito internacional e as normas das nações civilizadas. As sanções de Trump aumentam o regime de sanções de Obama que identificam a Venezuela como uma “ameaça extraordinária à segurança nacional”.
Quando Obama começou o processo de normalização de
relações com Cuba, ele começou a mirar os bens de vários altos funcionários e
indivíduos associados com o governo Maduro.
Sob Obama, o governo dos
EUA continuou,
como na era-Bush, a financiar organizações políticas de oposição na Venezuela,
e mais uma vez fez lobby junto a governos regionais para censurar a o país em
organizações multilaterais, como na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Washington também recusou-se a aceitar um embaixador venezuelano em Washington
– embora convidasse um cubano – e alinhou-se a membros linha-dura da oposição
quando recusou-se a reconhecer a
vitória eleitoral de Maduro em abril de 2013.
Essencialmente, o governo de
Obama – como o de Bush, que esteve envolvido no golpe de vida curta em 2002
contra Hugo Chávez – tinha uma política de promover uma “mudança de regime” na
Venezuela. Com Trump, aquela política tomou uma direção mais agressiva, aberta
e perigosa.
Infelizmente não tem havido
praticamente nenhuma crítica aos esforços do governos dos EUA para derrubar o
governo venezuelano na grande mídia. No Congresso dos EUA, onde um grande
número de legisladores agora se opõem ao embargo contra Cuba, por exemplo, há pouco
clamor, com a importante exceção do um pequeno grupo de democratas progressistas que
se opuseram às sanções contra a Venezuela, sob Obama e Trump. A maior parte do
establishment político e da mídia parece acreditar que Trump tem a agenda
política certa para a Venezuela, com vários liberais justificando as duras
medidas com casos de corrupção, violação de direitos humanos e outros crimes
que supostamente envolvem funcionários venezuelanos.
Entretanto, nenhuma dessas
críticas pede sanções econômicas contra países latino-americanos com registro
de muito mais violência e repressão. Contra Honduras, por exemplo, onde os
militares recentemente reprimiram violentamente manifestações pacíficas após
eleições fraudulentas,
que o governo dos EUA reconheceu. Ou contra a Colômbia e
o México,
onde nos últimos meses dezenas de candidatos políticos e líderes sociais foram
assassinados com impunidade.
A Venezuela é tratada de modo
diferente pelos EUA por razões óbvias: tem um governo que busca ser
independente de Washington e se encontra sobre reservas de centenas de bilhões
de barris petróleo, que – quando a economia da Venezuela finalmente se
recuperar – irão possibilitar ao governo ter influência regional de longo
alcance.
De fato, isso é exatamente o que
aconteceu durante o governo Chávez. Aumentou a popularidade da Venezuela na
América Central e no Caribe graças em grande parte à generosa iniciativa
Petrocaribe do governo, que trouxe benefícios econômicos tangíveis a muitos
países da região. Ela teve também influência na construção de instituições
regionais tais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe
(Celac) e a União das Nações Sul Americanas (Unasur), que eram muito mais
independentes dos EUA do que a Organização dos Estados Americanos, localizada
em Washington.
A despeito de como cada um se
sinta, em relação ao atual governo da Venezuela, é tempo de se dar conta de que
a política dos EUA com relação a esse pais está tornando as coisas piores. Está
gerando maior sofrimento econômico, instabilidade e polarização política e
minando as chances de alcançar uma solução pacífica para a crise política do
país.
Os comentários sobre golpe e
intervenção militar na Venezuela, ou em qualquer outro lugar da América Latina,
precisam retornar a seu prévio status de tabu, particularmente por causa da
receptividade a ideias absurdas da atual liderança dos EUA. Em vez disso, é
hora de esfriar as cabeças em todo o espectro político para trabalhar juntos
por uma mudança na direção política em relação à Venezuela. Primeiro, os
cidadãos dos EUA que se importam com os Estados Unidos devem organizar-se para
forçar Trump a levantar o embargo financeiro; depois, é preciso encorajar os
esforços para construir confiança e diálogo entre os setores políticos, ao
mesmo tempo em que marginalizamos linhas-duras que se opõem a qualquer forma de
acordo.
Foto: Membro da oposição linha-dura,
apoiada por Washington. Podendo chegar ao governo, grupos boicotam eleições e
pedem intervenção militar — interna ou externa. Para converter a Venezuela numa
Líbia, na América do Sul?
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