sábado, 23 de junho de 2018

Ataques em Moçambique são financiados por "radicais islâmicos", diz investigador


Investigador Fernando Jorge Cardoso defende que ataques contra civis no norte de Moçambique são financiados por "radicais islâmicos", mas afasta cenário de criação de um "movimento endógeno de longo prazo".

Fernando Jorge Cardoso, especialista em estudos africanos do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL e coordenador de estudos estratégicos da organização não-governamental Instituto Marquês de Valle Flôr, defendeu esta quinta-feira (21.06) que os ataques contra civis na região de Cabo Delgado (norte de Moçambique) são financiados por "radicais islâmicos" com o objetivo de desestabilizar, mas afastou o cenário de criação de um "movimento endógeno de longo prazo".

"Não tenho a mínima dúvida que neste momento há financiamento de radicais islâmicos, através do Médio Oriente, interessados na instabilidade no leste africano e que cada vez têm mais ligação ao longo do litoral leste de África", comentou o especialista.

Insatisfação dos jovens

Segundo Fernando Jorge Cardoso, "há alguma insatisfação, particularmente de parte da população jovem na zona litoral, que vê a perspetiva de grandes investimentos a serem realizados, mas que não viu até agora nenhuma possibilidade de melhoria do nível de vida". Mas, assinalou, "isso, por si só, não leva à morte de pessoas e ao vandalismo sobre civis", referindo-se aos ataques, nos últimos meses, na região de Cabo Delgado.

 Para Fernando Jorge Cardoso, "há claramente um movimento de desestabilização que encaixa nessa insatisfação e que é financiado do exterior".    

No entanto, o investigador não acredita que haja "condições no interior de Moçambique para a criação de um movimento endógeno de longo prazo". 

O objetivo é chamar a atenção

Os ataques, comentou, são preocupantes, por atingirem civis e por "desestabilizarem toda uma área, particularmente na zona norte litoral, perto das grandes jazidas de gás, que estão prestes a começar em exploração".

O objetivo, continuou, é "desestabilizar, chamar a atenção e criar uma visibilidade maior e dar a aparência de que este movimento 'jihadista' não foi aniquilado, apesar de tudo o que está a acontecer ao designado Estado Islâmico e à Al-Qaeda". 

O especialista ressalvou que os ataques estão a ocorrer numa extensão de 100 quilómetros da costa leste moçambicana, num país com 2.750 quilómetros de litoral. 

"Não deixa de ser grave e preocupante e afeta sem dúvida a exploração de gás, mas as grandes companhias que lá operam estão habituadas a este tipo de movimentação. Não acredito que este tipo de movimentos seja capaz de parar o desenvolvimento da exploração de gás", acrescentou.

Estabilidade no país

Fernando Jorge Cardoso sublinhou também que estes ataques "nada têm a ver com os conflitos anteriores - que ainda não estão totalmente resolvidos, mas estão quase - entre a FRELIMO [no poder] e a RENAMO [principal partido da oposição]", comentando que as aquelas forças "não veem com bons olhos, de forma alguma, para o que se está a passar".

As autoridades suspeitam que os crimes sejam da responsabilidade de células de um grupo que atacou a polícia e matou dois agentes na vila de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 e que desde então tem invadido aldeias remotas, saqueando-as e provocando um número incerto de mortes e deslocados.

Só na mais recente vaga de violência, desde 27 de maio, morreram pelo menos 29 habitantes, 11 supostos agressores e dois elementos das forças de segurança, segundo números das autoridades e testemunhos da população.

Restaurar a estabilidade no norte do país

A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM) instou as autoridades moçambicanas a restaurarem a estabilidade nos distritos daprovíncia de Cabo Delgado alvo de ataques atribuídos a grupos armados de inspiração islamita. 

O presidente da CDHOAM, Ricardo Moresse, afirmou, citado esta quinta-feira pela Agência de Informação de Moçambique (AIM), que as autoridades devem atuar com celeridade para estancar a violação flagrante dos direitos humanos em Cabo Delgado.

"Quanto mais cedo se controlar a situação, melhor ainda, porque não há dúvidas de que estamos perante uma violação dos direitos humanos e é preciso controlar esta situação o mais cedo possível", disse Moresse. 

Os autores dos ataques, prosseguiu, devem ser responsabilizados pelos seus atos, dentro de um processo legal justo.

"Não importa de quem sejam os ataques, o mais preocupante é que estão acontecer e o pior é que são sem rosto", acrescentou o presidente da CDHOAM. 

Agência Lusa, ar | em Deutsche Welle

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