Investigador Fernando Jorge
Cardoso defende que ataques contra civis no norte de Moçambique são financiados
por "radicais islâmicos", mas afasta cenário de criação de um
"movimento endógeno de longo prazo".
Fernando Jorge Cardoso,
especialista em estudos africanos do Centro de Estudos Internacionais do
ISCTE-IUL e coordenador de estudos estratégicos da organização
não-governamental Instituto Marquês de Valle Flôr, defendeu esta quinta-feira
(21.06) que os ataques contra civis na região de
Cabo Delgado (norte de Moçambique) são financiados por "radicais
islâmicos" com o objetivo de desestabilizar, mas afastou o cenário de
criação de um "movimento endógeno de longo prazo".
"Não tenho a mínima dúvida
que neste momento há financiamento de radicais islâmicos, através do Médio
Oriente, interessados na instabilidade no leste africano e que cada vez têm mais
ligação ao longo do litoral leste de África", comentou o especialista.
Insatisfação dos jovens
Segundo Fernando Jorge Cardoso,
"há alguma insatisfação, particularmente de parte da população jovem na
zona litoral, que vê a perspetiva de grandes investimentos a serem realizados,
mas que não viu até agora nenhuma possibilidade de melhoria do nível de
vida". Mas, assinalou, "isso, por si só, não leva à morte de pessoas
e ao vandalismo sobre civis", referindo-se aos ataques, nos últimos meses,
na região de Cabo Delgado.
Para Fernando Jorge
Cardoso, "há claramente um movimento de desestabilização que encaixa nessa
insatisfação e que é financiado do exterior".
No entanto, o investigador não
acredita que haja "condições no interior de Moçambique para a criação de
um movimento endógeno de longo prazo".
O objetivo é chamar a atenção
Os ataques, comentou, são
preocupantes, por atingirem civis e por "desestabilizarem toda uma área,
particularmente na zona norte litoral, perto das grandes
jazidas de gás, que estão prestes a começar em exploração".
O objetivo, continuou, é
"desestabilizar, chamar a atenção e criar uma visibilidade maior e dar a
aparência de que este movimento 'jihadista' não foi aniquilado, apesar de tudo
o que está a acontecer ao designado Estado Islâmico e à Al-Qaeda".
O especialista ressalvou que os
ataques estão a ocorrer numa extensão de 100 quilómetros da costa leste
moçambicana, num país com 2.750 quilómetros de litoral.
"Não deixa de ser grave e
preocupante e afeta sem dúvida a exploração de gás, mas as grandes companhias
que lá operam estão habituadas a este tipo de movimentação. Não acredito que
este tipo de movimentos seja capaz de parar o desenvolvimento da exploração de
gás", acrescentou.
Estabilidade no país
Fernando Jorge Cardoso sublinhou
também que estes ataques "nada têm a ver com os conflitos anteriores - que
ainda não estão totalmente resolvidos, mas estão quase - entre a FRELIMO [no
poder] e a RENAMO [principal partido da oposição]", comentando que as
aquelas forças "não veem com bons olhos, de forma alguma, para o que se
está a passar".
As autoridades suspeitam que os
crimes sejam da responsabilidade de células de um grupo que atacou a polícia e
matou dois agentes na vila de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 e que desde
então tem invadido aldeias remotas, saqueando-as e provocando um número incerto
de mortes e deslocados.
Só na mais recente vaga de
violência, desde 27 de maio, morreram pelo menos 29 habitantes, 11 supostos
agressores e dois elementos das forças de segurança, segundo números das
autoridades e testemunhos da população.
Restaurar a estabilidade no norte
do país
A Comissão dos Direitos Humanos
da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM) instou as autoridades
moçambicanas a restaurarem a estabilidade nos distritos daprovíncia
de Cabo Delgado alvo de ataques atribuídos a grupos armados de
inspiração islamita.
O presidente da CDHOAM, Ricardo
Moresse, afirmou, citado esta quinta-feira pela Agência de Informação de
Moçambique (AIM), que as autoridades devem atuar com celeridade para estancar a
violação flagrante dos direitos humanos em Cabo Delgado.
"Quanto mais cedo se
controlar a situação, melhor ainda, porque não há dúvidas de que estamos
perante uma violação dos direitos humanos e é preciso controlar esta situação o
mais cedo possível", disse Moresse.
Os autores dos ataques,
prosseguiu, devem ser responsabilizados pelos seus atos, dentro de um processo
legal justo.
"Não importa de quem sejam
os ataques, o mais preocupante é que estão acontecer e o pior é que são sem
rosto", acrescentou o presidente da CDHOAM.
Agência Lusa, ar | em Deutsche
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