Sem qualquer cerimónia, duma
forma rudimentar como que a realçar a truculência militar, o general-presidente
João Lourenço esmurrou a mesa da diplomacia exigindo a Portugal que enviasse,
em papel, claro, o processo contra Manuel Vicente, o seu protegido de estimação.
Sedrick de Carvalho | Folha 8 |
opinião
A justiça portuguesa ainda levou o
calhamaço processual ao tribunal de Lisboa, mas depois cedeu aos bastidores
diplomáticos retirando o ex-vice-presidente de Angola do rocambolesco caso de
corrupção de procurador do Ministério Público.
Pouco depois, o procurador-geral
da República, Hélder Pitta Grós, declarou que a instituição que chefia não tem
condições técnicas para investigar processos de natureza complexa, como, por
exemplo, os indícios de crimes da antiga direcção da Sonangol chefiada por
Isabel dos Santos e referidos pelo actual presidente do conselho de
administração.
A 20 de Outubro, menos de um mês
desde a sua nomeação, Carlos Panzo foi exonerado do cargo de secretário dos
assuntos económicos do presidente da República alegadamente por ser alvo de uma
investigação por parte da Procuradoria Federal Suíça. A investigação é sobre
suspeita de lavagem de dinheiro, mas é apenas, como referiu a porta-voz suíça,
uma investigação e Panzo está coberto pela presunção de inocência até prova em
contrário.
O procurador-geral angolano à
altura era o nefasto João Maria de Sousa, um habilidoso protector de corruptos
da sua laia, e deu um pequeno espectáculo mediático antes de abandonar a casa
da mãe Joana. Em conferência realizada numa noite em finais de Novembro, João
Maria confirmou ter aberto um inquérito contra o exonerado e que seria pedido à
congénere suíça, mediante carta rogatória, o envio dos elementos de provas.
Entretanto, João Maria foi
substituído quase um mês depois. Meses passados e a carta rogatória ainda não
foi respondida. E Carlos Panzo continua, aparentemente, longe dos corredores da
presidência. A questão que se coloca: como se justifica a exoneração e abertura
de inquérito contra Carlos Panzo, simples investigado na Suíça, perante a
blindagem canina presidencial a Manuel Vicente, amplamente investigado e,
principalmente, acusado em tribunal português?
A couraça com que se reveste
Manuel Vicente ganhou forma de conselheiro para assuntos de petróleo e gás do
presidente da República, para além de ser deputado à Assembleia Nacional. Ou
seja, um foi afastado supostamente para não macular o timoneiro contra a
corrupção, mas, dias depois, o mesmo timoneiro associa-se a um sujeito do topo
da pirâmide da corrupção em Angola. Mas a diferença entre o conselheiro e o
ex-secretário é longitudinalmente grande tanto no formato como no objecto.
No formato, o estatuto de
conselheiro não vincula o sujeito ao governo, mas no objecto se destaca pela
importância perante o aconselhado, dependendo largamente do que este disser
sobre a matéria específica. O secretário é vinculativo ao Executivo, pela
super-presidência, no formato e objecto.
Amarrado ao parlamento, que lhe
confere imunidades nos termos do artigo 150.º da CRA, para além do estatuto de
ex-vice-presidente da República, Manuel Vicente está mais sob as rédeas do
novo-quase-dono-disto-tudo, faltando tornar-se o plenipotenciário do partido.
Os filhos de José Eduardo dos
Santos também estão encurralados, e Isabel e Filomeno dos Santos começam a sentir
cada vez mais o cerco a apertar-se. O processo que decorre no tribunal de
Ghent, Bélgica, sobre esquemas de certificação e venda de diamantes que
favoreceram Isabel dos Santos através da Ascorp, e em que foram apreendidos
oito mil milhões de dólares, é outra corda no pescoço da primogénita do ex-rei
sol, que se encontra no cadafalso também com a Atlantic Ventures.
O general Geraldo Sachipengo
Nunda, ex-chefe do Estado-Maior General das FAA, arrolado no processo “Burla à
Tailandesa”, arrisca-se a ser o primeiro membro sénior da nomenclatura a
sentar-se no infame banco dos réus nesse xadrez judicial que se inicia
intramuros.
Sem se compreender se realmente a
tentativa de burla é o verdadeiro motivo para constituição do general em réu, o
certo é que Sachipengo Nunda não é apenas ex-chefe do Estado-Maior General das
FAA mas também, e talvez mais importante, empresário diamantífero em sociedade
com vários generais, como os irmãos Luís e Emílio Faceira.
Todos esses processos, desde
Manuel Vicente e Carlos Panzo, passando por Isabel dos Santos e Zenú, Nunda e
companhia, são instrumentos de controlo às mãos de João Lourenço, que
continuará a negociar a transladação de processos judiciais e a instaurar
outros contra figuras que eventualmente se neguem a endeusá-lo, tal como o
jovem António Rodrigues que não tomou posse como ministro e agora passa pelo
crivo da PGR.
Colocados em xeque, o fatal mate
estará dependente do movimento dos intimados. Assim, podemos dizer que João
Lourenço está apenas a dizer que dos nossos reféns, como Manuel Vicente e
Isabel dos Santos, tratamos nós.
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