domingo, 15 de julho de 2018

E se em França a luta social estivesse apenas a começar?


Rémy Herrera

A chegada do Verão, sinónimo de férias, é aguardada com impaciência por todos os trabalhadores; até mesmo por aqueles que estão lutando por justiça e sabendo que durante dois meses, suas lutas ficarão com reticências, isto é, serão postas entre parênteses, até à reentrada em setembro. Desta vez, no entanto, na agitação social que sacode o país desde o início do ano, foi sobretudo o governo, a achar havia demasiado tempo antes das férias de Verão. Nas esferas de poder, alguns certamente estão convencidos que venceram a guerra. A guerra social, que os capitalistas – que elegeram em 3 de julho para dirigir a sua organização patronal (MEDEF) um puro descendente da nobreza francesa, Geoffroy Roux Bezieux – e o seu dedicado presidente-monarca Macron lançaram contra o povo. No entanto, tudo leva a crer que a grande confrontação ainda está para vir. As coisas sérias estão apenas a começar.

As forças neoliberais já estão alinhadas em ordem de batalha, prontas para a próxima ofensiva. Será a "reforma" das pensões de aposentação, nova etapa para a demolição da protecção social dos trabalhadores. Para fazer isso, foi nomeado um "alto comissário" Jean-Paul Delevoye – homem de direita, acumulando mais de 80 anos de mandatos políticos, ex-ministro sob Jacques Chirac, que se juntou ao partido do actual Presidente – La République en Marche! É responsável pela elaboração do projecto de lei sobre pensões que o Governo apresentará ao Parlamento em 2019 no quadro do PACTO (plano de acção para o crescimento e a transformação das empresas).

Sous prétexte d'"harmoniser" les régimes de retraite et d'"aligner" le système en vigueur dans la fonction publique sur ceux des secteurs privés, ce qui est visé, c'est la promotion des marchés de l'épargne retraite, selon les desiderata des banques et compagnies d'assurance. 

Sob o pretexto de "harmonizar" os planos de Pensões e de "alinhar" o sistema actual na função pública com o do sector privado, o que se pretende é a promoção de mercados de poupança-reforma, de acordo com os desejos dos bancos e empresas seguradoras. O projecto prevê bloquear as contribuições para a Segurança Social, condenando assim os montantes das pensões a baixarem à medida que aumentar o número de aposentados e a expectativa de vida. Nenhuma garantia é concedida aos investimentos em poupanças quanto ao nível das suas pensões, confiada aos caprichos das cotações bolsistas (nem mesmo sobre as possibilidades de recuperarem as suas economias)! É de facto uma privatização dissimulada do regime de pensões que está à vista, colocando em risco, em consequência da captura de uma parte das poupanças dos aposentados, o financiamento da Segurança Social em França. A finança globalizada e os fundos de pensões, frustrados desde a crise de 2008 com taxas de juro quase zero, esfregam as mãos! Afinal não foi para isto que escolheram Macron?

O sistema ideal é o que permite garantir para todos a continuidade do seu melhor nível de vida na carreira, durante a passagem da actividade para a reforma. Apesar das recomendações da Comissão Europeia, o FMI e a OCDE a favor da capitalização, o sistema francês funciona ainda amplamente – felizmente – na base da repartição: contribuições actuais financiam os aposentados actuais e as contribuições actuais são constitutivas dos futuros direitos à reforma, através da solidariedade intergeracional e a obrigação de qualquer activo a contribuir. Este regime, com prestações garantidas, é seguro porque financiado pelas contribuições do total dos salários nacionais. Isso, sem recorrer aos mercados financeiros, portanto sem o risco dos desastres do mercado de acções.

É esta solidariedade que os anos de neoliberalismo enfraqueceram, sem a conseguir desmantelar. É este sistema que o Presidente Macron às ordens da finança quer destruir. É este sistema de pensões que será preciso em breve defendermos, para o reforçar e universalizar. O problema das reformas não é demográfico; é uma questão de justiça social. Trata-se de uma escolha profunda da sociedade: ou a solidariedade ou cada um por si.

As elites dirigentes, arrogantes e impulsionadas por uma relação de forças historicamente favorável ao capital, devem no entanto recordar-se que em 1995 as maiores mobilizações populares após o maio de 1968 foram precisamente em defesa do sistema de reformas. Poderosas greves paralisaram então o país por mais de um mês (novembro - dezembro), e forçaram o governo da época (o de Alain Juppé, primeiro-ministro de Chirac) a abandonar sua "reforma", sob a pressão de dois milhões de manifestantes. Em 2010, sob Sarkozy, 3 milhões de manifestantes não foram suficientes para deter a máquina infernal neoliberal. Quantos milhões serão necessários em 2019 para forçar Macron a pôr-se "em marcha…atrás"? 

15/Julho/2018

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

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