Afonso Camões* | Jornal de Notícias
| opinião
Por mais que se imponha o
Fernando Santos que há em nós, não há como ignorar a colossal derrota da
unidade europeia perante a tragédia dos refugiados. Ou o sinal de esperança que
representa a eleição de António Vitorino para dirigir a Organização Internacional
das Migrações. Porque nestas coisas convém ter alguém com um perfil humanista e
que, no mínimo, saiba um pedacinho de como a História vai desenhando o nosso
Mundo. E vice-versa.
Houve um tempo em que muitos
milhões de europeus, pobres e maltrapilhos, se lançaram ao mar para escapar à
fome e ao desastre que era o Velho Continente. O êxodo foi bíblico. De milhares
e milhares de portugueses, também. E a América foi, então, um dos principais
destinos, o porto menos inseguro do Novo Mundo. Fotografias da época ainda
mostram filas intermináveis de europeus submetidos à inspeção, cabeças rapadas
para catar ou prevenir piolhos e outros parasitas. Em desespero, fugia-se da
guerra, da miséria, da perseguição.
Estão a ver a ilha de Ellis,
mesmo em frente a Nova Iorque, na ponta da qual se haveria de levantar a
Estátua da Liberdade? De 1892 a 1954, por muitas décadas, foi esse o mais
importante centro de acolhimento e classificação de imigrantes no Mundo, o
filtro e a porta americana por onde terão passado mais de 20 milhões de
europeus, em número muito superior ao de africanos que agora demandam as praias
da margem norte do Mediterrâneo, em vagas sucessivas.
Quando agora sugerem a criação de
"plataformas de desembarque para migrantes", do lado de cá do
Mediterrâneo ou por subarrendamento, em território de terceiros, é de novas
ilhas Ellis que os chefes europeus estão a falar. Vêm com um século de atraso e
insistem em ignorar a razão pela qual tantos milhares de africanos se arriscam
ao naufrágio para bater à porta da Europa, à procura de uma oportunidade num
mundo que já não é novo.
*Diretor do JN
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