PS, PSD e CDS convergem na elaboração
e execução de uma política de direita contrária ao interesse dos trabalhadores
e ao serviço do capital, com repetido agravamento das condições de vida e trabalho.
Armando Farias | AbrilAbril | opinião
Sendo certo que o provérbio
«diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és» remonta aos tempos bíblicos, o que
para os fiéis bem pode figurar no episódio da traição de Judas a Cristo, é
também notório que a expressão popular mantém plena actualidade se aplicada aos
vendilhões dos templos modernos.
Evidentemente, essas não eram
cogitações que ocupassem o espírito do então presidente da Confederação da
Indústria Portuguesa (CIP) quando, há precisamente uma década atrás, lançou,
com genuína sinceridade, a declaração, que citamos ao lado, sobre o
Ministro do Trabalho do Governo do PS/José Sócrates. E para que não
subsistissem quaisquer dúvidas sobre a seriedade da afirmação, o «patrão dos
patrões», perguntado pela jornalista que o entrevistava se estava a fazer
ironia, fez questão de esclarecer que não senhora, tratava-se de um juízo
objectivo decorrente do empenho pessoal do ministro em levar por diante as
alterações laborais requisitadas pelas confederações patronais ao governo,
enumerando algumas dessas malfeitorias.
Interrogado sobre se o banco de
horas e outros mecanismos de «flexibilidade» eram uma maneira das empresas
deixarem de pagar trabalho extraordinário, o presidente da CIP foi taxativo:
«no fundo é para acabar com o conceito de horas extraordinárias. Trabalhar mais
duas horas além do horário passa a ser regular».
Seguidamente, desafiado a comparar
Vieira da Silva com Bagão Félix, antecessor com a mesma pasta no Governo
PSD/CDS, o tal do ar angelical e mansas falas que em 2003 introduziu o
famigerado código do trabalho, Van Zeller foi igualmente categórico: «O Dr.
Bagão Félix não era especialista neste tema, era um generalista» e este
ministro, Vieira da Silva, e a sua equipa «… são especializados, isto é mérito
de especialistas». E prosseguiu, sentenciando que «a forma como organizaram
tudo conduziu a uma melhor finalização e a uma discussão final muito curta.
Quando a proposta final apareceu já estava tudo discutido» (tudo cozinhado, foi
o que foi).
Para que ficasse perfeitamente
claro que no sistema capitalista o papel que o grande patronato reserva ao
Ministro do Trabalho é que este submeta os direitos dos trabalhadores,
aniquilando-os ou diminuindo-os, aos interesses dos grupos económicos, o
presidente da CIP não se conteve em mostrar quem «manda», rematando, sem
disfarçar alguma arrogância, com a seguinte afirmação sobre as alterações à
legislação laboral: «Foi uma vitória nossa sem dúvida nenhuma. Antes bastava
uma ou duas pessoas para empatar uma equipa inteira. Agora já não».
Os eixos da ofensiva anti-laboral
Esta introdução ao tema que aqui
nos trás hoje tem uma dupla finalidade. Por um lado, lembrar que os
governos do PS, e em particular o ministro Vieira da Silva, têm um largo
currículo na definição e elaboração de legislação anti-laboral, consubstanciada
no ataque aos direitos e na regressão das condições de vida dos trabalhadores,
currículo que é reconhecido pelas insuspeitas confederações patronais.
Por outro lado, evidenciar que existe
um fio condutor nessa ofensiva, articulando quatro eixos principais:
- a precarização da relação
laboral, por via da liberalização e embaratecimento do despedimento individual,
da generalização das formas precárias de trabalho e do alargamento do período
experimental;
- a desregulação da
organização do trabalho e a desregulamentação dos horários, a par da
introdução dos bancos de horas e de outros regimes incluídos no pacote das
chamadas flexibilidades e adaptabilidades;
- a diminuição dos
rendimentos do trabalho, seja pela contenção salarial, seja por outras vias de
aumentar a exploração dos trabalhadores, como o aumento do trabalho não
remunerado;
- a imposição de regras que
visam fragilizar o direito à contratação colectiva, nomeadamente o regime da
caducidade, a possibilidade de adesão individual às convenções colectivas de
trabalho; a eliminação do principio do tratamento mais favorável aos
trabalhadores, a generalização do contrato individual de trabalho, a redução do
direito de greve, através do alargamento dos serviços mínimos a vários sectores
de actividade.
Não surpreende, portanto, que a
apreciação da CIP tenha, também ela, um mesmo fio condutor. Se o anterior
presidente daquela organização patronal se regozijava por Vieira da Silva fazer
melhor trabalho que um governo de direita, o actual presidente, António Saraiva,
não se mostrou menos agradado com a escolha do mesmo homem para Ministro do
Trabalho no actual Governo do PS/António Costa.
De facto, em entrevista ao
programa «Terça à Noite» da Renascença, emitido em 24 de Novembro de 2015,
António Saraiva dizia ter ficado “descansado” com a escolha de Vieira da Silva
para Ministro do Trabalho porque, confidenciava Saraiva, «é um nome que me tranquiliza
pela prática, pelo conhecimento, por aquilo que já trabalhámos anteriormente no
Governo Sócrates».
O Acordo subscrito pelo Governo
de António Costa na Concertação Social confirma as opções de classe do PS ao
serviço do grande capital
Quem não podem estar tranquilos
são os trabalhadores, face ao longo historial de convergências do PS com o PSD,
o CDS e o grande capital. Os sucessivos ataques aos direitos e à contratação
colectiva só foram possíveis porque independentemente de quem estava, em cada
momento, no governo – PS, PSD ou CDS, separados ou coligados – todas eles
convergiram, sempre, na Assembleia da República contra os trabalhadores.
Voltando à citação de Francisco
Van Zeller: «Vieira da Silva fez melhor do que um Governo de direita», diremos
que é tolice polemizar sobre quem, no «arco da governação» protagonizado pelo bloco
central de interesses, é mais de direita. O que está em causa não são as
embalagens, mais ou menos embelezadas com as cores preferidas, mas sim, as
opções políticas que cada uma dessas forças políticas prossegue. E, aí, o teste
do algodão não engana: entre PS, PSD e CDS não há nenhuma diferença
significativa, todos eles optaram por convergir na elaboração e execução de uma
política de direita.
Política de direita que, sendo
contrária aos interesses dos trabalhadores e destinada a servir os interesses
do grande capital, aqueles partidos aprofundam continuadamente, fazendo suceder
medidas atrás de outras medidas, num repetido agravamento das condições de vida
e de trabalho. Foi assim com os pacotes laborais das décadas de 80 e 90, depois
com o Código do Trabalho de Bagão Félix, no inicio deste século, mais tarde com
os «acordos» de concertação social (usando, nesta sede, a excrescência que dá
pelo nome de UGT1),
e tem sido sempre assim, depois da Revolução de Abril, ao longo de mais de 40
anos de recuperação capitalista.
O actual Governo do PS, ao
insistir em manter a caducidade da contratação colectiva, posição que é
acompanhada com a recusa em introduzir o princípio do tratamento mais favorável
ao trabalhador, sabe que está a reforçar os mecanismos de chantagem e pressão
que o patronato exerce sobre os trabalhadores, a fim de aumentar a exploração e
continuar a liquidação de direitos. As ideias enunciadas quanto ao
«aperfeiçoamento» dos mecanismos de arbitragem e do reforço da mediação,
prévios à decisão sobre a caducidade, não são solução, como não é solução
submeter os direitos dos trabalhadores à discricionariedade das decisões de
colégios arbitrais.
Ao contrário do que o governo e
as confederações patronais têm afirmado, não há nenhum dinamismo da negociação
colectiva. Apesar das 208 convenções colectivas de trabalho e das 84 portarias
de extensão publicados em 2017 a situação é inaceitável, pois uma grande parte
dessas convenções resultam da fragmentação operada nos últimos anos, com
diminuta expressão numérica dos trabalhadores abrangidos.
Como os dados da CGTP-IN mostram
(Relatório de Actividades de 2017), mesmo continuando suspensa a publicação de
avisos de caducidade decididas pelas associações patronais, o bloqueio da
contratação colectiva mantém-se, com apenas 821 mil trabalhadores abrangidos
pela renovação da contratação colectiva em 2017, muito longe do total de
assalariados que, sem os trabalhadores da Administração Pública, é de cerca de
3,3 milhões. Está-se, portanto, com um nível médio de cobertura da ordem
dos 25% do total de assalariados, quando em 2007 era de 50,3%.
A baixa cobertura da contratação
colectiva tem efeitos nocivos em toda a esfera da relação laboral. A realidade
mostra como se aprofundou a exploração e se degradaram as condições de trabalho
em 2017:
i) o salário médio liquido mensal
foi de 856 € e cerca de 30% dos trabalhadores tinham salários inferiores a
600 €;
ii) 47% dos trabalhadores
trabalhavam por turno, ao serão, por noite, sábado ou domingo, ou numa
combinação entre estes tipos de horários, envolvendo 43% de mulheres e 50% de
homens, quando, há 20 anos atrás, eram 26% dos TPCO, 23% mulheres e 29% homens;
iii) alargou-se a precariedade dos
vínculos laborais, sendo que 80% dos novos contratos celebrados nos três
primeiros trimestres de 2017 assentam em vínculos precários.
Os trabalhadores da Administração
Pública foram igualmente atingidos por uma ofensiva legislativa que pôs termo
ao vínculo tradicional de emprego público, substituindo o regime de nomeação
pelo regime de contrato de trabalho em funções públicas enquanto modalidade
principal de constituição da relação jurídica de emprego público.
Esta alteração consubstancia uma
fragilização do vínculo de emprego público, a que acrescem outras medidas como
sejam o enfraquecimento do sistema de protecção na doença, a alteração do
regime de pensões e a imposição de um sistema de avaliação pouco objectivo e
bastante penalizador, além de sucessivos anos de congelamento de salários e
progressões na carreira.
Apesar de fortemente golpeada, a
contratação colectiva não será destruída
Pese embora os graves retrocessos
no plano social que decorrem da ofensiva desencadeada pelo patronato e
caucionada pelas medidas dos Governos que estão ao serviço do capital económico
e financeiro, a situação seria hoje muito pior, se não fossem as lutas de
resistência dos trabalhadores para defender os seus direitos e interesses,
particularmente quanto à contratação colectiva.
A CGTP-IN, com os seus
sindicatos, os seus milhares de activistas e dirigentes sindicais, assumiu um
papel determinante na condução de muitas e poderosas lutas sindicais a nível
das empresas e locais de trabalho, dos sectores, das regiões e no plano nacional,
em que participaram, de forma determinada, centenas e centenas de milhar de
trabalhadores e trabalhadoras. Foi, assim, possível obter a actualização dos
salários, manter e em muitos casos melhorar os direitos sociais, aprofundar a
unidade e a solidariedade entre os trabalhadores.
Amanhã, dia em que a Assembleia
da República vai debater a legislação laboral, os trabalhadores lá estarão, em
mais uma jornada de luta, para protestar e denunciar uma nova convergência dos
deputados do PS, do PSD e do CDS para a aprovação de mais um pacote
de medidas anti-laborais, entre as quais aquelas que visam perpetuar a
precariedade, a desregulamentação e alargamento dos horários de trabalho, bem
assim como o boicote patronal à negociação e contratação colectiva.
Luta que continuará, por uma
política de esquerda, de valorização do trabalho e de progresso social. É nesse
quadro que a contratação colectiva mantém todas as potencialidades, como sempre
teve, de fixar os direitos alcançados pela luta reivindicativa e preservá-los
para o bem-estar dos trabalhadores e das suas famílias.
1. Excrescência
ou excremento, deverá ter sido o pensamento do ministro Augusto Santos Silva
quando, no final de 2016, foi apanhado pelas câmaras de televisão a brindar o
ministro Vieira da Silva, exaltando mais um “acordo” fabricado na concertação
social pelos suspeitos do costume: «Ó Zé António, és o maior! Grande
negociante... Era como uma feira de gado!».
Na foto: Membros do Governo com
representantes das confederações patronais, na assinatura do acordo laboral em
Lisboa, 18 de Junho de 2018. A CGTP-IN recusou a assinatura do acordo, que
qualificou de «declaração de guerra aos trabalhadores»CréditosPaulo Vaz
Henriques. Fonte: Portal do Governo. Legenda do AbrilAbril
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