quarta-feira, 29 de agosto de 2018

CONTRADIÇÕES DUMA RATOEIRA AUTOINFLIGIDA


Martinho Júnior | Luanda

1- De tanto disseminar manipulações contraditórias com vista a instalar seus processos de ingerência e domínio, tirando partido da revolução de novas tecnologias em plena globalização, a aristocracia financeira mundial geradora do império da hegemonia unipolar, criou nos Estados Unidos a sua própria ratoeira autoinfligida, ao permitir-se a uma tensão interna cada vez mais publicitada entre suas duas linhas vinculativas de interesses dominantes: a do capitalismo financeiro transnacional e a que se prende ao capitalismo produtivo nacional.

Por essa razão, durante a última campanha para as eleições presidenciais, foi precisamente essa tensão que emergiu das sombras, algo que só pode ser sustentado quando os processos de domínio perdem intensidade, se desgastam e começam a tornar-se incapazes de geoestratégica global, na via da tentativa de persistência da hegemonia unipolar.

Se houvesse hoje um “impeachment” a Trump, nem por isso essa tensão intestina se iria apagar, ou fazer esquecer.

A tensão, com as disputas que lhe são inerentes, não parou como é óbvio com as campanhas eleitorais, tornou-se um processo em continuidade, arrastando consigo, de forma subjacente, uma complexa luta de classes nos Estados Unidos, mais visível nos contraditórios por dentro do espectro do Partido Democrata.

A luta de classes na sociedade estado-unidense, tem múltiplas implicações culturais, inclusive por dentro dos meandros e tensões da aristocracia financeira mundial: enquanto os processos elitistas mais genéricos têm predominância das linhas e sinais anglo-saxónicos, só os processos inerentes à continuidade à Doutrina Monroe têm predominantes linhas e sinais hispânicos.

É evidente que a Rússia e os emergentes multipolares têm feito a leitura aferida a essa tensão ( e ao seu espectro sócio-político) por que nela, por tabela, avaliaram quem semeia o caos, o terrorismo e a guerra psicológica que estão inerentes aos expedientes do domínio de 1% sobre o resto da humanidade e quem (como e por que vias) procura afastar-se desse pântano, com uma ementa distinta para os processos dominantes do império da hegemonia unipolar!

Essa leitura está legítima e plenamente justificada, pois de outro modo seria muito mais difícil a sua própria sobrevivência, a sobrevivência de suas alternativas e agora começa a ser mais exequível em nome da civilização, isolar-se até à neutralização a barbárie que afecta a humanidade em pleno século XXI!

A Alemanha, acaba de juntar-se à China, à Rússia, ao Irão e à Turquia, no afastamento para com o (petro)dólar, no momento em que a tensão intestina da aristocracia financeira mundial tende a exacerbar-se!...


2- A tensão intestina na aristocracia financeira mundial reverte para uma “geometria varável” de projectos, programas e acções, que comportam uma avassaladora onda de incógnitas de ingerência e manipulação, o que torna imprevisível os riscos globais, continentais, regionais, nacionais e até locais.

Esses projectos, programas e acções tornaram-se devassos nas suas próprias “trnsversalidades”.

Essa “geometria variável” tira partido da nova revolução tecnológica duma forma criativa, sempre com o sinal pernicioso indexado ao estreitamento do domínio na pirâmide global, mas podendo sempre ocorrer “transversalidades”de cima abaixo no sistema de domínio!

A contínua guerra psicológica levada a cabo pelos interesses da aristocracia financeira mundial sobretudo desde a IIª Guerra Mundial tem, entre diversas outras, também essa função e intrínseca vulnerabilidade.

A mentalidade formatada sobre as enormes massas humanas vegetativas (por que são necessariamente oprimidas), só pode ser “conversa para boi dormir” (é muito perigoso para essa aristocracia, que o “boi” acorde e ganhe desde logo alguma consciência crítica que conduza a alguma estratégia revolucionária, com tudo o que é subjacente a esse acordar), mas até na “conversa para boi dormir” à vínculos condicionados a cada uma das tensões intestinas e seus respectivos mentores.

A panóplia de alienações está intimamente associada a essa tipologia subversiva e tensa de domínio capitalista neoliberal, dos critérios seguidos pela sua contínua guerra psicológica e daí o enorme espaço ocupado pelas alienações, desde as religiosas, até às televisivas, passando pelos desportos, como pelo impacto dos tráficos, tendo como eixo o tráfico de droga.

Por isso uma NATO que surgiu no espaço físico-geográfico do Atlântico Norte antes da introdução do capitalismo neoliberal ao nível do poder anglo-saxónico, se distingue hoje por estar presente entre os meridianos do Afeganistão e a Colômbia, os dois principais produtores mundiais de droga: heroína a leste, cocaína a oeste!

O “soft power” dos processos de domínio estão pois afectados pelo leque desses cancerosos “ingredientes” e por isso as ingerências e manipulações ganharam enormes capacidades “transversais” a todas as sociedades, inclusive, irremediavelmente, na complexa sociedade dos Estados Unidos, por que é aí que se encontra a cabeça do polvo global do poder económico e financeiro como da droga.

A sociedade estado-unidense os dois contraditórios intestinos da aristocracia financeira mundial querem-na completamente vegetativa e embrutecida…

Os espelhos dessas tensões são os inúmeros acontecimentos trágicos com sangrentos dramas de acção armada e policial (repressora) que afectam os Estados Unidos, sem que se vislumbre o seu atenuar, muito menos o seu fim!


3- De certo modo os Estados Unidos não têm como impedir que, na sua complexa sociedade, por osmose rebentem agora sob pressão, as ingerências e manipulações que disseminaram com o capitalismo neoliberal, no estrito interesse do capitalismo financeiro transnacional: a balança ainda não reverte, neste momento, em benefício do capitalismo produtivo que se prende ao surgimento da administração de Donald Trump, mas as tensões manifestam-se nas“transveralidades” da sociedade estado-unidense e reflectem-se sobrenodo nas instituições de inteligência, financeiras e de justiça.

A degradação da indexação das “transversalidades” induzidas nos processos externos de ingerência e manipulação está, por exemplo, patente na Venezuela, onde a oligarquia agenciada se fragmentou politicamente e não possui alternativas credíveis capazes de neutralizar a tendência de poder sustentado pelo voto popular.

Com a expressão sociopolítica dessa oligarquia estilhaçada, então resta ao império da Doutrina Monroe, ao império da hegemonia unipolar, encontrar suportes em oligarquias sedimentares avassaladas como a da Colômbia, reconvertendo em simultâneo o elo terrorista de Miami para, com a oligarquia colombiana e a partir dela, lançar acções para dentro da Venezuela Bolivariana, como a do recente atentado contra o presidente Nicolas Maduro, um atentado sincronizado com a ementa a condizer de guerra psicológica.

Face à coesão cívico-militar bolivariana e apesar de ser necessário uma leitura mais clarividente do processo interno de luta de classes e apurar as capacidades de inteligência externa da Venezuela Bolivariana, assim como apurar as capacidades de prevenção contra golpes que recorram a novas tecnologias, mesmo a agressividade de ponta tende a eclipsar-se como mais uma desesperada manobra de quem vê reduzido o espectro instrumental de medidas de manipulação e ingerência dentro do território venezuelano também por causa das contradições internas da aristocracia financeira mundial elitista e anglo-saxónica.

Essa é também uma das razões da sustentabilidade da estratégia de medidas económicas e financeiras lançadas pelo presidente Nicolas Maduro, que sem contraditórios ao seu nível, nem por isso devem deixar de ser atenta e constantemente acompanhadas.


4- Em relação ao resto do mundo, as tensões internas da aristocracia financeira mundial são também uma oportunidade a aproveitar, não só pelos estados cuja vassalagem foi instrumentalizada por via duma União Europeia ou da NATO, mas também por outros que se perfilam nas potencialidades da emergência.

Os fenómenos de ruptura são visíveis e são tema comum corrente, merecendo no moento a atenção dos mais esclarecidos analistas (Grã-Bretanha, Alemanha, Turquia…).

A manobra do petrodólar está a reduzir-se em termos de influência, não só no Médio Oriente por efeito da vitória substantiva do estado sírio e de seus aliados, mas também em outras partes do mundo.

Em África, por exemplo, uma parte do poder da hegemonia unipolar recorre ao pré-carré da “FrançAfrique”, integrando-o na sua expressão de domínio no continente, socorrendo-o e socorrendo-se com os parâmetros da guerra psicológica, sincronizando por outro lado os movimentos militares e de inteligência de outras potências europeias integradas na NATO, entre elas Portugal, onde proliferam os “experts” nas guerras relacionadas com os “diamantes de sangue”.

A presença de forças militares portuguesas, ao abrigo da missão de paz da ONU na República Centro Africana, relaciona-se com essa vocação que vem de longe, com espectros de inteligência na República Democrática do Congo e em Angola, onde muitas vezes basta a capacidade do seu “soft power” e os expedientes de assimilação.

A manobra política e diplomática de alguns dirigentes africanos tende a traduzir o aproveitamento da situação de tensão intestina e contraditória no seio da aristocracia financeira mundial, até por que alguns são agentes do “lobby” dos minerais, compatível com o Partido Democrata dos Estados Unidos enquanto esteio que se vincula ao capitalismo financeiro transnacional.

Nesse sentido é sintomático o poder de manobra do presidente Paul Kagame do Ruanda, que neste momento possui enorme influência sobre os Grandes Lagos e a região leste da bacia do Congo (particularmente nos dois Kivus).

Um balanço global implica uma revisão às sínteses-analíticas relativas à aristocracia financeira mundial, no momento em que tende a degradar-se o carácter do seu poder dominante, sujeito agora à ratoeira autoinfligida!

Martinho Júnior - Luanda, 22 de Agosto de 2018


Imagens:
- Donald Trump e o clã Clinton, figuras protagonistas da relativa ruptura entre o capitalismo financeiro transnacional e o capitalismo produtivo do“The americans first”;
- Michel Cohen, considerado recentemente culpado de oito acusações, uma brecha no sistema do Presidente Trump, que pode levá-lo ao“impeachment”;
- Paul Manafort, o outro ponto fraco do sistema do Presidente Trump, tem concentrado as estratégias republicanas mais intensas no âmbito do neoliberalismo que flui também no capital financeiro transnacional, ou a partir dele;
- George Soros, um factor “transversal” pela natureza de contenciosos que se prendem à especulação financeira e à filantropia, um pacote capaz de todo o tipo de ingerências, manipulações e de ser usado nas próprias tensões internas da aristocracia financeira mundial;
- Agora a trama das tensões intestinas da aristocracia financeira mundial, pode induzir-se na direcção dum “golpe suave”, a coberto ou não dum pré anunciado “impeachment” ao Presidente Donald Trump.

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