Há muitos anos que espero ver a
CP a apanhar o comboio. Nesse dia que há-de trilhar caminho, picaremos bilhete
num país com uma política de transportes que invista na ferrovia como força
nuclear da inclusão geográfica das suas gentes, assumindo redes de circulação
integradas.
Miguel Guedes* | opinião
Os Comboios de Portugal coram de
vergonha perante a degradação e o desinvestimento, a anos-luz da filigrana das
redes de transportes urbanos. Com ou sem demissões no Conselho de
Administração, continuaremos a ser testemunhas a ver andar a carruagem,
viajantes "wagon-lit" sem romantismo, dormentes pela interminável e
dolorosa viagem. A perplexidade com que assistimos à degradação da CP e da
qualidade do serviço que presta aos seus clientes atingiu máximos históricos
neste verão de 2018. Mas não é indignação de primeira viagem. A deterioração,
sentida há uma década de ferrugem, é visível a olho nu. Há limites. Mesmo para
os indefectíveis de um "Trabant" a rolar em estradas albanesas.
A solução milagrosa poderia ser
uma adaptação da receita que Cavaco Silva, plantador de alcatrão, prescreveu na
década de oitenta. Asfaltar os carris. Bastaria uma ínfima parte do
investimento que alcatroou Portugal entre 1986 e 2004 (de 196 km para mais de
2000 km de auto-estradas em 18 anos) ou uma quota-parte do investimento em
estradas paralelamente construídas para, consulta do viajante, escoar mais
parcerias do que pessoas em viagem. Se o assunto fosse alcatrão, não haveria
apeadeiros para Portugal e os seus comboios. Há assuntos em que somos
especialistas. Outros há, à beira da ruptura, que ignoramos olimpicamente até à
última estação.
Ricardo Araújo Pereira vociferava
"segue, segue, segue por uma estrada de espiche" num dos mais
emblemáticos sketches do "Gato Fedorento". Manuel João Vieira,
crónico candidato à Presidência da República, queria alcatifar Portugal.
Plantar a ideia de que a CP é só mais uma empresa pública a ser mal gerida é
coisa para fazer km de caminho. Aproveitando a falta de ar condicionado do
momento e a supressão da paciência, não faltará quem clame pela entrega da
empresa ao sector privado. E a liberalização do longo curso está já ali.
Enquanto outros países investem na sua rede ferroviária como prioridade, não
faltará quem procure a salvação noutros carris, invertendo o jogo, afastando
ferozmente a CP do sector público enquanto se comovem sentimentalmente com o
regresso dos comboios ao postal turístico da Linha do Tua.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
Artigo publicado no DN a
8 de agosto de 2018
* em Esquerda.net
Sem comentários:
Enviar um comentário