segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Portugal | Pedrógão, uma vergonha coletiva


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

Há um estranho desconforto que se apodera de nós perante os crescentes pormenores de irregularidades no processo de reconstrução de Pedrógão Grande. Podemos apontar o dedo e alegar que felizmente nunca seríamos aquilo, mas nas trapalhadas e denúncias a que vimos assistindo está um pouco do país espelhado.

Poderes e serviços que deviam ser garante do cumprimento da lei e da boa gestão dos bens públicos encolhem os ombros e tentam minimizar as falhas cometidas. Pessoas que abusaram da sua condição de vítimas justificam-se com os erros dos outros e elaboram desculpas para transformar o puro oportunismo num direito. Contratações e subcontratações feitas sem transparência resultam em obras sem qualidade e sem sentido das prioridades. À distância, uma sociedade inicialmente solidária e presente demarca-se, generaliza os abusos e admite desconfiar de tudo.

A tragédia de Pedrógão Grande foi única na dimensão dos estragos e na exposição da vulnerabilidade do interior. Mas foi igualmente única na enorme mobilização de apoios, nas demonstrações de solidariedade, na quantidade de instituições e respostas no terreno. Se, por uma vez, fomos obrigados a olhar para as nossas maiores fragilidades de país desequilibrado, exigia-se que com isso tivéssemos aprendido alguma coisa. E que a tragédia de Pedrógão se transformasse em oportunidade - dolorosa, sempre, mas ainda assim uma oportunidade.

O que vemos, pelo contrário, é uma tragédia transformada em vergonha. Uma vergonha apenas possível porque ao longo dos anos fomos normalizando comportamentos abusivos nos poderes políticos, nos serviços públicos e na intolerável tendência para procurar ou condescender os "favorzinhos". Que ninguém desvie o olhar de Pedrógão. Do que foi e do que é urgente conseguirmos ser.

* Subdiretora do JN

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