Inês Cardoso | Jornal de Notícias
| opinião
Há um estranho desconforto que se
apodera de nós perante os crescentes pormenores de irregularidades no processo
de reconstrução de Pedrógão Grande. Podemos apontar o dedo e alegar que
felizmente nunca seríamos aquilo, mas nas trapalhadas e denúncias a que vimos
assistindo está um pouco do país espelhado.
Poderes e serviços que deviam ser
garante do cumprimento da lei e da boa gestão dos bens públicos encolhem os
ombros e tentam minimizar as falhas cometidas. Pessoas que abusaram da sua
condição de vítimas justificam-se com os erros dos outros e elaboram desculpas
para transformar o puro oportunismo num direito. Contratações e subcontratações
feitas sem transparência resultam em obras sem qualidade e sem sentido das
prioridades. À distância, uma sociedade inicialmente solidária e presente
demarca-se, generaliza os abusos e admite desconfiar de tudo.
A tragédia de Pedrógão Grande foi
única na dimensão dos estragos e na exposição da vulnerabilidade do interior.
Mas foi igualmente única na enorme mobilização de apoios, nas demonstrações de
solidariedade, na quantidade de instituições e respostas no terreno. Se, por
uma vez, fomos obrigados a olhar para as nossas maiores fragilidades de país
desequilibrado, exigia-se que com isso tivéssemos aprendido alguma coisa. E que
a tragédia de Pedrógão se transformasse em oportunidade - dolorosa, sempre, mas
ainda assim uma oportunidade.
O que vemos, pelo contrário, é
uma tragédia transformada em
vergonha. Uma vergonha apenas possível porque ao longo dos
anos fomos normalizando comportamentos abusivos nos poderes políticos, nos
serviços públicos e na intolerável tendência para procurar ou condescender os
"favorzinhos". Que ninguém desvie o olhar de Pedrógão. Do que foi e
do que é urgente conseguirmos ser.
* Subdiretora do JN
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