No meio de uma violenta ofensiva
anti-sindical por parte de Donald Trump, dos governos de vários Estados e das
grandes corporações, o ano de 2018 continua marcado por fortes lutas e vitórias
laborais.
André Levy | Abril Abril | opinião
O Presidente Trump anunciou ao
Congresso na passada quinta-feira, dia 30 de Agosto, que iria usar o seu poder
executivo para cancelar o aumento salarial de 2,1% dos funcionários públicos
federais previsto para o próximo ano, anunciando também que não haveria nenhum
aumento em 2019. O aumento salarial representaria cerca de USD$25 mil milhões e
a sua suspensão contrasta com outras rubricas aprovadas no orçamento federal,
como o corte fiscal de USD$1,5 milhares de milhões – privilegiando sobretudo os
ultra-ricos – e com o aumento salarial de 2.6% nas forças armadas, como parte
da despesa militar.
O congelamento é apenas mais um
episódio do ataque de Trump aos funcionários públicos federais. Em Maio assinou três ordens executivas tornando mais fácil despedir e
disciplinar estes trabalhadores; ordenando às agências federais renegociar
contratos com os sindicatos; e limitando a realização de trabalho sindical
durante o horário de trabalho. Porém, a 25 de Agosto as ordens executivas foram
canceladas por um juiz federal distrital, indicando que as ordens «limitam a
capacidade das agências para manter uma mente aberta, e participar inteiramente
nas discussões durante as negociações colectivas». Este foi apenas um episódio
recente na constante luta entre os trabalhadores e seus sindicatos contra as
forças do capital e os seus actuais representantes no Governo.
Nos EUA, trabalhadores
sindicalizados ganham cerca de mais USD$200/semana que trabalhadores não
sindicalizados, têm melhores benefícios de saúde e pensões, laboram em locais
de trabalho mais seguros. No entanto, a taxa de sindicalização em 2017 era de
10.7% (14,8 milhões de assalariados), um decréscimo relativamente a 1983, o
primeiro ano com dados comparáveis, quando a percentagem de trabalhadores
sindicalizados era de 20.1% (17,7 milhões de assalariados), e bem abaixo dos
anos do pós-guerra quando a taxa superava os 30%. É significativo contrastar a
evolução da taxa de sindicalização com a distribuição de riqueza nos EUA, pois
a desigualdade diminui com a crescente sindicalização no pós-guerra e tem vindo
a aumentar desde então, acompanhando a descida de sindicalização.
A quebra de sindicalização não é
específica aos EUA, mas transversal aos países da
OCDE, diminuindo de 30% em 1985 para 17% actualmente1.
Os níveis dos EUA, porém, estiveram sempre entre os mais baixos dos países
industrializados. A causa estará, em parte, na sua história de sistemática e
violenta guerra aos sindicatos e direitos laborais, uma luta de classes onde
alguns dos indivíduos e empresas mais ricas do mundo recrutaram exércitos de
forças de segurança, advogados, jornalistas e legisladores para as suas
fileiras.
A actual campanha anti-sindical é
coordenada, entre outros, pela Rede de Política Estadual (SPN, State Policy
Network) que reúne mais de 60 «grupos de reflexão» financiados por empresas e
bilionários, como a família Walton (dona da Walmart) e os irmãos Koch. Uma das
tácticas é um assalto directo usando chamadas telefónicas automáticas, correio
tradicional e eletrónico, redes sociais e visitas a casa, para persuadir os
trabalhadores a desfiliarem-se do seu sindicato. Os funcionários públicos,
sector com taxas mais elevadas de sindicalização, têm sido particularmente
alvejados, resultando em quebras de filiação na ordem dos 5-20%, segundo
documentos internos da SPN.
Em 2011, no Wisconsin passou a
primeira lei no país que obrigada à recertificação anual do sindicato. A lei,
entretanto seguida no Iowa e Florida, obrigada os sindicatos a gastar tempo e
recursos para, todos os anos, assegurarem os votos da maioria dos trabalhadores
num local de trabalho para serem seus reconhecidos representantes. A SPN
designa tais leis «Direito de Voto do Trabalhador». Aliás todas as medidas
adoptam designações eufemistas, alegando defender os direitos e liberdades
individuais enquanto atacam o direito de associação e acção colectiva. É também
o caso da terceira táctica, ainda não aprovada em nenhum estado, designada
«Escolha do Trabalhador», a qual prevê que um trabalhador não-sindicalizado
possa desvincular-se do contrato colectivo de trabalho (CCT) e negociar um
contrato individual. Tal permitirá ao empregador atribuir um «prémio de mérito»
ao trabalhador não-sindicalizado, encorajando a desfiliação.
Mas de longe a táctica mais em
prática são as leis do «direito-ao-trabalho». Tais leis proíbem CCT entre
empresas e sindicatos que, beneficiando todos os trabalhadores, estipulem que
todos (mesmo os não sindicalizados) paguem quota ao sindicato. Alegando
defender a liberdade de um trabalhador decidir, ou não, pagar, as leis têm por
objectivo real enfraquecer os sindicatos, a sua capacidade negocial e autonomia
financeira. Os resultados são evidentes: em estados onde tais leis estão em
vigor os salários, pensões e benefícios de saúde dos trabalhadores são mais
baixos.
Ao nível federal, esta tática
obteve em Junho uma vitória marcante, na decisão do Tribunal Supremo (5 contra
4) do caso Janus versus AFSCME. No sector público, o Tribunal Supremo havia
determinado, em 1977 (caso Abdood versus Direcção de Educação de Detroit) que
os sindicatos poderiam cobrar quotas de não-membros desde que esses fundos
fossem usados para a contratação colectiva e resolução de problemas. A mais
recente decisão determina que funcionários públicos não-sindicalizados não são
obrigados a pagar a quota sindical, muito embora beneficiem do contrato
colectivo negociado pelo sindicato.
O Tribunal concordou com o
funcionário, alegando assim defender a Primeira Emenda da Constituição que
protege a liberdade de expressão, neste caso defendendo o direito do
trabalhador não apoiar as ações políticas do sindicato. Mas os sindicatos
contestam que tal não estava em causa, pois os não-membros já têm direito a
reembolso de quantias gastas em actividades políticas não directamente
sindicais, tais como apoiar a campanha eleitoral de um candidato político. Mas,
afirmam, deveriam contribuir no caso das negociações colectivas, pois não é
justo que beneficiem dos ganhos sem partilharem nos custos de negociação.
A luta anti-sindical prossegue ao
nível estadual. As leis «direito ao trabalho» estão presentes em 27 dos 50
estados dos EUA. Embora muitos destes estados tenham aprovado estas leis nos
anos 1940-50, no seguimento da Lei Taft-Hartley que as tornou legais, alguns
estados aprovaram-nas já no novo século: Oklahoma em 2001, Indiana e Michigan
em 2012, Wisconsin em 2015, Kentucky e Virgínia Ocidental em 2017, o que
representa um novo assalto conservador aos direitos laborais.
Em 2017 o parlamento estadual de
Missouri, de maioria do Partido Republicano, aprovou uma lei «direito ao
trabalho» que o governador Eric Greitens prontamente promulgou. Mas a
constituição do estado do Missouri prevê a possibilidade de um «veto dos
cidadãos» por via de um referendo. Os sindicatos prontamente começaram a recolher
assinaturas para submeter a lei a votos este ano, tendo recolhido mais de 300
mil assinaturas (três vezes mais que o exigido por lei). Segundo a sindicalista
que coordenou a iniciativa, Jessica Podhola, os activistas bateram à porta de
mais de 870 mil casas, fizeram um milhão de chamadas telefónicas e distribuíram
cem mil cartazes. A legislatura tentou subverter o escrutínio, antecipando o
referendo de Novembro (aquando da eleição nacional intercalar) para Agosto (dia
de eleições primárias). Mesmo assim, 67% dos eleitores rejeitaram a medida, uma
percentagem maior que numa votação semelhante no estado em 1978, apesar de a
taxa de sindicalização ter entretanto diminuído em dois terços.
Esta foi uma importante vitória
laboral e sindical num ano marcado por outras lutas e vitórias significativas,
como a luta dos taxistas de Nova Yorque contra a Uber, ou as marcantes lutas dos professores nos estados de Virgínia
Ocidental2,
Oklahoma, Kentucky, Arizona, Carolina do Norte e Colorado, ao qual se vem
juntar Porto Rico e Washington. No final de Agosto, os trabalhadores da Walt
Disney World, parque de diversões na Florida de uma das mais ricas empresas do
mundo, após nove meses de negociações, conseguiram um novo contrato colectivo
que inclui um significativo aumento do salário mínimo de $10 para $15/hora (até
2021). A vitória vem no seguimento de conquista semelhante pelos trabalhadores
da Disneylândia na Califórnia. O salário mínimo nacional estabelecido pelo
governo federal é de $7,25, e a subida do salário mínimo até $15 tem sido uma
reivindicação sindical por todo o país, com vitórias em vários estados e cidades.
Notas:
1.Os
níveis mais elevados verificam-se na Islândia (90%), Suécia (67%) e Finlândia
(64%).
2.Vale
a pena ouvir o canto de vitória dos trabalhadores, após terem sido atendidas as
suas reivindicações: «Quem fez
a história? Nós fizemos história!»
Foto: Trabalhadores do sindicato
de metalúrgicos (United Steelworkers) na companhia de gás National Grid gás
manifestam-se em frente ao parlamento do Estado de Massachusetts, a 27 de Junho
de 2018. Fonte: Patrick Whittemore/Boston Herald
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