Paulo Morais* | Jornal de Notícias
| opinião
Está a nascer, no Porto, na
escarpa do Douro, junto à Ponte da Arrábida, um monstro urbanístico. A operação
imobiliária em curso destrói a paisagem, descaracteriza a cidade, não cumpre as
regras de planeamento em
vigor. E é ilegal, porque nem sequer alguém tinha direitos
construtivos adquiridos para aquele local, como erroneamente tem sido divulgado
no espaço público. No entanto, o mamarracho vai crescendo. Como foi possível
permitir esta aberração urbanística?
Porque em 2009, de forma
encoberta, Rui Rio e o seu vereador do Urbanismo, Lino Ferreira, concederam ao
promotor Paulo Barros Vale capacidade de construir de forma que considero ser
indevida e ilegítima. Esses direitos de construção, então atribuídos, mais não
foram do que uma borla ilegal dada em 2009, à custa do património natural de
todos os portuenses. A construção foi permitida com base num exotérico parecer
jurídico interno dos serviços da Câmara, bem com dum "parecer a
pedido" solicitado ao jurista Pedro Gonçalves, da poderosa Sociedade de
Advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.
Toda a tentativa de legitimação
se baseia num pedido de informação prévia (PIP), despachado pelo ex-presidente
da Câmara Nuno Cardoso, no último dia (!) do seu mandato, a 7 de janeiro de
2002. Mas este PIP não era verdadeiramente constitutivo de direitos, por razões
diversas, a principal das quais era a de que o requerente não possuía sequer o
terreno para poder construir, na medida em que uma parcela pertencia até ao
Município do Porto. Sem ter a posse do terreno, o promotor perderia, com o
tempo, direito a exercer o próprio PIP. Assim o entendeu o então vereador
Ricardo Figueiredo que, alicerçado em parecer jurídico, indeferiu o projeto,
ainda em 2002. O promotor Imoloc tentou ainda um pedido paralelo, mas a sua
pretensão foi também indeferida pelo vereador, uma vez que "o pedido
apresentado já nem sequer se conformava com a informação prévia". Assim,
este procedimento estava extinto, desse facto foi dada informação ao requerente
e o processo morreu. E morto e bem morto deveria ter continuado até aos dias de
hoje.
Mas, para mal da cidade e do seu
desenvolvimento, tal não sucedeu. A pedido de Paulo Barros Vale, empresário com
enorme influência na aura de Rui Rio - este e o seu vereador decidiram ressuscitar
o processo.
Assim, Barros Vale dá entrada, em
nome da empresa Arcada, com um pedido de informação prévia para construção de
edificação com nove pisos acima do solo, em fevereiro de 2009; este PIP merece,
numa decisão relâmpago, em menos de dois meses, um parecer favorável do
vereador Lino Ferreira.
E com que base emitiu o vereador
de Rui Rio o seu parecer? Alicerçado no já referido parecer jurídico, ambíguo,
perplexizante, dos serviços da Câmara dependentes de Rio. Este parecer vem
defender que o processo decorrente do PIP de Nuno Cardoso não havia sido
extinto, contrariando o que havia sido definitivamente decidido em 2002 por
Ricardo Figueiredo; com o argumento, aliás falso, de que o requerente Imoloc
não tinha sido notificado, o que tinha até acontecido em 2003. Além disso, o
parecer refere que o requerente teria direito à posse de todos os terrenos
necessários para a operação urbanística, com base numa permuta deliberada em
reunião de Câmara do longínquo ano de 2001. Ora esta deliberação de Câmara não
é bastante para a execução da permuta, uma vez que as competências de âmbito
patrimonial do Município são da exclusiva responsabilidade da Assembleia
Municipal; e em nenhum momento é referida essa hipotética deliberação da
Assembleia. E, assim, a necessária escritura de permuta, um dos vários
requisitos impostos no PIP, nunca se terá realizado.
Ciente da fragilidade dos seus
argumentos, a Câmara tenta ainda legitimar a sua decisão num parecer jurídico
externo, elaborado "a pedido", da autoria de Pedro Gonçalves. Este,
fiel aos interesses privados, tenta, de forma ardilosa, "ressuscitar"
o PIP de Nuno Cardoso. Em vão.
E assim, sem PIP em vigor, não
sendo os terrenos do requerente e estando o processo extinto - é ilegal a
construção justificada pelo despacho favorável do vereador Lino Ferreira de
2009; e não têm pois fundamento válido todas as decisões administrativas que se
lhe seguiram. Foi com base neste logro que se iniciou a obra deste crime urbanístico
que agora nasce na escarpa do Douro e a que amarguradamente assistimos.
A bem da defesa do património que
constitui a escarpa do Douro, mas sobretudo em defesa da legalidade
democrática, esta barbaridade urbanística tem de ser impedida. Pelas forças
políticas da Câmara, pelos tribunais ou pelo povo do Porto.
*Presidente da Frente Cívica,
ex-vice-presidente da Câmara do Porto
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