Luciano Rocha | Jornal de Angola | opinião
Honra, comprometimento, vergonha, dever são, entre tantos
outros, vocábulos que têm vindo a perder sentido nas sociedades consumistas
caracterizadas e avaliadas pelas aparências, nas quais o lema norteador é o
enriquecimento a qualquer custo.
Em Angola, longe vai o tempo em que palavra dada era mais
importante do que documento assinado hoje. Com ela não se voltava atrás. Ai de
quem o fizesse sem justificação plausível, de preferência atempada.
Passava a ser pessoa desonrada, indigna de aperto de mão. Tempos houve que
alguns casos culminavam com duelos. Desses não me lembro, ainda cá não andava
neste mundo. Conheço-os de estórias, mas recordo-me do livro de vales nas
mercearias de bairro, com pagamento no fim do mês e igualmente de outro, cujo nome
não me lembro, sem papel químico, como o primeiro, onde o dono da loja também
apontava a dívida. Era estreito e comprido, quase sempre com o fiado a ser
saldado ao sábado. Nestes procedimentos simples havia honra.
Como havia honra de quem aceitava um emprego, um cargo. Jamais passava pela
cabeça de alguém desonrar o compromisso, o salário ganho com trabalho honrado.
Muito menos justificar eventual fraco rendimento laboral, como o que recebia ao
fim do mês por muito pouco que fosse.
Por isso, muitos de nós, crianças e adolescentes da minha geração, vestiram
camisas passajadas, calções remendados, quedes quase sem solas, sandálias “mil
vezes” consertadas nos sapateiros de bairro. Os nossos pais, na maioria, não
tinham carro, que era luxo ao alcance de poucos. Andavam a pé ou, quando muito,
de maximbombo, com passe mensal.
Já escrevi mais do que uma vez, mas volto a fazê-lo, não tenho saudades desses
tempos de dificuldades tantas, mas enoja-me ver diluir-se, cada vez mais, o
sentido de honra, do compromisso, da vergonha. Gente capaz de tudo, até de
vender corpo e alma, para levar uma vida a que não tem direito.
Todos conhecemos casos - são tantos que é difícil não dar por eles - de pessoas
que, na corrida desenfreada atrás do “deus dinheiro”, ocupa cargos
para as quais não estão minimamente preparadas. Muitas deles conseguidos pelo
túnel escorregadio e envenenado do nepotismo de várias vestimentas, mas outros,
é bom sublinhar, por lhes ter sido reconhecidas potencialidades, que nem sempre
conseguiram fazer crescer. Mesmos estes, raramente tiveram a dignidade de
apresentar a demissão. E foram-se arrastando nos lugares, incapazes de abdicar
de hábitos e vícios que foram adquirindo. Pelo dinheiro, pela vaidade,
deixaram-se vestir pela desonra.
Se este sentimento de honradez tivesse sido cultivado mais entre nós, em vez de
ser quase consagrado ao desprezo, à risada dos seguidores de vida luxuosa a
qualquer preço, que crescem como salalé em casa de adobe, talvez o nosso
Governo dispusesse agora de mais espaço de manobra para “melhorar o que está
bem, corrigir o que está mal”, a Procuradoria Geral da República não tivesse
tanto trabalho em mãos, o presente - sobretudo o futuro imediato - da maioria
dos angolanos fosse menos penoso, e a vigarice, ainda à solta, já não
existisse. Pelo menos, em tão grande número.
Se muitos dos que ocuparam - e os que, eventualmente, ainda ocupam - cargos
importantes que não dignificaram, se não se tivessem deixado levar pelo
turbilhão da ganância e da luxúria para as quais, a maioria não estava
preparada, se tivessem declinado cadeiras onde os sentaram ou demitido a tempo,
talvez as nossas cadeias não ficassem, a breve prazo, tão cheias e Angola
não precisasse de começar, outra vez, a ser reconstruída.
Neste momento difícil, mais um, que Angola vive, é importante que se comece a
cultivar sentimentos de honra, comprometimento, vergonha. Para que as novas
gerações não se sintam constrangidas ao ouvir falar de nós, pelo contrário se
orgulhem do legado recebido.
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