Paulo Baldaia | Jornal de Notícias
| opinião
Cada vez que um antidemocrata é
eleito, a Democracia está a falhar pela segunda vez. Ela não existe para vergar
as minorias à vontade das maiorias, como defendem os que nela não acreditam.
Não existe para que alguém, em nome do voto que recebeu, suspenda os direitos
de uma parte da população. Não existe para dar força a quem a considera
"uma porcaria". Não existe para legitimar o poder de quem é racista,
xenófobo, misógino, homofóbico... A Democracia não existe para eleger quem
acredita que matar suspeitos de corrupção, de tráfico de droga, de qualquer
outro crime é melhor que julgá-los e prendê-los. Mas quando a Democracia se
derrota a si própria, fazendo eleger um antidemocrata, é porque primeiro ela
falhou de forma irreversível a milhões de democratas, levando-os a votar contra
ela.
A Democracia também não existe,
aliás, apenas para garantir a universalidade do direito de voto. Ela existe
para garantir que a justiça segue um caminho que se concretiza com políticas
que, não perdendo de vista os direitos das minorias, salvaguardam a vontade das
maiorias. Se a justiça falha, é a Democracia que paga. O respeito pela
separação de poderes, o cumprimento da lei e a certeza de que a sua aplicação é
igual para todos, a garantia de que é possível viver em segurança, nada pode
falhar para que todos sintam que a justiça funciona. A perceção de que a
corrupção compensa, que os detentores do poder ou da riqueza estão acima da lei
também mata a Democracia. A perceção de que os criminosos têm mais poder e mais
força do que a Polícia também mata a Democracia. Antes dos políticos
populistas, autoritários e perigosos chegarem ao poder, muitos democratas lhes
desbravaram o caminho.
Baseamos o sistema de justiça num
consenso sobre o bem e o mal, fazendo leis e dando aos tribunais e aos juízes o
poder de as aplicar, mas a Democracia tem outros conceitos de justiça em que
não devia falhar. A justiça social, conceito mais volátil, ideal político que
justifica uma aposta forte na Democracia, parece igualmente comprometida. Se os
governos que elegemos não são capazes de ter políticas redistributivas
equilibradas, dando a quem precisa sem retirar excessivamente a quem trabalha
ou a quem investe, também por aqui pode crescer uma vontade ultraliberal que
dispensa muitas das regras com que se constrói uma Democracia. E ela vai
morrendo.
Em Ditadura só há ditadores, em
Democracia é que há Direita e Esquerda, mais ou menos tolerantes à diferença,
mais ou menos coerentes entre o que dizem e o que fazem. É, aliás, nessa
incoerência que a Democracia se faz derrotar, pouco importando ao povo
injustiçado que lhe rotulem o candidato preferido como sendo de extrema-direita
ou extrema-esquerda. Para quem vive com a sensação de insegurança total, com a
perceção de que a justiça não chega aos poderosos, com a certeza de que lhes
falta em habitação, saúde, alimentação, o que noutros é desperdício, para esses
a Democracia não está em perigo, ela há muito que lhes faltou. Ela há muito que
não lhes faz falta.
A Democracia que se encheu de
eleitos maneirinhos, gente que apenas quer andar por lá algum tempo,
ajeitando-se em cargos de ocasião, sem saberem patavina do que precisa o povo
que os elegeu, chega a um momento em que já não consegue disfarçar o mal que
causam esses "democratas". Então, democraticamente, o povo escolhe o
menos democrata que houver no cardápio. É cíclico. Logo a seguir virá a luta
pelo regresso da Democracia, em que verdadeiros democratas concorrem para ser
eleitos com a preocupação de governar pelo povo e para o povo.
* Jornalista
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