quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Os democratas estão a matar a Democracia

Paulo Baldaia | Jornal de Notícias | opinião

Cada vez que um antidemocrata é eleito, a Democracia está a falhar pela segunda vez. Ela não existe para vergar as minorias à vontade das maiorias, como defendem os que nela não acreditam. Não existe para que alguém, em nome do voto que recebeu, suspenda os direitos de uma parte da população. Não existe para dar força a quem a considera "uma porcaria". Não existe para legitimar o poder de quem é racista, xenófobo, misógino, homofóbico... A Democracia não existe para eleger quem acredita que matar suspeitos de corrupção, de tráfico de droga, de qualquer outro crime é melhor que julgá-los e prendê-los. Mas quando a Democracia se derrota a si própria, fazendo eleger um antidemocrata, é porque primeiro ela falhou de forma irreversível a milhões de democratas, levando-os a votar contra ela.

A Democracia também não existe, aliás, apenas para garantir a universalidade do direito de voto. Ela existe para garantir que a justiça segue um caminho que se concretiza com políticas que, não perdendo de vista os direitos das minorias, salvaguardam a vontade das maiorias. Se a justiça falha, é a Democracia que paga. O respeito pela separação de poderes, o cumprimento da lei e a certeza de que a sua aplicação é igual para todos, a garantia de que é possível viver em segurança, nada pode falhar para que todos sintam que a justiça funciona. A perceção de que a corrupção compensa, que os detentores do poder ou da riqueza estão acima da lei também mata a Democracia. A perceção de que os criminosos têm mais poder e mais força do que a Polícia também mata a Democracia. Antes dos políticos populistas, autoritários e perigosos chegarem ao poder, muitos democratas lhes desbravaram o caminho.

Baseamos o sistema de justiça num consenso sobre o bem e o mal, fazendo leis e dando aos tribunais e aos juízes o poder de as aplicar, mas a Democracia tem outros conceitos de justiça em que não devia falhar. A justiça social, conceito mais volátil, ideal político que justifica uma aposta forte na Democracia, parece igualmente comprometida. Se os governos que elegemos não são capazes de ter políticas redistributivas equilibradas, dando a quem precisa sem retirar excessivamente a quem trabalha ou a quem investe, também por aqui pode crescer uma vontade ultraliberal que dispensa muitas das regras com que se constrói uma Democracia. E ela vai morrendo.

Em Ditadura só há ditadores, em Democracia é que há Direita e Esquerda, mais ou menos tolerantes à diferença, mais ou menos coerentes entre o que dizem e o que fazem. É, aliás, nessa incoerência que a Democracia se faz derrotar, pouco importando ao povo injustiçado que lhe rotulem o candidato preferido como sendo de extrema-direita ou extrema-esquerda. Para quem vive com a sensação de insegurança total, com a perceção de que a justiça não chega aos poderosos, com a certeza de que lhes falta em habitação, saúde, alimentação, o que noutros é desperdício, para esses a Democracia não está em perigo, ela há muito que lhes faltou. Ela há muito que não lhes faz falta.

A Democracia que se encheu de eleitos maneirinhos, gente que apenas quer andar por lá algum tempo, ajeitando-se em cargos de ocasião, sem saberem patavina do que precisa o povo que os elegeu, chega a um momento em que já não consegue disfarçar o mal que causam esses "democratas". Então, democraticamente, o povo escolhe o menos democrata que houver no cardápio. É cíclico. Logo a seguir virá a luta pelo regresso da Democracia, em que verdadeiros democratas concorrem para ser eleitos com a preocupação de governar pelo povo e para o povo.

* Jornalista

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