Rafael Barbosa* | Jornal de
Notícias | opinião
No princípio era o verbo. Que é
como quem diz que no princípio houve um roubo em Tancos. É certo que logo
acrescentaram que eram velharias que não interessavam, mas o verbo continuou a
ser conjugado (ou era usado o substantivo). Roubo, de qualquer das formas, sem
margem para dúvidas.
Pode ao leitor parecer que isto é
repetitivo, mas já perceberá a importância. E que, tal como no Evangelho de S.
João, sentindo-se confuso, pode voltar ao princípio, ao verbo. Houve um roubo em Tancos. A partir da assunção
desta premissa, está como qualquer leitor do referido evangelho: acredita se
quiser. O ministro da Defesa, por exemplo, mostrou-se cético desde o início.
"No limite, pode não ter havido furto nenhum", atirou, causando
estupefação, ainda que pelas razões erradas, uma vez que os críticos se
centraram no conteúdo, em vez de na forma, com isso deixando escapar o uso
técnico da palavra furto. Foi um golpe duplo na tese do roubo. Não só não
houve, como se houve, não era roubo, era furto. Se fosse agora, e se não
acreditássemos nas juras de Azeredo Lopes, poderíamos sempre dizer que ele já
tinha sabido do famigerado memorando e portanto já sabia da tramoia montada
pela Polícia Judiciária Militar. Ao contrário do ministro, que não sabia de
nada, o líder do PSD sabia de tudo. E um destes dias mostrou a António Costa
que é uma boa opção para a pasta, depois das próximas eleições. "Tenho
informações, mas não posso dizer", gabou-se perante os jornalistas. Tantas
que, sobre a operação que pôs fim à conjura, "estava era à espera que já
tivesse sido". Resumindo, "dentro da anormalidade, já se caminha para
a normalidade", concluiu Rui Rio. Faltava apenas que o tema fosse a debate
no Parlamento, onde estão os melhores. Os detalhes poderá o leitor encontrar
mais à frente, se tiver vontade. Fico-me pela garantia do primeiro-ministro,
que nos deixa descansados (ainda que só num futuro distante): "Um dia
ainda havemos de saber o que cada um sabia sobre esta história de Tancos".
Alguns dirão que o primeiro-ministro foi críptico. Eu limito-me a notar que já
não há nem roubo, nem furto, há uma história. No princípio era o quê?
* Chefe de Redação do JN
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